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Praia a sul da Missão Católica de Cabinda
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Esta
é uma tarefa sem fim em vista, pois continuo a melhorar este blogue
continuamente. Assim, volta em breve, pois vais encontrar algo de novo!
27. Cabinda, Terra Misteriosa e Fascinante
Cabinda encantou-me desde o primeiro minuto que a vi
- a floresta frondosa do Maiombe, as praias sublimes, o seu povo franco e
aberto, e a presença de muitos estrangeiros a trabalhar nos poços de
petróleo da Cabinda Gulf Oil no Malembo. Naturalmente,
interessei-me pela sua história, pela sua economia, e pela sua situação
especial nos quadros social, político e administrativo de Angola.
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Rosa de Porcelana , a flor de Cabinda
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Apesar de tudo, o que
mais tenho saudade é dos sons de música congolesa pela noite fora das
rebitas situadas nos "povos" (vizinhanças, sanzalas) à volta da cidade.
Cabinda à noite oferecia uma "paisagem" especial, pois os poços de
petróleo ao largo do mar ardiam permanentemente (para queimar o
sobreproduto do gás natural), o que davam uma côr laranja às noites mais
claras, à custa de uma descarga pesada de anidrido carbónico (CO2 -
dióxido de carbono) para a atmosfera, e contribuindo assim para o
aquecimento global.
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Mapa físico de Cabinda
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O território de Cabinda é um exclave de Angola a norte da foz do rio Zaire com a área aproximada de 7.270 quilómetros quadrados desligado do resto do território de Angola. Perto que se está da linha do equador entre 4 graus 24 minutos e 5 graus 45 minutos Norte e ao longo da costa da África Central (entre 12 e 13 graus Oeste), o clima de Cabinda é equatorial, quente e húmido, com vegetação muito densa a norte (a floresta do Maiombe), e um pouco mais esparsa a sul.
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Mapa do antigo distrito de Cabinda, 1971
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O território de Cabinda pode dividir-se em três regiões distintas:
a) a região sul do território com cerca de 1.400 quilómetros quadrados de terras baixas, que inclui a cidade de Cabinda, a sul da Baía de Malembo até à fronteira sul no Iema (Ntó) com a República Democrática do Congo;
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As palmeiras de leque encontravam-se em todo o lado em Cabinda
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b) A zona central com cerca de 2.250 quilómetros quadrados, entre 100 a 250 metros de altitude que inclui a vila de Lândana, onde desagua o Rio Chiloango, até à Chicamba a norte e Luali a leste. É nesta região que se encontravam as maiores unidades agrícolas de plantação de café, cacau, óleo de palma, e de algumas explorações de madeira. É ainda nesta região central de Cabinda que se encontraram importantes depósitos de fosfatos, que não foram explorados pelos portugueses. Foi também nas águas pouco profundas (10 a 30 metros) da Baía de Malembo, em frente ao terminal do Malongo, que as primeiras jazidas de petróleo foram encontradas na região em 1962 pela companhia americana Cabinda Gulf Oil Company; e
c) A região do Maiombe, que compreende a metade norte/nordeste do território, de cerca de 3.550 quilómetros quadrados, com altitudes oscilando entre 200 e 450 metros, que vai do Rio Luali ao Miconge a norte e leste, fazendo fronteira com a República do Congo (Brazzaville) caracterizada pela grande floresta do Maiombe, em que a exploração intensiva de tipoos exóticos de madeira era a principal actividade económica.
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Depois da Amazónia, a floresta do Maiombe é a segunda maior floresta equatorial do mundo, A floresta do Maiombe estende-se ao longo de uma zona de montanhas paralela à costa que atravessa a República Democrática do Congo (Baixo Congo), Angola (a metade nordeste de Cabinda), República do Congo, e o Gabão.
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Já que estamos a falar de plantas, o chamado Pau-de-Cabinda (Pausinystalia macroceras), é uma planta da família das Rubiaceae, de alegada origem em Cabinda, mas muito popular na África a sul do Sahara, também conhecido como yohimbe, muito usada na medicina tradicional como afrodisíaco e estimulante sexual muito eficaz, e à venda na maioria das ervanárias de Angola do meu tempo. Toma-se como uma infusão de chá.
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O famoso Pau-de-Cabinda cuja casca é um afrodisíaco e estimulante sexual se toma numa infusão como chá, muito popular nas ervanárias angolanas do meu tempo. |
Um Pouco de História de Cabinda
História pré-colonial de Cabinda
Reinos históricos de Cabinda
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Os três reinos históricos de Cabinda - Loango, Cacongo e Ngoio
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Etno-história e história pré-colonial
O Reino de Ngoio
O Reino de Cacongo
O Reino de Loango
Cabinda, a antiga Tchiôua, foi durante séculos o povoado principal do antigo reino do Ngoio, que como os antigos reinos de Cacongo (Malembo e Lândana), e Loango era independentes do antigo reino do Congo.
Embora organizado em três reinos ancestrais, o povo de Cabinda é Bakongo, com os seguintes clãs (kandas) principais: Bauoio (a sul do rio Lulondo: Cabinda, Simulambuco, Subantando, Chimbuande, Chinzaze,Ntó, Gange, e Iema), Bakongo (no interior entre os rios Lulondo e Chiloango: Fubo, Tando Zinze e Zenza do Lucula), Bakoki (ao longo da costa - Malembo e Cacongo (Lândana), Balingi (Dinge), Bavili (Chicamba e Massabi), Baloango/Baiombi (Luali, Necuto, Inhuca, e Buco Zau), e Basundi (Belize, Luali, e Miconge). A língua falada é o Fiote, que é um dialecto local da língua Kikongo.
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Mulher Fiote (de Cabinda), 1971 |
Escravatura como instituição tradicional diferente de tráfico de escravospara São Tomé
Nos tempos da escravatura, o porto de Malembo foi um dos portos principais de exportação de escravos para São Tomé, Brasil, Caraíbas, e Américas. A presença portuguesa em Cabinda foi muito ténue até 1783 quando o forte português foi destruído por um ataque francês.
