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Sobas da Lunda, 1940s
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Esta
é uma tarefa sem fim em vista, pois continuo a melhorar este blogue
continuamente. Assim, volta em breve, pois vais encontrar algo de novo!
Alguns tópicos neste blogue ainda estão em desenvolvimento
7. Resistência, Nacionalismo, e Luta de Libertação
A resistência africana à presença, ocupação e colonização portuguesa na África central-ocidental não é um fenómeno histórico que ocorreu somente no século XX. Ela é de facto um fenómeno concorrente à formação da colónia de Angola. A resistência começa com a chegada dos portugueses ao Zaire em 1483 e ocorreu durante todo o periodo de contacto até à independência de Angola (e mesmo até depois desta).
Da mesma forma, a resistência africana à ocupação colonial não é única à colonização portuguesa; ela ocorreu em todas as situações na história humana na qual um poder estrangeiro procura subjugar uma sociedade indígena.
Contudo, não se pode dizer que esta resistência tivesse já um caracter nacional (embora nacionalista), pois a nação angolana como a vemos hoje ainda não se tinha começado a formar. Inicialmente, a oposição à presença portuguesa era por norma baseada inicialmente em chefados ancestrais independentes uns dos outros que disputavam os lucros do tráfico de escravos, e mais tarde era baseada nas primazias desiguais que a administração colonial conferia às elites africanas dominantes que cooperavam ou não com o sistema colonial.
Como se observa em todas as sociedades, os interesses económicos (e políticos) das clases dominantes não eram os mesmos que os interesses dos membros comuns dessas sociedades. Só com as profundas transformações das nações tradicionais africanas e sua agregação ao universo a que hoje chamamos Angola é que o nacionalismo angolano se tornou de facto "nacional".
Até este ponto, se bem que com gradual intensidade e extensão ao longo dos quatrocentos anos de contacto que se estendeu à bacia do Cuanza, o ideal de nacionalismo era reinvindicado mais por chefes políticos, pela burguesia africana envolvida no tráfico, por famílias tradicionais poderosas, e mais tarde por um número crescente de intelectuais africanos, com o objectivo de zelar os seus interesses económicos directos, e não daqueles reinvindicados pelos povos que eles dominavam ou pretendiam representar.
Do mesmo modo, podemos dizer que as formas de nacionalismo evoluiram com as formas de colonialismo ao longo dos tempos, pois nesta perspectiva, um é a resposta ao outro.
Assim, o primeiro protesto à acção dos portugueses no Congo é expresso na carta que o Rei do Congo Dom Afonso I (Mbemba-a-Nzinga) mandou ao rei português Dom João III, em julho de 1526, queixando-se o monarca conguês dos abusos dos traficantes de escravos portugueses no Congo e em São Tomé, segundo ele, fugiam às suas leis, tinham estabelecido um estado geral de corrupção entre muitos nobres do reino, mercadores, e membros do clero, e que capturavam tantos escravos, de entre pessoas livres e escravos, ao ponto de estarem a despovoar o seu reino, sugerindo até a suspensão do tráfico. Este pedido foi rejeitado pelo rei Dom João III, conforme a sua resposta datada dos fins de 1529.
Alguns estudiosos da história de Angola consideram que as invasões dos Jagas que assolaram os reinos e chefados angolanos entre meados do século XVI e fins do século XVII, foram de facto manifestações de resistência doméstica ao domínio português sobre o tráfico de escravos na região. Esta explicação baseia-se no facto de que a captura (violenta ou não) de um número muito grande de pessoas que viviam nos chefados do interior causou nestes transformações radicais na sua estrutura demográfica, económica, social, e política. O aparecimento de grupos militares organizados de resistência ao status quo, não só contra os portugueses, mas também contra aqueles que eram os parceiros comerciais dos portugueses no tráfico, representadas pelas oligarquias locais, era assim uma forma de resistência à devastação que o tráfico de escravos estava a fazer nas comunidades africanas afectadas.
A primeira resistência multi-nacional organizada dos potentados africanos contra a crescente influência portuguesa na bacia do Cuanza foi a coligação entre o rei do Ndongo Ngola Kiluanje, o rei do Congo Dom Álvaro II (Nimi ne Mpangu), e os Jagas da Matamba, que culminou com a derrota das forças portuguesas comandadas por Luis Serrão na batalha de Angoleme-Aquitambo, travada perto do rio Lucala em 1590.
Importa aqui notar que para alguns estudiosos de história, o desejo de alguns potentados locais, como foi o caso da raínha Njinga Mbandi nos meados do séc.XVII, de substituir os portugueses pelos holandeses não foi em si só uma forma de resistência à ocupação e pilhagem estrangeira, mas mais uma estratégia comercial de desfazer-se dos portugueses (que pagavam menos pelos escravos que eles vendiam) e de conseguir preços mais altos para os escravos levados das suas terras.
Apesar desta simples interpretação de estratégia comercial, nós não devemos descontar de forma alguma o sentimento nacionalista que motivou vários chefes africanos como Njinga Mbandi a resistir e derrotar os invasores portugueses e outros que vinham à bacia do Quanza buscar escravos.
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Njinga Mbandi (1582-1663), célebre rainha do Ndongo (1624-26) e da Matamba (1631-63)
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Njinga Mbandi tornou-se uma figura mítica na construção da história de Angola. O seu legado de resistência à expansão portuguesa na bacia do Cuanza é o marco mais conhecido na história de Angola.
Njinga Mbandi nasceu em Caculo Cabassa, capital do reino do Ndongo, em 1582. Ela era filha do rei Mbandi Ngola Kiluanji e da sua cortesã favorita, Kengela-Ka-Nkombe, que era sua escrava concubina. Ela teve duas meias-irmãs, Kambo (Barbara) e Funji (Garcia), e um irmão, Ngola-a-Mbandi, que sucedeu ao seu pai como rei do Ndongo.
Com medo que lhe usurpassem o poder, Ngola-a-Mbandi, que era muito cruel e cioso de poder, matou o seu sobrinho, filho de Njinga, e esterelizou as suas irmãs Nzinga, Kambo e Funji, para que elas não pudessem ter filhos.
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Mapa dos reinos ancestrais africanos nos meados do Século XVIII na região que é hoje Angola |
Ainda em desenvolvimento
Resistência e Proto-Nacionalismo
Resistência ao Tráfico de Escravos
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Porão de um tumbeiro (navio negreiro). Quadro de Johann Moritz Rugendas, Rio de Janeiro, Brasil, 1836 |
Coligações de potentatados africanos
Primeira coligação - 1590 Ndongo (Ngola Kiluanje), Congo (Dom Álvaro II, Nimi Ne Mpango), e os jagas da Matamba - Batalha de Angoleme-Aquitambo
Segunda coligação - 1635 - Nzinga Mbandi (Matamba e Ndongo), Congo (Dom Álavaro IV, Mani Mbamba), Dembos, Quissamas, e Holandeses. Os portugueses perderam Ambaca e Cambambe, retendo Muxima e Massangano.
Dona Beatriz Kimpa Vita (Santo António de Pádua) 1684 - 1706
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A profetiza Dona Beatriz Kimpa Vita (Santo António de Pádua) (1684-1706) |
Resistência de escravos
Mocambos e Quilombos - Palmares no Brasil (1605-94)
A revoluçaõ dos escravos no Haiti e a expulsão dos Franceses da Ilha
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Revolução dos Escravos na Ilha de São Domingos (Haiti) - Incendie du Cap - Rèvolte Gèneral des Nègres, Massacre des Blancs - Gravura da época ca. 1792 |
Independência do Brasil e nacionalismo angolano
Oposição à abolição da escravatura
Papel das famílias africanas ricas de Luanda
Tráfico ilegal de escravos
Primeiro esforço português de ocupação territorial
Oposição às campanhas militares de ocupação
Colonialismo reacende nacionalismo Nativismo. Proto-Nacionalismo.