O porto de Malembo como um dos portos negreiros principais a norte do rio Zaire e a sul de Loango
Tráfico de escravos e comércio - Portugueses, Ingleses, Franceses, e Holandeses
Em 1723, o rei Dom João V de Portugal ordena uma expedição naval composta de navios de Portugal e do Brasil para a costa de Malembo e Cabinda, entre os quais a nau Nossa Senhora da Atalaia, comamndada pelo capitão de mar e guerra José de Semedo Maia e do comandante Estêvão José de Almeida,
de Belém do Pará, para desalojar o contingente militar inglês do forte
que tinha sido construído meses antes para proteger a feitoria inglesa
na região, com o apoio do Rei do Ngoio. Após breve combate, os ingleses
rendem-se, retiram-se de Cabinda, e vão de volta à Inglaterra, passando
os portugueses a considerar Cabinda como uma possessão ultramarina desde
essa data.
O Marquês de Pombal, Secretário de Estado do Rei Dom José I de Portugal governou Portugal com pulso de ferro entre 1756 e 1777. Ele advogou o absolutismo (através do despotismo esclarecido) e o iluminismo em
Portugal, castigando tenazmente os nobres envolvidos no atentado de morte do rei Dom José em 1758. A sua legacia sobreviveu até hoje: Ele reconstruiu a baixa de Lisboa (a Baixa Pombalina) depois do terramoto de 1755 ("E agora? Enterram-se os mortos e cuidam-se os vivos"),
reformou as finanças e estabeleceu o Banco Real, perseguiu e extinguiu a Inquisição e expulsou os Jesuítas de Portugal em 1759. Ele não gostava dos judeus mas protegeu os cristãos-novos no ultramar,
extinguiu a Universidade de Évora e reformou a Universidade de Coimbra, e
incentivou a dinamização da vinicultura (Companhia para a Agricultura das Vinhas do Alto Douro) e das pescas (Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve) em Portugal.
O Marquês de Pombal preocupou-se ainda com o fomento económico do ultramar português,
especialmente do Brasil, de Angola (através do governo de Dom Inocêncio de Sousa Coutinho (1772-76), dos quais se destaca a construção do Terreiro Público, do Trem, e do Passeio Público em Luanda, e da Real Fábrica de Ferro de Nova Oeiras na Ilamba), e a ocupação do interior do planalto central de Angola através da criação dos presídios no Uambo (Huambo) e Vihé (Bié), como os de Caconda e Quilengues. Ele preocupou-se ainda com o desenvolvimento económico da Índia Portuguesa, através da criação efémera da Companhia de Comércio da Ásia Portuguesa.
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Retrato de Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal, 1699-1782), por Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet | |
Por
iniciativa do Marquês de Pombal em 1761, Portugal foi o primeiro país
europeu a dar o primeiro passo ao abolir o tráfico de escravos para o
seu território europeu, declarando libertos e forros todos os escravos
que entrassem em Portugal.
No entanto, no Atlântico Sul, o tráfico de
escravos de África para o Brasil (Maranhão, Pernambuco, Baía, e Rio de
Janeiro, então governado pelo seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado), continuava muito activo, aumentou muito neste período com o estabelecimento de
companhias majestáticas de comércio e tráfico de escravos, como a Companhia do Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, para a importação e transporte de escravos da costa da Guiné. Nessa altura,os escravos
capturados na bacia do Zaire eram exportados principalmente para a América, Guianas, e as Caraíbas através dos portos de Ambriz, Pinda,
Cabinda, e Malembo, onde estavam também estabelecidas feitorias inglesas, francesas, e
portuguesas. Luanda e Benguela continuavam a dominar o tráfico para o Brasil e para o Rio da Prata.
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Planta do Forte de Santa Maria de Cabinda, 1784, do qual hoje só restam ruínas.
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Em 1779 a raínha Dona Maria I
de Portugal mandou construir um forte em Malembo e outro em Cabinda
para defender as feitorias dos portugueses das investidas francesas,
inglesas, e flamengas que assolavam o comércio de escravos na região.
Quatro anos mais tarde, em 1784, o forte português de Santa Maria de Cabinda (então chamada Porto Rico) foi atacado e destruído pela força naval comandada pelo então capitão de mar-e-guerra Charles de Bernard de Marigny
da marinha de guerra francesa.
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Vice-Almirante
Charles de Bernard de Marigny, da Marinha de Guerra Francesa, que
comandou a destruição do forte português de Santa Maria de Cabinda
(Porto Rico) em 1783-84.
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A corôa portuguesa protestou de imediato
o ataque francês o que veio a resultar na confirmação do reconhecimento
internacional da soberania portuguesa sobre a costa de Cabinda e
Molembo, através de uma convenção diplomática de 30 de Janeiro de 1786
mediada pela Espanha.
A
situação de guerra nos Dembos continuou até 1791, quando os portugueses
finalmente derrotaram os Dembos Dambi-Angonga e Quitexi-Cambambi, que
passaram a prestar vassalagem ao rei de Portugal.
Em 1836 o Marquês de Sá da Bandeira (ainda em desenvolvimento)
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Bernardo
de Sá Nogueira de Figueiredo, Marquês de Sá da Bandeira (1795-1876),
destacado abolicionista português que foi presidente do Conselho de
Ministros de Portugal entre 1837 e 1839.
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Entre 1837 e 1840, com base no Tratado do Rio de Janeiro, a Armada Imperial Brasileira estabeleceu a base naval da Divisão Leste
no território de Cabinda, fazendo deste o único território colonial
brasileiro fora da América do Sul. A presença brasileira na região
resultou no fim aparente do tráfico de escravos e na dissolução do reino
do Ngoio em 1847. Cabinda passou então a ser um porto pesqueiro e
comercial português de certa monta, onde se comerciavam panos libongos,
sal, e madeira.
Em 1854, o príncipe Mpolo, do principado de
Malembo aliou-se a Portugal oferecendo aos portugueses o monopólio
comercial da Baía de Malembo. No ano seguinte, 1855, o rei de Cacongo, Mambuco Puna, ofereceu a Portugal o monopólio comercial da baía de Cabinda. Em 1870 é estabelecida pelas autoridades portuguesas a Prefeitura Apostólica do Baixo Congo e do Cubango, sob os auspícios dos Padres do Espírito Santo, e em 1877 é estabelecida a Missão de Lândana.
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Entrada da antiga residência do governador de distrito de Cabinda, 1972
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Etimologicamente, o nome "Cabinda" vem da junção de duas palavras kikongo - Mafuca, que era o funcionário superior da corte do reino do Ngoio responsável pelo comércio com o exterior (intendente geral do comércio), e Binda, que era o nome próprio de um desses funcionários, assim do original Mafuca Binda,
uniram-se as palavras e perdeu-se o prefixo Mafu, o que ficou
"Cabinda".
É oportuno mencionar aqui que os habitantes de Cabinda antes do
contacto com os europeus chamavam à povoação o nome de "Tchioua", que quer dizer "grande mercado", e que os portugueses também chamaram "Palmar" no século XVIII, "Porto Rico" nos princípios do século XIX, e "Vila Amélia" depois de 1896, em comemoração do casamento do futuro Rei Dom Carlos I de Portugal com Maria Amélia Luisa Helena de Orleães. Depois da implantação do regime republicano em Portugal em 1910, o nome da vila deixou de ser "Vila Amélia" e passou ao actual nome de "Cabinda".
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Uma vista da antiga Vila Amélia (Cabinda), 1901
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1810 tratado entre Portugal e a Inglaterra que confirma o território de Cabinda estar sob soberania portuguesa
Fundação da Missão de Lândana, 1873, pelos Padres do Espírito Santo; Boma, 1876; Nemlau, 1885; Luáli, 1890, Cabinda 8 de Dezembro de 1891; Lukula, Zenze, 16 Janeiro de 1893; e Matembo, Belize, 13 de Junho de 1922
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Igreja de São Tiago Maior, Missão de Lândana, Cacongo, Cabinda. Fundada em 1873 e desmoronou em 2022.
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Conferência Geográfica de Bruxelas 1876
Tratado de Chinfuma 29 Setembro 1883
Chicamba 26 de Dezembro de 1884
Simulambuco 22 de Janeiro de 1885
Nomeação do Delegado do Governo Português em Cacongo e Massabi, Alferes José Emílio dos Santos Silva, em meados de 1884
Nomeação do Delegado do Governo Português em Cabinda, Jaime Peeira de Sampaio Forjaz de Serpa Pimentel, em meados de 1885
Conferência de Berlim Novembro 1884 a Fevereiro 1885
Delimitação de fronteira com a Associação Internacional do Congo (o Estado Livre do Congo) das regiões do Congo (incluindo Cabinda) e Lunda
Convenção com a França para delimitar a fronteira entre Cabinda e o Congo Francês a 12 de Maio de 1886. Conflitos de influência de ordem comercial e religiosa
Distrito do Congo criado por Carta de Lei de 18 de Julho de 1885
Cabinda designada como sede do distrito do Congo a 31 de Maio de 1887
O primeiro governador do distrito do Congo, João de Brisaac das Neves Ferreira, chega a Cabinda
1917 sede do distrito do Congo deixa de ser Cabinda e passa a ser Maquela do Zombo
Cabinda passa a intendência em 1921, continuando a ser subordinada a Maquela do Zombo
1922 Criado o distrito do Zaire, que Cabinda passa a fazer parte
1930 Cabinda e Zaire passam a fazer parte de uma intendência única
1932 os distritos de Zaire e Congo integram-se num só distrito (Zaire e Congo), e a intendência de Cabinda passa a depender directamente do Governador Geral de Angola
1934 Nova reorganização administrativa de Angola, que passa ter cinco províncias e 14 distritos; Cabinda fica dependente da Província de Luanda
1945 Cabinda desliga-se da Província de Luanda e passa a depender directamente do Governador Geral
1946 Cabinda torna-se um distrito
Protagonistas:
Guilherme Augusto de Brito Capelo
João José Rodrigues Leitão (Sobrinho)
António Thiaba da Costa
Manuel José Puna, primeiro Barão de Cabinda
Os Franques
Manuel António da Silva
Tratado
do Zaire Portugal Inglaterra em 1883 não ratificado pelas partes e não reconhecido pela França e pela
Alemanha. Portugal pediu então a
organização de uma conferência internacional sobre a Bacia do Congo.
França, Alemanha, e Bégica aproveitam-se da situação e organizam a
Conferência de Berlim potências participantes.
O Rei do Congo (Dom Pedro V Água-Rosada) e dois dos seus filhos
estiveram presentes aos trabalhos da Conferência de Berlim, onde
afirmaram a sua nacionalidade portuguesa, o que contribuiu para que
fosse reconhecida a soberania de Portugal sobre todo o território de Cabinda e de todo o
norte de Angola.
De acordo com a Conferência de Berlim, a Bacia Convencional do Zaire foi criada por Portugal, a França, e o Rei Leopoldo II da Bélgica (Estado Livre do Congo) para facilitar o comércio internacional e a evangelização da região da foz do rio Zaire. A Bacia Convencional do Zaire abrangia a zona costeira do território do então Congo Francês (desde um pouco a norte de Ponta Negra até à fronteira com Cabinda), todo o território de Cabinda, a área da foz do Zaire sob soberania do Estado Livre do Congo - as áreas de Boma, Bana, e Matadi), e a margem norte do Rio Zaire do território de Angola (Noqui).
Como o território de Cabinda estava incluído na Bacia Convencional do Zaire, Portugal náo podiam impôr qualquer tarifa alfandegária em
mercadorias importadas, e era obrigado a abrir o território de Cabinda à
evangelização sem qualquer proibição de culto a missões estrangeiras. Cabinda e Lândana tornaram-se assim portos francos e a Congregação do Espírito Santo estabeleceu a primeira missão religiosa francesa em Lândana em 1873 pelo Padre Carrie.
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Uma vista de Cabinda (então Vila Amélia, na proximidade da antiga Alfândega), nas primeiras décadas do século XX. |
A isenção de tarifas alfandegárias sobre mercadorias importadas por empresas de Cabinda acabou por se tornar um agente chave para o desenvolvimento económico de Cabinda durante as décadas vindouras. Quanto à Missão de Lândana, a concorrência francesa em breve desapareceu pois a Missão de Lândana passou a ser gerida pelas autoridades eclesiásticas de Luanda.
Presença militar portuguesa
MPLA e FLEC
Economia de Cabinda
Até 1965, a economia de Cabinda, como parte da então província de Angola,
assentava fundamentalmente na agricultura de produtos coloniais, incluindo plantações de café (descasque e torrefação), cacau,
oleaginosas (óleo de palma e coconote/copra), e na exploração e corte de madeiras da floresta do
Maiombe (serração e processamento industrial, comércio geral (importação
e exportação), navegação e cabotagem.
Depois de 1965, com a descoberta de vastos lençóis petrolíferos ao largo de Malembo, a exploração e produção de petróleo tornaram-se a principal actividade económica do distrito e de Angola.