Imprensa Luandense muito activa na segunda metade do Séc. XIX
Fundação da Liga Angolana em 1913 durante o governo de Norton de Matos
Fundação do Grémio Angolano em 1913
1922 Dissolução da Liga Angolana e do Grémio Angolano por Norton de Matos. Alguns membros deportados.
1925 Liga Angolana autorizada a funcionar outra vez
1930 Liga Angolana muda nome para Liga Nacional Africana.
Nos princípios da década de Cinquenta a situação de Paz Lusitânica colonial começou a mudar. O primeiro acontecimento foi o sentimento de frustração em Cabo Verde pela resposta muito deficiente do governo português à fome que assolou aquelas Ilhas entre 1947 e 1949, em que morreram centenas de pessoas à fome.
Quatro anos depois, em 1953, eclode a revolta dos trabalhadores contratados nas roças em São Tomé e Príncipe contra as condições muito duras de trabalho nas roças de café e cacau, que resultou na violenta repressão da revolta pelas autoridades portuguesas conhecido como o Massacre de Batepá, em que foram mortos entre centenas a alguns milhares de revoltosos.
Um ano depois (1954) a União Indiana anexou simplesmente os territórios de Dadrá e Nagar Aveli em Damão, sem que Portugal pudesse oferecer qualquer resistência.
Através da promulgação da Lei do Indigenato em 1954, a Caderneta Indígena é introduzida nas colónias portuguesas. A função da Repartição Central dos Negócios Indígenas
A
Liga Angolana era vista pelo Grémio Angolano como uma associação de
africanos de baixa classe social. Por outro lado, o Grémio Angolano era constituído por
assimilados (angolanos civilizados) e por descendentes das antigas famílias
importantes de Luanda.
Já
na nos primeiros anos da década de 1950 se faziam sentir a pressão nacionalista e independentista nos então
distritos do Congo e do Zaire. A resistência à presença portuguesa era
mais organizada pelo povo Bakongo nesses dois distritos, que através
de movimentos sincréticos religiosos e proféticos, reacenderam a chama do
nacionalismo conguês.
Em 1956 establece-se em Luanda o primeiro partido organizado que visava a independência de Angola.
Em 1958 formam-se no distrito do Uige a UPNA (União dos Povos do Norte de Angola) e mais alguns partidos mais locais.
Em 1957, para atender a todos estes desafios, a PIDE abre a sua delegação em Luanda, e como resultado imediato desta iniciativa, em 1959 são presos cinquenta e seis nacionalistas angolanos de relevo, cuja prisão e julgamento dá origem ao Processo dos 50.
Instituições angolenses nativistas e proto-nacionalistas -
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Edifício da sede da Liga Nacional Africana em Luanda na antiga Rua Conde de Ficalho (Vila Clotilde), 1950s
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Como reação imediata aos ataques da Baixa do Cassange, do 4 de Fevereiro, e do 15 de Março de 1961, o Estatuto do Indigenato é abolido pelo Ministro do Ultramar Adriano Moreira. De acordo com os registos coloniais, nesta altura, menos de 1% da ppulação negra de Angola eram assimilados.
1951 - Fundação do Centro de Estudos Africanos por estudantes da Casa de Estudantes do Império - Amilcar Cabral (Cabo Verde e Guiné), Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade (Angola), Francisco José Tenreiro (São Tomé e Príncipe).
A Geração Mensagem, baseada em Angola desde os princípios da década de 1950, e fundada por Viriato Cruz, António Jacinto, Agostinho Neto, Alda Lara, Aires de Almeida Santos, Mário Pinto de Andrade, e Mário António.
8. Pax Lusitânica?
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Imagem da inauguração do Monumento aos Descobrimentos Portugueses, em Lisboa, 1960 |
No
entanto, pode dizer-se que, com a excepção da perda temporária de Timor
ao Japão durante a segunda guerra mundial, até 1958 Portugal gozava a
sua própria Pax Lusitânica nas suas colónias entre as décadas de 1920 e 1950, como atesta a imagem
abaixo da
inauguração do monumento aos Descobrimentos Portugueses em Lisboa em 1960, em
celebração dos quinhentos anos da morte do Infante Dom Henrique. Em
certa medida, os portugueses tinham acordado aos novos ventos da
história, mas o seu governo continuou ainda mais a trilhar uma política colonial
cada
vez mais antiquada de só olhar o que beneficiava Portugal e o colono, e não olhar para as aspirações dos povos das
colónias, o que lhe viria a sair muito caro na décadas seguintes.
9. Relações Raciais em Angola Colonial
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Apesar do que o "outro" pode parecer, temer, e opor, sexo, afeição, e amor, são os elementos que levam à misceginação, e são tratos fundamentais da natureza humana em todos as culturas. |
Antes de tudo, alguns conceitos fundamentais -
Raça é um conceito de classificação de grupos humans baseado em tratos físicos; etnia refere-se a uma classificação de grupos humanos baseada em características culturais.
Racialização é o processo pela qual sociedades estabelecem o sentido de raça e identidade a certos grupos, levando por norma a estratificação social e tratamento diferente (prejorativo até) dos seus membros.
Racismo é uma teoria de desenvolvimento social baseada na presunção de que uma raça é superior a outra.
História das teorias racistas -
Arthur Gobineau e o racismo; Spencer, darwinismo social, e misceginação;
Francis Galton, a eugenia, e a purificação da raça humana; Fascismo
Nazista (a presunção da pureza da raça ariana); Racismo nos EUA (KKK), na América Latina, e nas colónias
europeias em África e na Ásia; Apartheid na África do Sul.
Da mesma forma que as cores branco e preto são apenas tonalidades de cinzento, eu acredito que no mundo não
existem raças puras, pois há apenas uma raça - a espécie humana. De uma
maneira ou outra, nós não somos brancos puros, nem pretos puros, nem
índios puros, nem esquimós puros, nem indianos puros, nem asiáticos
puros, nem índígenas da Austrália puros; nós todos somos sim uma
variedade específica de mestiços.
Portugal é hoje uma nação que se enquadra hoje no quadro cultural europeu. Contudo, este não foi sempre o caso; de facto, o povo português descende de uma mistura ancestral de muitas culturas cujo contacto tem origem nos primeiros povos que vieram povoar a Península Ibérica, seguidos dos Iberos, Celtas, Romanos, Visigodos, Judeus, e Árabes.
Desta contínua exposição e interacção com culturas diferentes, acompanhada sempre por um certo grau de misceginação, o Português acabou por reconhecer e adoptar traços genéticos e culturais de todos estes povos, tornando o típico português diferente dos seus vizinhos da Europa, mais consciente da sua maior diversidade ancestral.
Com a epopeia das Descobertas e a consequente expansão dos portugueses no mundo, eles entraram em contacto com mutos povos e culturas muito diferentes, facto que veio a validar ainda mais a consciência da sua raíz cultural e genética. Neste contacto, e devido à falta de mulheres portuguesas nessas terras longínquas, os portugueses (especialmente os homens) passaram a acasalar-se com mulheres nativas locais de que por norma resultava no nascimento de filhos genética e culturalmente mestiços.
De facto, a política de misceginação com mulheres nativas locais, decretada e fomentada pelo vice-rei da Índia Dom Afonso de Albuquerque, era essencial para ocupação portuguesa das novas conquistas na Índia e na Insulíndia. Sem mulheres locais os homens portugueses não podiam sobreviver. Sem famílias mistas, o império nunca haveria de florescer.
Pela mesmo razão, este processo de misceginação repetiu-se no Brasil e em África, especialmente em Cabo Verde, São Tomé, Angola, e Moçambique, ao longo de gerações de contacto contínuo com povos indígenas.
À medida que as gerações passavam, os filhos dessas uniões passaram a ser um segmento importante nessas comunidades, pois não só pelo seu número, mas também pelo seu papel de liderança nessas sociedades tropicais, pois eles eram a ponte que permitia o contacto entre a classe colonial e os povos nativos. Eles recebiam a educação que era providenciada pela Igreja, especialmente pelos Jesuítas, ao mesmo tempo que podiam emerger com muita facilidade no universo cultural nativo. Eles conheciam o terreno, eram mais imunes às doenças, conheciam os chefes nativos, cozinhavam os produtos da terra, e falavam a língua local, desempenhando assim um papel fundamental no comércio e na organização militar.