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A
indústria de madeiras foi em Cabinda a actividade económica mais
importante desde 1890s até 1960s. Ela incluia a construção de estradas,
corte, transporte, serração, carpintaria, exportação por barco, e
fabrico de contraplacados.
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A Companhia de Cabinda, talvez a empresa mais importantes do distrito durante mais de cinquenta anos, foi fundada em 1903 com capitais portugueses no montante de inicial de 450.000,00 reis, com demarcações de terrenos num total de 139.600 hectares, ocupando assim mais de metade da região do Maiombe. Em 1923 a Companhia de Cabinda comprou a Companhia do Malembo com uma roça de 334 hectares, trazendo a superfície total de terras demarcadas para quase 140.000 hectares. Embora limitada ao território do distrito, a Companhia de Cabinda foi inicialmente organizada como uma companhia majestática e modelada no regime de concessões dadas em São Tomé e Príncipe. Note-se contudo que a área da concessão de terras para a Companhia de Cabinda era uma vez e meia a área total da Ilha de São Tomé.
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Título
de 10 acções na Companhia de Cabinda, emitido em 1918. Fundada em
1903, a Companhia de Cabinda dominou a economia de Cabinda durante cinco décadas com a
produção de café, cacau, e corte de madeiras exóticas até à produção e venda
de petróleo do Malembo em 1968. |
As principais actividades da Companhia de Cabinda incluiam o corte, serração, e exportação de madeiras, plantações e descasque de café, plantações de cacau, e de oleaginosas (extracção de óleo de palma e coconote (copra); comércio (exportação e importação); pecuária (gado bovino e ovino), fábrica de tijolo e telha; transporte fluvial, e estaleiros de construção de batelões e baleeiras.
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Uma roça (fazenda) da Companhia de Cabinda, 1940s
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A Companhia de Cabinda tinha várias fazendas espalhadas por todo o distrito de Cabinda, embora concentrasse as suas operações na metade norte do distrito - as roças Barroso, Nunes, Pinto da Fonseca (evocando o nome do seu primeiro administrador), Alzira, Lucucuta, Caiapanzo, Adriano Coelho, Chimuanga, Lubambe, Izizaltina, Lufuinde, Vida, Sócoto, Muba-Chinfuca, e Nsassa Nzau.
A Companhia de Cabinda foi a pioneira na exploração económica das madeiras exóticas do Alto-Maiombe. A sede da companhia foi inicialmente estabelecida no Chiloango, onde permaneceu até 1923, depois transferida para o Malembo onde operou até 1945, e finalmente transferida para Cabinda em 1945. O edificio da sede da companhia na baixa de Cabinda era um complexo grande que incluia escritórios, armazéns, e oficinas, e uma mansão para residência do administrador, com muitos quartos para visitantes.
Durante a sua longa vida, a Companhia de Cabinda atravessou várias crises ligadas às baixas peródicas nas cotações de produtos coloniais, falta de capitais para racionalizar e industrializar a produção, e elevados custos na exploração de madeiras no Maiombe, pois teve que construir uma extensa rede de estradas em terrenos muito difíceis, e a falta de um cais acostável em Cabinda. A estes factores devemos ainda considerar a dificuldade permanente em atrair e reter bons empregados e gerentes.
Outras empresas importantes em Cabinda desse tempo incluiam as seguintes firmas:
- Daniel de Oliveira, Lda. estabelecida em 1920, com armazéns de venda por grosso, materiais de construção, ferragens, mercearia, loja de modas, padaria, e Roça "Campo Rico" com plantação de café e fábrida de descasque e torrefação de café.
- Serrano & Oliveira, Lda., estabelecida também em 1920, dedicando-se ao comércio geral (importação e exportação), exploração agrícola e florestal, fábrica de oleaginosas e descasque de café, e serração. A firma Serrano e Oliveira comprou em 1932 a antiga e importante feitoria inglesa Hatton & Cookson, que operava na região desde os meados do século XIX.
- Companhia do Congo Português, comprada em 1954 pela Companhia Fabril e Comercial do Ultramar (Comfabril), parte do grupo português CUF (Companhia União Fabril), que se dedicava ao comércio geral e por grosso, e exportação de produtos coloniais.
- João Marques Pinto & Companhia Lda. (JOMAR), fundada em 1950, aproveitamento de madeira - exploração, corte, serração, carpintaria, e fábrica de contraplacado no Prata, e de uma grande unidade industrial em Luanda.
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Exploração de madeira no Maiombe, Cabinda, 1950s
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- SICAL - Ventura & Irmão, fundada em 1941 e com sede em Lândana, em 1953 constituiu a Sociedade Industrial Comercial e Agrícola Limitada (SICAL), que se dedicava ao comércio, indústria, pecuária, serração e exportação de madeira, fábrica de secagem e descasque de café, e proprietária do Grande Hotel de Cabinda.
- A casa Alexandre de Oliveira foi fundade em 1920, com uma loja e uma padaria. Mais tarde expandiu a sua actividade para agente de várias companhias, e distribuidores de produtos cerâmicos fabricados em Cabinda. A firma Alexandre de Oliveira foi adquirida em 1966 pela Companhia de Cabinda.
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Muito rapidamente, entre 1968 e 1971, a produção de petróleo bruto tornou-se a maior fonte de rendimentos para Angola
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- Cabinda Gulf Oil Co. era uma subsidiária da grande companhia de petróleos americana Gulf Oil Corporation (adquirida em 1985 pela Chevron, herdeira da antiga Standard Oil Company of California por por 13.2 biliões de dólares americanos). Os primeiros trabalhos de prospecção de petróleo em terra em Cabinda tiveram lugar em 1955/56, depois da Cabinda Gulf Oil Co. obter a concessão para a exploração de petróleos no distrito em 1954. Depois de oito anos de prospecção em terra infrutífera, a companhia descobre em 1962 importantes de petróleo ao largo do Malembo, em águas pouco profundas que iam de 10 a 20 metros. O total de investimento da Cabinda Gulf Oil Co em Cabinda em 1970
cifrava-se em cerca de 250 milhões de US Dólares, empregando mais de 1.500
trabalhadores. O terminal do do Malongo foi construído em 1967.
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O terminal petrolífero da Cabinda Gulf Oil Co. do Malongo, em Malembo, Cabinda, 1974
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Em 1968 a produção de petróleo começou com a exportação de 43.000 toneladas para a Europa. Em 1973, a Cabinda Gulf Oil Co. produzia 8 175 201 toneladas (cerca de 133.000 barris por dia), e exportava 7 323 304 toneladas (cerca de 120.000 barris por dia), no valor de 5,3 milhões de contos.