A posse de mulheres escravas nativas (ou importadas) por colonos portugueses foi também um factor importante, pois através da escravatura os homens portugueses em África e no Brasil tinham ao seu dispor um mercado privado de concubinas que podiam usar quando quizessem.
Cabe aqui referir ao papel mítico da "Mãe Preta" no imaginário angolano. A Mãe Preta refere o papel crítico que a mãe africana desempenhou na sobrevivência de filhos de brancos ao longo de muitas gerações. Como ama, esposa, ou escrava, era ela que cuidava da criança; era ela que com amor e dedicação a educava transferindo para a criança todo o universo cultural nativo.
Através dessa misceginação secular, sociedades crioulas começaram a formar-se, especialmente em Cabo Verde, Luanda, e Goa. Com efeito, estas comunidades crioulas passaram a assumir um papel preponderante na vida dessas colónias, com a formação de uma burguesia colonial crioula.
Contudo, este processo de misceginação não agradava às autoridades coloniais, pois a luta por reter a cultura portuguesa enfrentava um desafio muito maior: com a morte precoce do pai português, a tendência era para os seus filhos serem criados pela mãe dentro de um universo cultural indígena, o que ao longo do tempo levava a uma erosão da "portugalidade" que era necessária para manter a colónia.
Relaçõs raciais no Brasil - 3 grupos em acção - Índios, Europeus, e Negros. Clima não era tão mau como o de África para o Europeu, permitindo assim uma colonização diferente da de Angola - Gado no Vale de São Francisco, engenhos de açucar ao longo da costa, e fazendas de café no interior. A concorrência do império Espanhol vizinho foi também um factor importante, dando origem à epopeia dos Bandeirantes, que com toda a sua crueldade, espalharam o domínio português até ao coração do continente.
Dinâmica cultural - Nos três primeiros séculos de ocupação portuguesa de Angola, os pais portugueses não sobreviviam muito tempo após a sua chegada a Angola, pois devido à inclemência do clima, a maioria deles morria nos primeiros anos de residência na colónia. Após a sua morte os seus filhos eram criados pela mãe africana, que normalmente voltava ao seu universo tradicional africano, sendo os filhos criados num ambiente africano. As autoridades portuguesas combateram muito, sem visível successo, essa prática, destacando-se o governador Inocêncio de Sousa Coutinho com a sua a nova política de povoamento de vilas no interior, modeladas às vilas na Metrópole.
Durante séculos, as autoridades portugueses tiveram sempre cuidados especiais com órfãos: Asilos para raparigas e orfanatos para rapazes - O objectivo principal dessas instituições, muitas delas operadas pela igreja, era ajudar essas crianças a sobreviver tanto quanto possível dentro do universo cultural português (em Luanda e nos presídios), assim evitando que elas fossem atraídas pela cultura africana. Neste contexto, as raparigas tinham um valor muito especial, pois elas seriam esposas ideais para colonos portugueses.
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Raparigas órfãs no Asilo Dom Pedro V em Luanda, 1890 |
Junta Provincial de Povoamento.
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Os selos de Povoamento e de Assistência, apregoando Angola como sociedade multirracial, 1960s |
Classes de cidadania na colónia de Angola - Indígenas (Estatuto do Indígenato), Assimilados, Português (Branco de 1ª e de 2ª).
O Luso-Tropicalismo de Gilberto Freyre (1900-87) - Tropical-Lusismo (Luso-tropicalismo ao contrário)
Casa Grande e Senzala - Um Estudo sobre o Desenvolvimento da Civilização Brasileira
Sobrados e Mocambos
Ordem e Progresso
Integração Portuguesa nos Trópicos
O Mundo que o Português Criou
Luso-Tropicalismo
O argumento de antitese de Mário Pinto de Andrade (o quociente de mulatos não aumrntou em Angola, à medida que a população aumentou)
Portugueses
em Cabo Verde, na Índia, no Brasil, em Luanda e Benguela, nos Planaltos
do Huambo e Biéno, no Sul de Angola (Moçâmedes, Chibia, e Sá da Bandeira), em Moçambique, no Hawaii, e em Fall River e New Bedford no NE dos EUA, e na
Califórnia.
Oportunismo do Estado Novo e críticas ao luso-tropicalismo
Convivência racial na década de Sessenta
O ministro Adriano Moreira e a Junta Provincial de Povoamento
Expansão da educação e emprego de africanos em repartições públicas
O reordenamento de sanzalas rurais nas zonas de guerra
A africanização do exército português durante a guerra nacional (56% em 1973) - soldados e escalões baixos de oficiais e sargentos, mas ninguém acima de capitão.
Os "Flechas" no Leste, organizados pela PIDE, e constituídos por caçadores Khoisan e antigos combatentes que se tinham entregue às autoridades portuguesas
Os "Tropas Especiais" TE´s de Alexandre Tati e da FLEC em Cabinda (1965)
É
um facto irónico que muitos nacionalistas angolanos brancos de destaque
na luta de libertação nacional, como Luandino Vieira, Artur Pestana
(Pepetela), Adolfo Maria, e outros, por razões diversas a que não fosse
estranho o facto de não se sentirem bem em Angola, acabaram por terem passado as suas
vidas em Portugal, depois de Angola ter acedido à independência.
Escravatura e Raça. Trabalho Forçado em Angola. Política Indígena.
As reformas segregacionaistas de Norton de Matos. Ventos de Segregação Racial.
Estatuto do Indigenato - Indígenas, Assimilados, e Brancos.
Colónias ou Províncias?
Modo do Português estar no Mundo. Convivência Racial. Integração racial.
Nativos e Colonos.
Igreja e Colonização.
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O sociólogo e pensador brasileiro Gilberto Freyre (1900-87), autor da quase-teoria do Luso-Tropicalismo
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Racismo no Mundo: França na Agélia, Ingleses na América e na Índia;
Racismo nos Estados Unidos da América;
Apartheid na África do Sul.
O imperialismo de Cecil Rhodes
O problema da falta de mão-de-obra nas minas do Transvaal
Racismo europeu e racismo africano
Cumpre-me
dizer aqui que nós (nascidos em Angola, brancos, pretos e mestiços) mostrávamos sempre uma certa relutância às pessoas chegadas
recentemente de Portugal, especialmente familias pobres com baixa escolaridade, e até usávamos nomes depreciativos para os
designar, como "besugo", "patêgo", ou "matarroano", que se referiam a pessoa de baixa compreensão e cultura, e que também dizíamos "que vinham de lá da Santa Terrinha"referindo-se a Portugal Continental,
o que devemos lamentar não era muito socialmente saudável.
10. O Novo Rei do Congo - Dom António III ou António Nekaka?
A morte do Rei do Congo Dom Pedro VII em Abril de 1955, depois de um reinado de 32 anos, trouxe de novo à superfície a questão das discordâncias políticas entre as duas kandas mais importantes, e quem seria o candidato que eventualmente havia de o suceder.
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Rei do Congo Dom Pedro VII Água-Rosada, Pedro Mbembe Vuzi Anginga, Conde de Tuco, que reinou entre 1901 e 1910. A dinastia Água-Rosada reinou de 1891 a 1914.
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Como sabemos, a sucessão dos reis do Congo obedecia a um processo de eleição de candidatos de entre as kandas mais importantes. De acordo com a tradição política bakongo, o rei do Congo (o Ntotila) era eleito pelos chefes das kandas principais, e a coroa não passava de pais para filhos, mas sim de tios (ou tias) maternos para o sobrinho primogénito, pois a sociedade Bakongo era matrilinear, pela qual o sobrinho materno mais velho era quem por norma assumia o poder político e económico (e não o filho ou filha). Este processo de escolha envolvia por norma dois ou mais candidatos rivais que eram suportados por kandas diferentes.
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Príncipe Nicolau do Congo (Misakai mia Nimi)1830?-60), educado em Portugal sob o patrocínio de Dona Maria II, raínha de Portugal. |
Contudo, desde os meados do século XIX, esta escolha dinástica não era livre de influências fortes de pressões religiosas e somente restricta à aristocracia tradicional bakongo. De facto, as autoridades portuguesas com a ajuda da Igreja Católica favoreciam (e promoviam) candidatos católicos, ao passo que a London Baptist Missionary Society (inglesa), com missões em São Salvador, Mabaia, Quibocolo, e Bembe promoviam candidatos protestantes.
A Igreja Católica no Antigo Reino do Congo, e no antigo Reino do Ndongo.
Impacto da expulsão dos Jesuítas (1759) e das ordens religiosas (1834) em Angola
As Missões Protestantes
Igreja Baptista
Igreja Metodista
Igrejas Evangélicas
Missão de São Salvador estabelecida em Janeiro de 1878 e com 12 missionários residentes em 1937, no Quibocolo fundada em Junho de 1899 e com sete missionários residentes em 1937, e no Bembe fundada em Setembro de 1904 e com oito missionários residentes em 1937, que promoviam candidatos que professavam crenças protestantes.
Foi assim o caso do duelo político em 1859 entre os partidários de Dom Pedro V (católico) e de Dom Álvaro Dongo (protestante), e entre Dom Garcia, soba de Banza Puto (católico), e Dom Rafael (protestante) em 1898 que era descendente do candidato Dom Álvaro. Mais tarde, em 1923, Dom Pedro VI foi escolhido para o trono depois da ajuda das autoridades portuguesas em troca do papel que ele desempenhou na derrota da rebelião liderada por Álvaro Buta em 1913-14, que era católico, mas que tinha recebido o suporte da Baptist Missionary Society e das kandas protestantes.
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Rei do Congo Dom Pedro VIII Água-Rosada com sua esposa em 1934
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Uma nova situação se apresentou em 1955 com a morte de Dom Pedro VII Água-Rosada, em que dois candidatos principais contestavam para o seceder: Dom António III, católico, ex-ajudante de tipógrafo na Missão Católica de São Salvador, suportado pelas autoridades portuguesas, e António Nekaka, ex-secretário de Dom Pedro VII Água-Rosada, ex-caixeiro numa firma portuguesa em Leopoldville, protestante e suportado pela Baptist Missionary Society.
Depois de uma Fundação (reunião magna dos eleitores das kandas), Dom António III foi escolhido rei sobre pressão das autoridades portuguesas, não sem a contestação das kandas protestantes. António Nekaka era filho de Miguel Nekaka (que ajudou a traduzir a biblia para kikongo na década de 1920), e tio materno (irmão da mãe) de Holden Roberto. Nesta luta sucessória apresentaram-se também como candidatos José Eduardo Pinnock (primo de Holden Roberto) e Manuel Kiditu, que foram ambos derrotados.
Não conformados com o resultado da eleição do rei do Congo, representantes das kandas protestantes entraram em São Salvador e depuseram Dom António III em Dezembro de 1955, o que resultou na intervenção imediata das autoridades portuguesas em repor Dom António III no poder, e na fuga para Leopoldville, capital do Congo Belga, dos partidários Nekaka, incluindo Holden Roberto entre estes.
Apesar da reposição de Dom António III pelos portugueses, as forças políticas católicas e protestantes no Congo (província do Baixo-Congo no Congo Belga e distritos do Uíge e Congo em Angola) continuaram a lutar uma contra a outra, em que Holden Roberto (trabalhando já com a CIA (Central Intelligency Agency dos Estados Unidos), usando também nomes como José Gilmore, Ruy Ventura, e Osusana Milton), que como sobrinho herdeiro dos pretendentes Nekaka passou a desempenhar um papel fundamental na política bakongo. Dom António III veio a falecer a 11 de Julho de 1957 e foi sucedido por sua esposa Dona Isabel Florita Martins da Gama que ficou como a reinar como regente até 1972.
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Álvaro Holden Roberto, (1924-2007), líder e fundador da UPA (União dos Povos de Angola), que mais tarde (em 1962) se passou a chamar FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola). |
Álvaro Holden Roberto nasceu em São Salvador a 12 de Janeiro de 1923, filho de Garcia Diasiwa Roberto e de Joana Helena Lala Nekaka. O seu nome Álvaro foi lhe dado em memória de Álvaro Buta que liderou a insurrecção à ocupação portuguesa do Congo em 1913-15, e o nome Holden foi-lhe dado em memória de um missioário de nome Holden que trabalhou na Missão Baptista de São Salvador.
Álvaro Holden Roberto (1924-2007), líder da UPA (União dos Povos de
Angola), a partir de 1962 FNLA (Frente Nacional de Libertação de
Angola), co-signatário do Acordo de Alvor (1975).
Devido à situação política instável em São Salvador, seus pais mudaram-se para Thysville no Congo ex-Belga em 1925, e mais tarde para Leopoldville, onde ele fez os seus estudos primários e secundários em escolas Baptistas. Holden Roberto viveu sempre no Baixo-Congo, território tradicional do povo Bakongo, mas ele fez várias visitas breves ao antigo Congo Português
(1933-34, 1940, 1951, e 1956).
Ele trabalhou durante oito anos como funcionário dos serviços de fazenda do antigo Congo Belga (em Leopoldville, Stanleyville, e Bukavu), e para a firma portuguesa Nogueira Reis Lda. onde o seu tio Manuel Sidney Barros Nekaka também trabalhava.
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Manuel Sidney Barros Nekaka, líder dos Bakongo antes da criação da UPA
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Manuel Sidney Barros Nekaka foi o principal líder da resistência Bakongo à autoridade portuguesa nos distritos do Congo e Uíge. Após uns anos de acção clandestina (1949-1956), ele e Holden Roberto fundaram a UPNA (União dos Povos do Norte de Angola) a 10 de Outubro de 1957, com células em
Leopoldville e em Matadi, do
qual Holden Roberto se tornou o primeiro presidente. Seguindo o conselho do teórico do anti-colonialismo de Frantz Fanon, a UPNA mudou o seu nome para UPA (União dos Povos de Angola) a 7 de Dezembro de 1958 para distanciar a organização de uma base tribal bakongo para uma base nacional angolana. Contudo, a UPA continuou a ser principalmente um partido político/movimento de libertação da nação bakongo, com raízes pouco fundas no resto de Angola.
Com a morte de Manuel Sidney Barros Nekaka em 1961, Holden Roberto tornou-se o líder supremo dos Bakongo, responsável pela luta armada da mesma, e da campanha internacional de suporte à independência do povo Bakongo do norte de Angola.
Simão Gonçalves Toco
De entre muitas seitas religiosas, ressaltou-se
pela sua organização e zelo religioso a Igreja de Nosso Senhor Jesus
Cristo no Mundo. Esta igreja foi criada e liderada por Simão Gonçalves
Toco, nascido em Maquela do Zombo (meu conterrâneo) em 1918 e falecido
em Luanda em 1983.
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Simão Gonçalves Toco (1918-1983), profeta e líder da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo
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O Tocoísmo foi um agente importante na mobilização da
resistência nacional Bakongo, que culminou com a formação da UPA (União das Populações/Povos de Angola) em
1958. Simão Toco e alguns membros da sua igreja viveram durante algum tempo em regime de
residência fixa no Colonato do Vale do Loge, situado perto da vila do
Bembe e da povoação do Toto, nas terras do antigo Ambuíla. A igreja
tocoísta era bem organizada e tinha muitos membros nas regiões de
Maquela do Zombo, Quibocolo, e Damba.
10. A Formação da UPA/FNLA
intro formação dos movimentos de libertação
11. A Formação do MPLA
Antecedentes ao MPLA
Organização da Luta Armada
Perfil de Nacionalistas Angolanos Notáveis (em desenvolvimento)
Viriato Cruz
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Viriato Cruz (1928-1973), um dos fundadores do MPLA
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Joaquim Pinto de Andrade
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Padre Joaquim Pinto de Andrade, Golungo Alto (1926- Londres 1990) |
Lúcio Lara
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Lúcio Lara (1929-2016)
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Dr. Américo Boavida (1923-68, nome de guerra Ngola Kimbanda); CVAAR Corpo Angolano de Auxílio aos Refugiados, Kinshasa 1961-63; membro do MPLA, morto em combate, na região dos Bundas, na frente Leste em Angola em 1968, aos 45anos.