- A partir de 1965, a Sociedade de Representações Cabinda Lda. (irmãos Montez - João António Montez e Carlos Vasco Montez) tornou-se a firma mais importante na provisão de bens e serviços às operações da Cabinda Gulf Oil Co. em Cabinda através da sua Sociedade Angolana de Navegação, Sociedade de Transportes Marítimos, Lda., e Montez & Newman Lda.
Nota - Os dados informativods sobre as empresas acima ditadas foram compilados a partir da informação descrita pelo Padre Joaquim Martins, C.S. SP. na sua valiosa obra "Cabindas História, Crenças, Usos e Costumes", 1972. Os dados sobre produção e exportação de petróleo foram obtidos da obra "Contribuição à História Económica de Angola", de Carlos da Rocha Dilolwa, 1978, e dos relatórios e contas anuais do Banco de Angola.
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Antigo barracão da Secretaria Militar de Cabinda, na então Avenida D. Amélia, rua principal da antiga Vila Amélia, 1905, mais tarde Cabinda, que mudou de nome como resultado da implatação da Repúlica em Portugal em 1910. |
Férias em Casa dos Meus Pais
Os meus pais moravam com o meu irmão Rui e com a minha irmã Dilar (até ela sasar em 1973) numa residência da Câmara Municipal mesmo ao cimo da Rua de Moçambique, mesmo em frente à casa do Intendente Fazendeiro, cuja filha, a Lena, era minha colega na Universidade, e atrás da cadeia local. O meu pai e o meu irmão trabalhavam na Câmara Municipal de Cabinda, e a minha irmã Dilar trabalhava na repartição distrital dos Serviços de Agricultura e Florestas. A minha mãe era dona-de-casa. A minha irmã Paula estava no Colégio de São José de Cluny em Luanda, e a minha irmã Ema vivia na Vila Nova (Huambo).
Nós tinhamos no quintal em casa um papagaio (o Joaquim Meirim, que era o nome de um treinador de futebol famoso do Sporting Clube de Varzim) e um
macaco. O Joaquim Meirim, como bom papagaio que era, não parava nunca de
falar. Ele gostava de falar muito com a minha Mãe. Ao contrário da maioria dos papagaios em Angola, o nosso Joaquim Meirim não sabia dizer asneiras.
Por outro lado, o
macaco era um pouco selvagem e não tão chegado a nós como o papagaio.
Ainda neste tópico, lembro-me que os pais do meu cunhado Júlio, que
viviam perto do aeroporto de Cabinda, tinham um chimpanzé do Maiombe,
que já não me lembro do nome. Este chimpanzé ainda era novo, mas muito
dado às pessoas, pois brincava com quem quer que se aproximasse dele.
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Igreja matriz de Cabinda, dedicada a Nossa Senhora do Mundo, 1970
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Durante as minhas primeiras férias em Cabinda, o meu Pai ofereceu-me três livros acerca de Cabinda (No Mundo dos Cabindas, e Filosofia Tradicional dos Cabindas (em dois volumes), ambos da autoria do Padre José Martins Vaz, e Cabindas - História, Crença, Usos e Costumes, da autoria do Padre Joaquim Martins, que me ajudaram a compreender melhor a história e a cultura desse povo tão especial.
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Vista do Largo da Igreja e Câmara Municipal de Cabinda
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Com mais tempo em casa dos meus pais durante as férias, eu tinha muito tempo para a leitura. Assim, li grande parte da obra de Jorge Amado
(o escritor predilecto do meu Pai), que me abriu os olhos à situação de
pobreza crónica do povo do Nordeste Brasileiro, e que me ensinou a
saborear a sua mestria pela palavra escrita, e a sua sabedoria sobre o
universo mágico e tropical da grande mistura que era o Nordeste do
Brasil. Da obra de Jorge Amado, gostei em especial das obras "A Seara Vermelha", "Os Subterrâneos da Liberdade" I (Os Ásperos Tempos) e II (Agonia da Noite), e III (A Luz no Túnel), "ABC de Castro Alves", "São Jorge dos Ilhéus" e "Capitães da Areia".
Através de Jorge Amado aprendi a gostar do Brasil e aprendi a
influência que os escravos de Angola tiveram na formação do Brasil, e
como os seus descendentes continuavam a ser explorados pelos donos da terra.
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O escritor brasileiro Jorge Amado (1912-2001) |
Li ainda a obra completa de Soeiro Pereira Gomes, que simplesmente adorei, da qual destaco "Esteiros", escrito "para os filhos dos homens que nunca foram meninos", um grande mestre do realismo social português da década de Quarenta (1940's).
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O escritor português Soeiro Pereira Gomes (1910-1949)
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Quando fiz 22 anos a minha amiga e colega Manuela Moura (falecida há poucos anos atrás) deu-me o precioso livro "Conferências e Outros Escritos" de Bento Jesus Caraça,
que li por completo nas férias em Cabinda, e cujos pensamentos me
acompanharam para o resto da minha vida. Uma colecção excepcional de
escritos de um pensador ainda mais excepcional. Bento Jesus Caraça
(1901-1948), foi um matemático português licenciado pelo Instituto
Superior de Ciências Económicas e Financeiras (Lisboa 1923) e professor
catedrático no campo de matemática.
Ele foi um defensor e promotor da
difusão da ciência e da cultura e talvez o mais informado crítico à
ditadura do Estado Novo e mais perseguido por Salazar durante as décadas
de 1930 e 40 em Portugal.
Ele escreveu vários livros sobre matemática , entre os quais o aclamado "Conceitos Fundamentais de Matemática", introduziu o estudo da econometria como disciplina científica em Portugal, escreveu muitos artigos sobre a pedagogia da matemática (na Gazeta Matemática), e sobre a cultura popular e universal, e fundou a famosa Biblioteca Cosmos e a Universidade Popular Portuguesa,
Bento de Jesus Caraça morreu novo, pobre, e doente aos 47 anos de idade, depois de uma vida atribulada, de ter sido perseguido toda a sua vida, ter sido preso três vezes pela ditadura do Estado Novo, e de ter sido expulso da sua cátedra na Universidade de Lisboa. O seu funeral, seguido em dôr e silêncio por milhares de pessoas, mostrou o imenso apreço e respeito que todos tinham por ele.
A visão do mundo e o lugar do homem na
sociedade que Bento de Jesus Caraça advogava ajudaram-me durante toda a
minha vida a firmar como eu vejo o mundo e a ser a pessoa que quero ser.
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O pensador português Bento Jesus Caraça (1901-1948)
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A
minha irmã Dilar que também vivia em Cabinda nessa altura tinha uma
colecção de discos muito boa, pelo que passei muitas tardes a ouvir a
música clássica e latino-americana que mais gostava. Como posso
esquecer"O Mercado Persa" (a música preferida da minha Mãe), de Albert Ketelby,
a "Sinfonia do Novo Mundo", de Anton Dvorjak, e as obras primas de Wolfgang Amadeus Mozart,
Ludwig van Bethoven (5ª Sinfonia), Robert Wagner (Cavalgada das Valquírias), Pietr Tchaikovsky (Abertura de 1812), e Edvard Grieg (Na Gruta do Rei da Montanha) E as tardes inteiras que passava a ouvir o conjunto de música latino-americana Os
Machucambos?
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Baixa de Cabinda, 1968 |
Para
além do tempo que passava a ouvir música e e ler livros muito bons, eu explorei todo o território à volta de Cabinda na motorizada Honda do meu irmão Rui. Assim conheci os "povos" à volta da cidade, o lugar onde se celebrou o Tratado de Simulambuco, as missões católicas, e as praias à volta de Cabinda, que não eram tão boas como as da Ilha de Luanda, pois a areia era mais fina e mais preta, por isso mais difícil de saír do corpo.
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Aeroporto de Cabinda, com avião "Friendship" da TAAG à esquerda, 1970
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Ainda em Cabinda conheci a minha querida amiga Maria João Gomes,
nessa altura estudante finalista do curso de Serviço Social (do
Instituto de Educação e Serviço Social Pio XII em Luanda), que, com
outras colegas, estava empenhada em preparar um trabalho final de curso
(Seminário sobre Planeamento do Desenvolvimento) orientado pelo Dr. Zenha Rela sobre o esquema de planeamento regional - o Plano Calabube
(sigla para Cabinda - Lândana, Buco Zau, e Belize)- para o Distrito de Cabinda. Planeamento regional e desenvolvimento
económico foram para mim na Universidade dos temas que mais me
interessaram (eu era um dos bons alunos nessas cadeiras), de forma
que com grande prazer a ajudei a minha querida amiga Maria João no muito
pouco que podia, a enquadrar o factor económico na estrutura do seminário.
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Vista parcial de Cabinda, em frente o edifício da agência do Banco de Angola, 1972
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Eu
posso dizer que tive sorte, pois nos primeiros vinte e cinco anos da
minha vida que vivi em Angola, eu visitei muitos lugares diferentes,
seja as terras onde vivi, lugares onde passei férias ou visitas através
de excursões, competições
desportivas, ou ainda em visita a casa de família de amigos, eu tive a
oportunidade de visitar muitos lugares em Angola, incluindo as
principais povoações e cidades nos distritos de Cabinda, Zaire, Uíge,
Luanda, Cuanza Norte, Cuanza Sul, Malange, Huambo, Bié, Benguela,
Huíla, e Moçâmedes.
28. O Golpe Militar de 25 de Abril
O golpe militar do 25 de Abril levado a cabo pelo MFA (Movimento das Forças Armadas) foi uma surpresa para todos em Angola; contudo, não era completamente inesperado. Apesar de ter a sua origem em reinvindicações laborais, depressa o Movimento dos Capitães foi controlado por elementos avessos ao regime colonial portugês, e o Movimento dos Capitães assumiu a forma de uma contestação política.
No cerne deste protesto estava arecente medida anunciada pelo Ministro do Exército português em 1973, pela qual a equiparação de salários e regalias dada aos capitães milicianos eram quase os mesmos que os oferecidos aos capitães do quadro, que tinham de completar o curso do Colégio Militar em Lisboa.
Esta medida devia-se ao facto de que o exército português não gerava o número suficiente de capitães para comandar todas as companhias em comissão no Ultramar, e assim o exército tinha que recrutar alferes e tenentes com experiência de mais de uma comissão na frente de combate nas três frentes da Guiné, Angola, e Moçambique.
A
guerra colonial que Portugal travava nas três frentes em África durou
mais que o dobro da Segunda Guerra Mundial, e fez muitos milhares de
mortos entre portugueses e africanos. Só do lado português sabemos que
8.831 soldados portugueses morream no conflito, aos quais se juntaram
mais de 30.000 feridos, 4.500 mutilados e 14.500 deficientes físicos, e
mais de cem mil soldados diagnosticados com perturbação de
stress pós-traumático. Para uma população de cerca de 10 milhões, estes
números atestam o elevado custo que a guerra colonial custou a Portugal.
Esta guerra era designada oficialmente pelo governo português como "guerra do Ultramar", por "luta de libertação" pelos movimentos de libertação africanos, e por "guerra Colonial" pela oposição ao governo português. Nos primeiros anos em Angola, esta guerra também foi conhecida pela população branca como "terrorismo".
Era
do conhecimento geral as dificuldades que o governo português
enfrentava em continuar uma guerra muito cara em três frentes distantes e
sem apoio popular; sendo assim mais uma questão de "quando" em vez de
"se" havia de acontecer, e ainda sob pressão internacional crescente.
Embora numa boa posição militar em Angola, Portugal enfrentava uma
derrota eminente na Guiné, e uma guerra cada mais difícil na forma de
uma derrota possível em Moçambique, o que rendia a presença portuguesa
em África como não sustentável no longo curso.
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O 25 de Abril de 1974 - Revolução dos Cravos Largo do Carmo, Lisboa |
Assim, quando a Revolução dos Cravos
desabrochou, esta obteve imediatamente o suporte da grande maioria do Povo
Português, apesar de ter sido recebida com certa apreensão nas colónias.
Como sabemos, a Revolução de Abril foi uma revolução genuína, pois
substituiu em Portugal a ditadura fascista do Estado Novo pela
democracia parlamentar multi-partidária.
Em
pouco mais de um ano, Portugal desfez-se do seu dispositivo militar
extenso, de instituições políticas antiquadas, e desfez-se do seu imenso
império ultramarino, voltando-se, pequeno e pobre, para a Europa,
depois de mais de cinco séculos de vocação ultramarina.