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Sede do CVAAR em Kinshasa, 1962 |
CVAAR foi fundado em 1961 pelos médicos angolanos Dr. Américo Boavida, Dr. Eduardo Macedo dos Santos, e Hugo José Azancot de Menezes (natural de São Tomé e Príncipe), para ajudar os milhares angolanos (cerca de 500.000) que se refugiaram no Congo em 1961, como resultado da guerra nos distritos do Congo, Zaire, e Cabinda.
Dr. António Agostinho Neto
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Dr. António Agostinho Neto (1922-1979)
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Mário Pinto de Andrade
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Mário Pnto de Andrade (1928-1990)
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Deolinda Rodrigues
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Deolinda Rodrigues (1939-68), nome de guerra Langidila, heroína angolana morta pela FNLA numa emboscada na frente Norte em 1968 |
Gentil Viana (1935-2008)
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O nacionalista Gentil Viana (1935-2008) |
Literatura de Resistência e de Protesto
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Capa do primeiro livro publicado pela Colecção Imbondeiro, de Sá da Bandeira, "O Tesouro", de Garibaldino de Andrade
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Diógenes Boavida
Henrique Abranches
Henrique Abranches nasceu em Portugal em 1932, tendo a sua família emigrado para Angola quando ele era ainda muito novo. Educado em Luanda. Nacionalista angolano (nome de guerra Mulaindo) com grande interesse na antropologia de Angola. Educador, poeta e escritor, com obra extensa. Dinamizador da cultura angolana; membro do Centro de Estudos Africanos; participoui na preparação da História de Angola, publicada pelo MPLA em 1974. Faleceu na África do Sul em 2004.
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O nacionalista Henrique Abranches (1932-2004) |
11. O Nacionalismo Branco
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Artur Pestana "Pepetela" membro da FUA Frente de Unidade Angolana, 1961
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Os Brancos e a Independência
Papel dos angolanos brancos na luta de libertação nacional
A experiência dos angolanos brancos nos movimentos de libertação
Kuribeka - Maçonaria e nacionalismo branco em Angola
A FUA (Frente de Unidade de Angola), fundada em Benguela pelo engenheiro Fernando Falcão, em 1961. O papel dos angolanos brancos nos movimentos de libertação
Regresso das Caravelas e angolanos brancos que trabalharam nos movimentos de libertação
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Membros da FUA (Frente de Unidade Angolana, estabelecida em Benguela em 1961) - Ernesto Lara Filho, Maria do Carmo Reis, Mário Nobre João, ?, Adolfo Maria, Sócrates Dáskalos, Artur Pestana "Pepetela", e Adelino Torres (de cócoras). Foto da Associação Tchiweka de Documentação, tirada em 1963 em Paris.
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12. Descolonização de África
A Conferência de Bandung, realizada em 1955 na Indonésia foi o primeiro
esforço internacional organizado a trazer a agenda anti-colonialista dos
países não alinhados ao topo da diplomacia internacional. Contudo, foi a vitória incontestável dos Estados Unidos da America na Segunda Guerra
Mundial e a sua ascenção a potência predominante do Ocidente, que avançou a agenda da descolonização às potências europeias
A Inglaterra saíu da Segunda Guerra Mundial muito debilitada economica- e politicamente. A Pax Britannica que reinou durante o império britânico foi profundamente abalada, obrigando a Inglaterra a conceder
independência política às suas colónias, começando com a Índia e o
Paquistão em 1948, e as colónias africanas nos primeiros anos da década de Sessenta, após um processo difícil no Quénia.
A Holanda, perante a proclamação unilateral de independência da Indonésia em 1945, viu-se forçada a conceder a independência às suas colónias na Insulíndia (Indonésia) em 1949.
A França, ainda mais enfraquecida, optou com maior relutância
pela descolonização após duas desgastantes guerras no Vietname (Dien Bien Phu, 1956) e na Argélia (1962), cujoa evolução política e militar foram seguidos de muito perto pelo governo português.
A Bélgica
viu-se num beco sem saída no Congo, o que obrigou o seu governo a conceder
precipitadamente a independência ao Congo dentro de seis meses em Junho
de 1960, deixando apenas Portugal como único país europeu com
colónias de relevo em África, salvo as duas pequenas colónias da Espanha (Rio Muni e Mauritânia).
A tudo isto temos de acrescentar o empenho com que o Presidente John F. Kennedy dos Estados Unidos deu à descolonização em África e na Ásia. É certo que a República da África do Sul era nessa altura ainda um "baluarte branco no continente negro", com a sua política de apartheid, formalmente establecida em 1948, que só se podia defender ao custo crescente de intensificação da repressão política e militar do Congresso Nacional Africano.
Entre 1957 e 1964, a grande maioria das colónias africanas ascenderam à independência, com a excepção das colónias portuguesas e do Sudoeste Africano (Namíbia, administrado pela África do Sul, sob mandato da antiga Sociedade das Nações), conforme indica o mapa abaixo:
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Mapa da descolonização em África (em 1957 e em 1964)
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Em
Angola, as décadas do após guerra (1945-1960) foram um período de progresso para os
portugueses, mas não necessariamente para os angolanos, que eles viram -se
vítimas de uma exploração colonial ainda mais atroz gerada pela expansão
desenfreada da produção de produtos coloniais como o café e os
diamantes, e um aumento acentuado na imigração europeia com implicações
profundas no mercado de trabalho e convivência social, ao mesmo tempo que o aparelho de
exploração colonial e a grelha administrativa se refinavam em explorar ainda mais racionalmente as suas riquezas.
13. A Independência do Congo Belga
Talvez porque fosse território vizinho de Angola em toda a fronteira
norte, a independência do Congo foi o factor determinante no começo da
luta anti-colonial em Angola, pois foi a partir do Congo que veio o
maior auxílio para a luta armada em Angola em 1961 e nos anos seguintes.
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Cartaz anunciando a data da independência do Congo Belga - 30 de Junho de 1960
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O governo português observava com grande atenção tudo o que se
denrolava no Congo, e o público em geral em Angola seguia de muito perto
e com muita apreensão todas as notícias que vinham do Congo,
especialmente no que refere à retirada dos colonos belgas e à precária
situação de segurança no período imediatamente após a independência.
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Cerimónia da Independência do Congo, em Leopoldville, a 30 de Junho de 1960, com a presença do Rei Balduíno da Bélgica, Presidente Joseph Kasavubu, e Primeiro Ministro Patrice Lumumba
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Eu lembro-me bem que como residente da vila da Damba, durante todo o ano de 1959 e até junho de 1960, nós víamos quase diariamente carros de refugiados belgas (e de outras nacionalidades, incluindo muitos portugueses) a passarem abarrotados com os seus haveres com direcção a Luanda, a fugir à situação caótica que se vivia no Congo Belga.
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Ponte aérea de refugiados belgas chegando do Congo em 1960
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Os líderes políticos congoleses presidente Joseph Kasavubu, primeiro ministro Patrice Lumumba, Antoine Gizenga, Moisés Tchombé, Cyrille Adoula, e Joseph Mobutu tornaram-se nomes familiares em Angola diariamente mencionados na imprensa escrita e na rádio. Á medida que a situação foi piorando no Congo, não tardou muito para que, com a ajuda do presidente John F. Kennedy e da sua CIA, Holden Roberto tivesse organizado a UPA como movimento de libertação nacional e ter começado a luta armada com os ataques de 15 de Março de 1961 a todo o distrito do Congo português.
14. A Família Morais
A minha Mãe teve problemas de saúde quando ela esteve grávida da minha irmã Dilar, pois teve que ficar alguns meses na antiga Casa de Saúde de Luanda, na Rua antónio Enes, perto do Cemitério do Alto das Cruzes. Assim, quando foi o tempo de parto para a minha irmã Paula, ela veio um mês antes para Luanda (15 de Dezembro) e nós ficámos em casa da nossa amiga de família, a D. Lena Marreiros de Morais até meados de Fevereiro.
A D. Lena era uma amiga de infância da
minha Mãe dos tempos em que ela tinha vivido em Maquela do Zombo, que morava na Travessa Conde Ficalho, perto da Padaria Lafões e da
famosa Pastelaria Détinha (que bons pasteis de nata e bolas de
Berlim!!!.), entre a antiga Rua Coronel Artur de Paiva (hoje Rua Rei
Katiavale) e a antiga Avenida dos Combatentes (hoje Avenida Comandante
Valódia).
Ela era casada com o Sr. Alfredo Morais, que era topógrafo de profissão. Eles tinham um filho único, o Tommy (António Emídeo Marreirros de Morais), que era seis meses mais novo do que eu, e de quem eu era muito amigo desde os meus anos de infância. Durante a nossa estadia de dois meses com a família Morais, nós fomos regularmente ao sábado à tarde assitir aos filmes do Cine Clube no Cinema Restauração, e ía mos com frequência ao fim de semana passear até ao fundo da Ilha no Jaguar do Dr. Águas Cruz, que era um advogado muito conhecido em Luanda e amigo da família Morais. Lembro-me ainda que durante esse mesmo período, o Sr. Morais estava a restaurar na sua garagem a pintura do seu carro Renault 2.
A D. Helena Morais era filha do Tenente Marreiros e
da D. Àurea, de nacionalidade espanhola, que tinha fugido aos horrores
da Guerra Civil de Espanha, e refugiado em Maquela do Zombo, Angola. A
D. Áurea era muito conhecida e respeitada no norte de Angola pois
operava um sistema de carreiras de autocarro ligando Maquela do Zombo e a
Damba com o resto do distrito. A D. Áurea tinha também um filho, o Rino, que a
ajudava na gestão do negócio de camionagem, e era nosso amigo de
casa muito chegado. Nós sempre que íamos a Maquela, íamos sempre visitar a Dona Àurea, e às vezes quando a visita era de mais de um dia, ficávamos em casa dela. Da mesma forma, quando eles vinham à Damba, eles vinham sempre à nossa casa.
15. Efervescência Política
As eleições presidenciais em Portugal de 1958 disputadas pelo Almirante Américo Tomás pela União Nacional (partido de Salazar) e pelo general Humberto Delgado (independente, mas suportado pelo Movimento de Unidade Democrática - MUD) dividiram o país em dois campos opostos muito polarizados. Para o cidadão comum, ou se era do regime, ou se era da oposição, não havia meio-termo.
Em Angola, essa polarização era mais complicada devido a crescente resistência à situação colonial. Num plano mais pessoal, os
meus pais não eram muito a favor do regime colonial, se bem que não se
pudesse dizer que eram "do contra". Eles acompanharam sempre de muito
perto os maiores acontecimentos mundiais e regionais da altura e
mantiveram relações de amizade com pessoas e famílias que viriam mais
tarde a ter um papel activo no movimento de resistência colonial e
libertação nacional.
Lembro-me que em 1959 os meus pais acompanharam de perto a evolução da
luta armada em Cuba e consequente revolução que levou Fidel Castro ao
poder. Lembro-me ainda claramente que nós estávamos em Luanda, no antigo Hotel Central, à entrada do Bairro dos Coqueiros, quando houvimos através da Rádio a notícia da queda do regime do ditador Fulgêncio Baptista, e a vitória dos revoltantes "Barbudos" liderados por Fidel Castro, a 1 de Janeiro de 1959. Durante todo o ano de 1960 eles acompanharam de muito perto e com uma certa inquietação o processo de independência do ex-Congo Belga, pois os meus tios Agostinho e Mélita viviam lá com o meu primo Hugo, bem como os meus primos Carlos, Luísa, e filhos.
16. O Processo dos Cinquenta
Mais
tarde em Dezembro de 1960, fomos todos para Luanda porque a minha mãe
estava de bebé da minha irmã Ana Paula, que havia de nascer na
Maternidade de Luanda (então chamada Maternidade Maria do Carmo Vieira
Machado, esposa do antigo Ministro do Ultramar Dr. Vieira Machado) a 14
de Janeiro de 1961, portanto cerca de onze
anos mais nova que eu.
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Alguns nacionalistas angolanos do Processo dos Cinquenta
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Soube também numa dessas
noites muito vagamente da prisão do Cónego Manuel das Neves e
mais alguns membros da resistência angolana, que ao que parece estavam a
conspirar uma revolta contra a autoridade colonial. As nossas famílias
também acompanharam de muito perto o Processo dos 50 (de facto, 56), em que a
PIDE prendeu a maioria dos mais importantes líderes nacionalistas
angolanos em Luanda, incluindo Mendes de Carvalho, André Mingas, Carlos
Van-Dunen, Liceu Vieira Dias, Hélder Neto, Calazans Duarte, e Mário
Guerra.
O assalto à Casa de Reclusão de Luanda em 4 de Fevereiro de 1961
(por alguns considerado como o "Grito do Ipiranga" angolano) foi
realizado com o propósito de libertar da prisão os líderes nacionalistas
que lá se encontravam detidos.
17. O Assalto ao Paquete Santa Maria
Já nos fins de Janeiro de 1961 lembro-me que todos em casa acompanhámos de muito perto através da BBC
Rádio em ondas curtas todos os dias à noite as notícias sobre o assalto e desvio do paquete de luxo "Santa Maria" da Companhia Colonial de Navegação (o outro paquete de luxo idêntico era o Vera Cruz), relizado a 22 de Janeiro na Caraíbas, chamada pelos revoltosos como "Operação Dulcineia".
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Henrique Galvão, líder do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação, a ser entrevistado em 1961
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O desvio deste importante navio da frota mercantil portuguesa foi executado por um grupo de revoltosos anti-fascistas portugueses (o Directório Revolucionário Ibérico de Libertação - DRIL) liderados pelo Capitão Henrique Galvão,
um ícone da oposição ao regime de Salazar, quando o navio saía do porto de La Guaira, na Venezuela
com destino à Madeira.
O paquete Santa Maria foi supostamente desviado da sua
rota priginal e seguiria então com destino a Luanda onde era esperado por muitos
jornalistas internacionais, mas acabou por fazer uma viagem muito mais curta e dirigir-se com destino à cidade do
Recife, Pernambuco, Brasil, onde os passageiros desembarcaram e o navio foi entregue às autoridades brasileiras. Neste assalto houve a lamentar a morte de um piloto do navio.
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Capitão Henrique Galvão, líder do sequestro do Paquete "Santa Maria" em 22 de Janeiro de 1961 |
Se bem que o desvio para Luanda do paquete Santa Maria acabou por não se realizar, este acontecimento captou a atenção da imprensa internacional à situação poliítica muito frágil que se vivia em Portugal e em Angola, em especial à oposição internacional ao regime de Salazar.
Henrique Galvão foi uma figura um tanto controversa, pois durante as décadas de Trinta e Quarenta ele foi um dos arautos do regime colonial em Angola e Portugal.
18. Adolfo Maria
A
família Morais eram amigos de longa data muito chegados à nossa
família. O Sr. Alfredo e a D. Lena eram conhecidos pela sua oposição ao
regime de Salazar, e a vida em casa em certa medida reflectia a
independência, mesmo até militância que os caracterizava. Na mesma casa
residiam também temporariamente um casal novo com um bébé, o Adolfo
Maria e a Lena (as três esposas eram Helenas: a minha mãe: Lena Ponte, a
Lena Morais, e a Lena Adolfo (Maria), e os três maridos eram
topógrafos).
Não me posso esquecer o que as nossas mães (a minha e a do
Tommy Morais) nos disseram para não responder a ninguém nunca qualquer
pergunta sobre o Adolfo ou a Lena - as palavras da minha Mãe foram: "Não sei, não vi, não ouvi!"
Isso fez-me "macacos na cabeça" pois não podia perceber porque é que
tanto segredo era preciso para cobrir o Adolfo Maria e a Lena, mas,
contudo, sem questionar, seguimos todos as prescrições à risca.
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O nacionalista Adolfo (Rodrigues) Maria, fotografia sem data, mas presumo ter sido tirada em 1963
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Soube
ainda através das conversas à mesa do jantar que o Adolfo Maria era um
activista político de relevo em Luanda, pois esteve envolvido no SNECIPA (Sindicato Nacional dos Empregados de Comércio e Indústria da Província de Angola), tinha sido membro da Sociedade
Cultural de Angola, e era um dos dinamizadores do Cine-Clube de Luanda.