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Primeira página do jornal "a província de Angola"
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anunciando o golpe de estado de 25 de Abril de 1974
No
que respeita a Angola (e a todas as colónias portuguesas), a Revolução de 25 de Abril abriu o caminho para a sua
independência. Angola não estava preparada para assumir a
independência política imediatamente devido às divergências profundas
entre os movimentos de libertação, e o povo angolano acabou por pagar um
preço excessivamente alto pela oportunidade que se lhe tinha sido
oferecido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Mal preparada e appressada, a descolonização portuguesa acabou num fiasco, mas em última análise foi a descolonização possível.
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Membros da Junta de Salvação Nacional do Movimento das Forças Armadas portuguesas (MFA) que assumiu o poder depois do golpe de 25 de Abril de 1974 em Lisboa. Da esquerda para a direita: Almirante Rosa Coutinho, Almirante Pinheiro de Azevedo, General Costa Gomes, General António de Spínola, Brigadeiro Jaime Silvério Marques, e Coronel Carlos Galvão de Melo, numa conferência de imprensa realizada em Lisboa a 29 de Abril de 1974.
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A posição
estratégica de Angola na África central e no Atlântico Sul e (mais) as suas riquezas
minerais levaram Angola a transformar-se num peão no xadrez global da
Guerra Fria, e como tal, num gigante teatro de uma guerra fraticida que
havia de durar ainda mais vinte e sete anos, em que viriam a morrer mais de um milhão de
angolanos, e que destruiu toda a boa infra-estrutura económica e social
deixada pelos portugueses, deixando cicatrizes profundas na sua memória
social.
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Um túmulo tradicional no Cemitério Municipal de Cabinda (1970), onde o meu Pai (em Maio de 1974) e o meu irmão Rui (em Setembro de 1990) foram sepultados.
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A 23 de Maio de 1974, o meu pai morre de um ataque de coração
fulminante, o que nos deixou mesmo perdidos. Como foi a situação na
Damba a 16 de Março de 1961, a minha Mãe cedo decidiu deixar Cabinda e
mudar temporariamente para Luanda, de onde seguiria para o Brasil com a
minha Irmã Dilar e família. Como a situação de segurança em Cabinda e em
Luanda piorava gradualmente, a minha Mãe aceitou a oferta dos meus tios
Toninho e Margarida para a minha irmã Paula ir viver com eles na ilha
das Flores nos Açores, onde o meu tio Toninho estava destacado.
Em Julho
de 1974 eu fui para a recruta do Curso de Oficiais Milicianos na Escola
de Aplicação Militar em Nova Lisboa, ficando assim o meu irmão Rui
ficou sózinho em Cabinda. Entretanto, a minha irmã Ema preparava-se para
deixar a Vila Nova (perto de Nova Lisboa) onde era professora e ir para
Silva Porto. Como a situação piorou muito de repente, ela decidiu ir
directamente para Lisboa, onde passados alguns meses ela lhe nasceu o
seu segundo filho - o Gonçalo, e pouco tempo depois ela foi colocada no
Instituto Ricardo Jorge. Em pouco mais de um ano, as nossas vidas deram uma reviravolta dramática, que nunca nenhum de nós havia sonhado.
29. Serviço Militar
Já
com 24 anos, fui chamado a prestar serviço militar obrigatório no
Exército Português, e fiz a minha recruta de oficial miliciano na Escola de Aplicação Militar em Nova Lisboa (EAMA),
de Junho a Setembro de 1974. Entretanto o meu Pai tinha falecido
inesperadamente em Cabinda a 23 de Maio do mesmo ano. Terminei a minha
especialidade em intendência (logística) em Luanda, e em Janeiro de 1975 e fui colocado como
aspirante na divisão de abastecimento de combustíveis da Chefia dos Serviços de Intendência em Luanda (em frente ao Palácio do Comércio, hoje prédio do Ministério das Relações Exteriores). Recordo dos meus tempos de recruta em Nova Lisboa o meu amigo Jaime Poulson, que foi também colega meu na Universidade, mas que seguiu a especialidade de veículos e transportes e que me arranjou a carta de condução.
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Eu como recruta do Curso de Oficiais Milicianos, na Escola de Aplicação Militar de Angola (EAMA), em Nova Lisboa, Setembro de 1974. |
Em Abril de 1975 fui graduado em Alferes e destacado para o Comando de Sector de Cabinda para
ajudar o Capitão Luz na substituição do Capitão Júlio Maneta, amigo do
meu Pai, que tinha ido pouco antes para o Brasil.
A minha experiência militar foi mínima, mas em Cabinda (a cidade onde os
meus pais viveram durante alguns anos, e onde o meu irmão Rui ainda
vivia) tive o privilégio de trabalhar no esforço de construir um
exército nacional angolano unificado a partir dos três exércitos dos movimentos de libertação (MPLA, FNLA, e UNITA), então tarefa impossível de realizar, como se pode imaginar.
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Eu, quando prestava serviço militar na Companhia de Intendência em Cabinda, co Comando do Sector de Cabinda, entre Março e Setembro de 1975, com um papagaio ao ombro.
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Contudo,
lembro-me do afinco com que me dediquei a esta importante tarefa, e
lembro-me também do que aprendi no lidar do dia-a-dia com um número
grande de unidades militares portuguesas e dos movimentos de libertação
então espalhadas pelo distrito.
Saído ainda fresco da universidade, o meu destacamento em Cabinda foi um
embate de choque para mim, pois ter que responder à responsabilidade
de garantir alimentos, medicamentos, tabaco, cerveja e outras bebidas
alcoólicas, caixões e munições a um exército de cerca de sete mil homens
em retirada não foi tarefa fácil. Sinto que devo ainda dizer aqui que o Capitão Luz e o Furriel Galveias
foram colegas de trabalho excepcionais.
Eu
não tive outra alternativa senão aprender bem, e aprender depressa.
Como no resto de Angola, os movimentos de libertação estavam em guerra
aberta entre si, e Cabinda não foi excepção. Assim, o papel do Exército
Português em Cabinda entre Julho e Outubro de 1975, resumiu-se a tentar
trazer os movimentos de libertação à mesa de negociações, tentar
construir consenso, tentar evitar conflitos, e recolher corpos de
vítimas espalhados pela cidade e arredores na manhã seguinte a conflitos entre os movimentos na noite anterior.