Ele nasceu em Luanda em 1935, estudou no Liceu Salvador Correia, topógrafo de profissão, e escrevia para o Jornal ABC. Soubemos ainda que ele, juntamento com Mário António, tinham sido presos
antes pela PIDE e libertados no dia de natal de 1959, e soube ainda que o
Adolfo e a Lena tiveram que "mudar" dentro de dias para outra casa, pois a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado, polícia política portuguesa) andava outra vez no seu encalço.
Anos mais tarde em conversa com o nosso amigo Tommy Marreiros de Morais, soube que o Adolfo e a Lena se tornaram membros destacados do MPLA e que tinham fugido para o Congo Brazzaville, vivendo mais tarde na Argélia. Durante toda a minha vida, eu tive um grande respeito e admiração pelo o Adolfo e a Lena pelo seu testemunho de entrega a Angola.
19. A Perda do Estado da Índia - Goa, Damão, e Diu
Com
a independência da União Indiana em 1947, tornou-se evidente a Portugal
que a sua permanência no Estado da Índia era efémera, pois a Índia
desde o primeiro momento manifestou o desejo de anexar os territórios
portugueses por via diplomática ou por conquista militar. Face à
resistência do governo de Salazar em nem sequer discutir o assunto, a
Índia ocupou os pequenos territórios de Dadrá e Nagar-Aveli em frente a
Damão em 1954. Mesmo depois deste aviso, Salazar recusou-se a discutir
com Nehru a transmissão pacífica da autoridade portuguesa para a
indiana.
A
18 de Dezembro de 1961, as forças militares indianas avaliadas em cerca
de 45.000 homens atacam de surpresa e com força combinada de
infantaria, blindados, força aérea, e marinha de guerra os territórios
de Goa, Damão, e Diu. Sem grande resistência por parte dos portugueses,
depressa (em 18 horas) e com relativa facilidade as forças indianas
conseguem a rendição dos efectivos militares portugueses avaliados em
cerca de 3.500. Assim, em pouco de mais de dois dias de inviável
resistência, o mito da Índia acabou para Portugal.
No
quadro do crepúsculo do Império Colonial Português, a relevância do
Estado da Índia era mais um icone de glória de tempos idos, do que uma
colónia efectiva. Longe da metrópole (mais de 12.000 km por mar), com
uma minoria cristã numa população de 700.000 almas, dos quais a maioria
falava Hindi, e com uma presença militar simbólica (mínima e antiquada),
o Estado da Índia era somente um baluarte histórico pronto a ser
derrubado.
Contudo,
para Portugal a perda de uma colónia, especialmente da icónica Índia
Portuguesa, por muito pequena e irrelevante economicamente que fosse, afectava
profundamente a justificação e continuidade de todo o seu império
colonial. Além de derrotado militarmente, Portugal saiu muito
enfraquecido diplomaticamente com a perda de Goa, Damão, e Diu, ao mesmo
tempo que as forças anti-colonialistas nacionalistas e internacionais
se sentiram mais fortes.
20. A PIDE/DGS
A PIDE era a polícia política do Estado Novo português estabelecida em 1933, ano em que se estabelece o regime do Estado Novo em Portugal sob a ditadura de António de Oliveira Salazar.
Inicialmente chamada Polícia de Vigilância e Defesa do Estado - PVDE, esta agência de segurança era responsável pela vigilância das fronteiras, controle de estrangeiros, emissão de passaportes, censura, fiscalização da emigração, e segurança do estado.
Em 1945, a PVDE foi substituída pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e reorganizada em moldes mais próximos da Gestapo (Polícia política do estado Nazi), da polícia fascista italiana, e da Scotland Yard inglesa, para defender o Estado Novo de possíveis contágios das forças republicanas da
Guerra Civil de Espanha, das actividades do Partido
Comunista Português em Portugal, e de actividades de contra-espionagem que durante a Segunda Guerra Mundial fizeram de Lisboa um dos centros de espionagem mais activos do mundo. Assim, a PIDE ficou a agência responsável pela segurança do estado a mais alto nível do governo central
(Ministérios do Interior), cuja missão principal era a neutralização da oposição ao Estado Novo. Como tal, a PIDE estava desligada das outras agências policiais, como a Polícia Juciária, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Militar, a Guarda Nacional Republicana, e a Guarda Fiscal, mas ao mesmo tempo infiltrada nelas.
Em 1954, a PIDE estendeu a sua acção às províncias ultramarinas, sob a tutela junta dos ministros do Interior e do Ultramar, passando a focar num novo elemento: as aspirações independentistas das colónias portuguesas. A delegação da PIDE em Angola começou as suas operações em 1957, e depressa se empenhou na investigação e repressão das organizações nacionalistas clandestinas e indivíduos desafectos à ordem colonial, no emblemático Processo dos Cinquenta em 1959, e na resposta aos acontecimentos na Baixa do Cassange de 4 de Janeiro de 1961 e ataques de 4 de Fevereiro de 1961 às cadeias de Luanda e de 15 de Março de 1961 às vilas, aldeias e fazendas no Norte de Angola. Como responsável por informação política e militar, durante a Guerra Colonial, a PIDE passou a desenvolver um papel muito activo no campo de serviço de informação militar, o que eventualmente resultou na criação de milícias próprias, como os Flechas em Angola, compostas unicamente por soldados africanos.
Em 1969, a PIDE passou a chamar-se Direcção Geral de Segurança, e em 1974, como resultado da Revolução de 25 de Abril, a DGS foi extinta em Portugal, apesar de continuar a operar em Angola como Polícia de Informações Militares por mais alguns meses.
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A sede da Delegação da PIDE/DGS em Luanda, na Rua Diogo Cão, 1960s
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A PIDE/DGS era um aparelho de polícia secreta cujo acção assentava numa rede muito extensa e profunda de informadores (bufos) que estavam infiltrados em todos os sectores da sociedade (empresas, repartições públicas, imprensa, associações sociais, culturais e políticas, escolas, igrejas, hospitais, unidades militares, bairros, e vizinhanças. A sua sede era em Lisboa e cada província tinha uma delegação, a sede de distrito uma sub-delegação, e o concelho (comuna) um posto. A sede da delegação da PIDE/DGS em Luanda era na Rua Diogo Cão.
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Cartão de identificação do temido director da PIDE, Fernando Eduardo da Silva Pais
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Para além das suas sub-delegações em todos os distritos de Angola, que actuavam como centros de interrogação e tortura, a PIDE também operava um número de prisões (também designadas por campos de recuperação, campos de trabalho, e campos de internamento) espalhados pela província, dos quais os mais conhecidos eram o Campo de Recuperação de São Nicolau, no concelho de Bentiaba, Moçâmedes, Campo de Trabalho do Missombo, perto de Serpa Pinto (Menongue, Cuando-Cubango), Campo de Recuperação do Péu-Péu, perto de Vila Pereira d'Eça (Otchinjau, Cunene), Campo de Recuperação da Foz do Cunene (Iona, Namibe), Campo de Internamento do Ambrizete (Nzeto, Congo), e a prisão do Kikaia, na cidade do Uíge, Congo.
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Campo de Recuperação de São Nicolau, Bentiaba, Namibe, 1970s
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Eram nessas prisões que em condições desumanas eram mantidos sem julgamento ou qualquer processo judicial homens e mulheres nacionalistas que não concordavam com a ordem colonial. Nessas prisões, especialmente designadas para manter presos políticos, a alimentação era péssima, saúde e higiene não existente, e visitas de família e amigos interditas. Os presos eram sujeitos a muito maus tratos, incluindo trabalho forçado, castigos severos, interrogações, pancada, tortura, e até morte para muitos.Os presos políticos mais notórios eram mandados para o campo de concentração do Tarrafal, em Chão Bom, Ilha de Santiago, Cabo Verde, onde as condições eram ainda muito piores.
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Uma cela de isolamento no Campo de Concentração do Tarrafal, Chão Bom, Ilha de Santiago, Cabo Verde, 1970s
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Devido à sua longa história de violência, os agentes da PIDE e os seus seus responsáveis
foram trazidos à justiça portuguesa depois do 25 de Abril, embora a
maior parte deles tenham recebido penas muito leves.