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Edifício da Messe dos Oficiais do Exército Português, 1975, onde estive alojado durante a minha missão em Cabinda.
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Não
posso esquecer que numa noite em que sabíamos que iam haver combates
nos arredores da cidade, convocamos os representantes dos três
movimentos de libertação (MPLA, FNLA, UNITA) para uma maratona de negociações que durou a
noite inteira e quase esvaziou os ricos stocks de whiskey, rum e conhaque da
mansão (tinha 14 quartos de dormir!) de convidados da residência do então já ausente administrador da Companhia de Cabinda, mas que salvou a cidade de mais
combates e mortes, contudo não salvando os dirigentes dos exércitos dos
movimentos à mesa do efeito nefastos de uma memorável "torcida" de whiskey, rhum, aguardente, e outras bebidas alcólicas de alta qualidade...
31. Princesa do Huambo
Nos primeiros dias de Setembro de 1975 regressei a Luanda para casar a 16 de Setembro com a minha Princesa do Huambo (Estela Monteiro),
de Nova Lisboa (Huambo), só tendo que voltar a Cabinda por uns dias, e
então regressar definitivamente a Luanda em meados de Outubro.
O nosso
casamento foi simples pois a maioria dos nossos familiares e amigos já
não estavam em Luanda, e não havia muito que comprar em termos de
iguarias para a festa de casamento. Contudo, a Ivone e o Ilídio, irmã e cunhado da Estela, tudo fizeram para que tivessemos uma festa farta e memorável.
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No dia do nosso casamento - Luanda, 16 de Setembro de 1975
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31. Adeus a Angola
Entretanto,
a minha Mãe e as minhas irmãs Paula e Ema tinham já partido para
Portugal e a minha irmã Dilar e família tinham também já partido para o
Brasil; só o meu irmão Rui teimava em ficar em Cabinda. Os meus sogros
tinham ido também para Portugal, directamente de Nova Lisboa, e os meus
cunhados tinham entretanto ido para o Canadá, pelo que em Angola, só
ficámos eu e o meu cunhado Ilídio em Luanda, e o meu irmão Rui em
Cabinda.
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Retornados de Angola, mãe e filhas mestiças procurando os seus caixotes, Lisboa, 1975 |
Logo após os grandes combates de Julho de 1975 entre os movimentos de libertação (MPLA vs. FNLA, Facção Chipenda, e UNITA),
Luanda depressa se transformou numa cidade vazia. Era profundamente desolador
ver a cidade maravilhosa a esvaziar-se dos seus habitantes, pois cada
dia que passava havia menos gente nas ruas, menos coisas para comprar
(as prateleiras das casas comerciais estavam vazias, os restaurantes
estavam fechados por falta de alimentos), a inflação cada vez mais
incontrolável, e mais e mais caixotes nas ruas ou nos cais à espera de
embarque.
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O Imbondeiro, símbolo da pujança de Angola
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A
ponte aérea esvaziou Luanda ainda mais depressa. Por fim, em Setembro a
Faculdade de Economia da Universidade de Luanda fechou, e em Outubro Luanda parecia já uma
cidade deserta e sem vida.
Entretanto, os combates entre as FAPLA e o ELNA a norte de Luanda
(Caxito e Quifangondo), e entre as forças cubanas e sul-africanas no
centro do país, atingiram uma intensidade nunca vista, o que aumentou a
angústia de muitos que viram na saída do país a sua única solução;
assim, muitos angolanos que não tinham ideias de partir, deram conta de
si como parte da multidão que diariamente deixava Angola com destino a
vida incerta em lugar desconhecido.
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Restos de outra era. Estátuas coloniais em Luanda, 1976 |
Tal como Axel Munthe e a sua vila San Michele, o meu sonho era viver em Angola. Em 1974, a minha irmã Ema, dava aulas na escola técnica da Vila Nova (Huamboa), a cerca de uma hora de carro a leste de Nova Lisboa, e eu fui várias vezes visitá-la. Nos arrabaldes da Vila Nova, havia uma antiga casa, já desabitada e em ruínas, com uma nora de água, sobre o leito do rio Cutato que cortava a propriedade a meio, que me encantou desde o primeiro momento que a vi. Assim, tive o sonho adquirir esta pequena propriedade, restaurá-la e tê-la como casa de campo/férias para o resto da minha vida, pois a beleza e o bucolismo do lugar ficaram para sempre comigo.
Infelizmente, por força das circumstâncias de ter saído de Angola, não pude nunca concretizar esse maravilhoso sonho, o que não quer dizer que o sonho não havia de ficar comigo para sempre até ao resto dos meus dias...
Eu escrevi no princípio deste blogue que eu me considerava uma pessoa de sorte, e esta é a verdade.
Em Angola eu visitei lugares históricos, praias maravilhosas,
florestas impressionantes, planícies que se estendiam para além do
horizonte, montanhas que me faziam sentir pequeno, e rios e quedas de
água de uma beleza que não consigo descrever, que tudo em conjunto me
faziam questionar os limites da beleza natural do planeta em que
vivemos. Angola era mesmo uma terra de sonho.
Os grandes navegadores portugueses olhando resignados para o regresso das caravelas encaixotadas, no cais de Alcântara, Lisboa, 1975
E assim amigos,
como muitos, deixei Angola para sempre,
a minha querida pátria, sem sequer poder dizer adeus aos os meus familiares e amigos; só, na noite escura de 7 de Novembro de 1975 para nunca mais voltar.
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Palmeira de Leque, igual à que tínhamos no jardim à frente da casa dos meus pais em Cabinda.
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Adeus Angola
Deixei-te na noite escura de 7 de Novembro de 1975
Adeus sonhos, florestas, e anharas
Adeus palmeiras, mulembeiras, e welvitchias Adeus praias, pôres-do-sol, e cacimbo com nevoeiro
Adeus leões, palancas, e nzenze
Adeus amigos apertados do coração
pois agora só em memória nos encontraremos
só em breves mas eternos momentos
Não vamos nunca deixar de estar juntos
Adeus futuro que não chegaste
Adeus passado que não partiste
Adeus presente que não existe
Adeus para nunca; Adeus para sempre!
Adeus, minha Angola, tão minha
que não nos tornaremos a ver.
Hoje é nunca, é o primeiro dia e o último
do dia em que a saudade começa e nunca acaba
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Uma miragem sublime em Angola - os meandros do rio Cunene nos confins do deserto do Namibe, a caminho da sua foz misteriosa.
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