21. Censura
Tanto em Portugal, como nas provícias ultramarinas, toda a produção intelectual era cuidadosamente filtrada pela Censura. Assim, qualquer obra literária (quer seja em forma de livro, artigo, documento, etc.) ou radiofundido pela rádio local em Angola era revista pela Comissão de Censura, que aprovava ou não a sua publicação.
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Cópia da primeira página do despacho proibindo a publicação do livro "Terra Morta" de Castro Soromenho, emitido pela Comissão de Censura de Angola em Fevereiro de 1945.
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Segunda e última página do mesmo documento
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22. A Revolta da Baixa do Cassange
Quando nós estávamos em casa da família Morais (o Sr. Alfredo, a D.
Lena e o Tommy (António Emídio, filho, da minha idade, e meu grande amigo
de infância e falecido há uns anos) tivemos conhecimento numa conversa ao jantar da eclosão da Revolta da Baixa do Cassange e do uso de bombas Napalm pela Força Aérea Portuguesa usou para suprimir com violência a revolta dos trabalhadores da Cotonang a 4 de Janeiro
de 1961.
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Algodão em rama, o ouro branco da Baixa de Cassange
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A
Cotonang, firma de capitais belgas, era então a maior companhia
(monopólio, melhor dizendo) envolvida
na cultura e exportação de algodão em Angola. Como monopólio, a Cotonang
não permitia na sua demarcação outra actividade agrícola senão a cultura obrigatória do algodão, com a excepção de alimentos para autoconsumo,
e exigia quotas de produção exageradas às famílias africanas, ao mesmo
tempo pagava preços de miséria abaixo do salário de sobrevivência a toda
a população da Baixa do Cassange, no norte do distrito de Malange.
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Um aspecto da repressão militar e policial contra a revolta camponesa na Baixa do Cassange contra a Cotonang, que começou a 4 de Janeiro de 1961 |
A
resposta do governo português às reinvidicações das populações da Baixa
do Cassange foi muito dura e devastadora, pois além de mobilizar duas
companhias do exército para acabar com as reinvidicações das populações
indígenas através de acção militar, também usou aviões da Força Aérea
Portuguesa para bombardear as aldeias dos revoltosos com bombas
incendiárias Napalm. Não se sabe ao certo o número de mortos e feridos,
mas sabe-se que foram algumas centenas de vítimas. As operações militares portuguesas foram comandadas pelo então major Rebocho Vaz, que mais tarde viria a ser governador do distrito do Uíge (1962-66), e governador-geral de Angola (1966-1970).
23. O 4 de Fevereiro de 1961
A
família Morais tinha um empregado doméstico (naquele tempo designado
como "criado") de nome Filipe, jovem africano ainda dos seus dezanove ou
vinte anos, que tinha como aposentos um quarto ao fundo do quintal, e
que nas noites de 4 de Fevereiro e seguintes não dormiu em casa. Aprendi pouco tempo depois através do próprio Filipe, que com certo receio e em segredo me
disse que tinha havido uma vaga de assaltos em Luanda e que tinha havido alguns mortos.
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Assalto à Casa de Reclusão de Luanda, 4 de Fevereiro de 1961 |
Com efeito, a luta armada organizada para a libertação de Angola teve início com os ataques que tiveram lugar na madrugada de sábado, 4 de Fevereiro em Luanda, a saber, uma emboscada a uma viatura da Companhia Móvel da Polícia no Bairro da Casa Branca (no Muceque Sambizanga), que resultou na morte dos seus quatro ocupantes e na captura das suas armas; com estas, os nacionalistas seguiram com o assalto à Casa de Reclusão Militar no Bungo (a caminho do Cacuaco) onde se encontravam detidos muitos dos arguidos do Processo dos Cinquenta; o ataque à cadeia de da 7ª esquadra da PSP
(Polícia de Segurança Pública) na estrada de Catete; e o ataque à cadeia da PIDE nos arredores do bairro de São Paulo, onde também se encontravam alguns nacionalistas detidos; e ainda as tentativas malogradas de assalto às instalações da Emissora Official de Angola e do edifício da estação central dos correios. No assalto
morreram seis polícias e um soldado por parte das forças portuguesas e algumas dezenas de nacionalistas angolanos.
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Notícia na primeira página do jornal O Diário de Lisboa sobre os ataques do 4 de Fevereiro |
Os
ataques do 4 de Fevereiro foram organizados e dirigidos pelo Padre
Manuel Joaquim Mendes das Neves, Cónego da Sé de Luanda, com a
participação de um grupo chave de cerca de duzentos nacionalistas angolanos ainda não
organizados em partido ou movimento de libertação. No terreno, os ataques foram liderados por Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel Mateus, Imperial Santana, e Virgilio Sotto-Mayor.
Apesar do detalhado planeamento, treino, e os melhores esforços dos assaltantes, os ataques fracassaram, principalmente
devido à falta de treino militar adequado e de falta de armas eficazes a responder à defesa da polícia, pois os grupos de nacionalistas tinham
apenas algumas catanas e canhangulos para realizar os ataques.
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O Cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves, líder dos ataques do 4 de Fevereiro (1896-1966) |
No âmbito da História de Angola, os ataques de 4 de Fevereiro são considerados por muitos como o Grito do Ipiranga de Angola, ("Brasileiros! A nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte! E as nossa cores, verde e amarelo, em substituição às das cortes") que teve lugar cerca de 140 anos antes nas margens do Rio Ipiranga, São Paulo, no Brasil, quando Dom Pedro I, regente do Brasil, filho do Rei português Dom João VI, proclamou a independência do Brasil, a 17 de Setembro de 1822. A partir desta data, o Brasil tornou-se uma monarquia independente de Portugal, com Dom Pedro I coroado rei do Brasil, confirmando o fim da Reino Unido de Portugal e Brasil (colónia do Brasil).
A liderança dos
ataques do 4 de Fevereiro têm sido reclamada pelo MPLA como tenham sido
organizados pelos seus líderes, mas, na verdade, tal não foi o caso, pois nela estavam envolvidos nacionalistas de todos os quadrantes políticos, que actuaram independentemente da cúpula de qualquer partido ou movimento, incluindo o MPLA ou a UPA.
No dia seguinte, domingo, dia 5, fomos ao funeral dos seis polícias no
Cemitério da Estrada de Catete (antigo Cemitério Novo), onde para meu
terror assisti a uma terrível confusão, com muitos tiros, muitos gritos,
pessoas a fugirem para todo o lado, uns a caírem feridos e mesmo mortalmente atingidos, outros a
tentarem abrigar-se do intenso tiroteio. Entretanto, tinha-me perdido da
D. Lena, da minha Mãe, e do Tommy, ficando paralisado (mais
estarrecido, talvez) durante três horas deitado ao lado (ao longo) da campa do meu
avô que tinha ido visitar por uns momentos, até já à noite.
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Funeral
dos membros da PSP (Polícia de Segurança Pública) no Cemitério Novo
(Santa Ana) no domingo, 5 de Fevereiro, mortos nos ataques na noite de sábado, 4 de Fevereiro de 1961.
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Quando
já tudo tinha acalmado um pouco, mas com o cemitério ainda em grande
confusão e cheio de pessoas aterrorizadas, feridas e mortas (a grande maioria africanos negros), um polícia encontrou-me e levou-me para a esquadra central da
Polícia de Segurança Pública (PSP)
ao lado da antiga Livraria Lello, no Largo Pedro Alexandrino da Cunha
(hoje Largo Raínha Jinga, ou popularmente Largo dos Correios), na baixa
de Luanda. Ali fiquei num quarto da esquadra da polícia por algum tempo, onde me perguntaram quem eu era, onde é que os meus pais viviam, e se tinham telefone.
Mais tarde, por cerca das dez horas da noite, a minha mãe e a
D. Lena Morais ansiosas vieram-me buscar e levaram-me para casa. Ainda
hoje, quando relembro esse acontecimento, vem-me à memória o sentimento
de terror que senti nesse fatídico funeral dos sete polícias (na verdade seis polícias e um cabo do exército), e o
impacto que esse acontecimento histórico teve para mim para o resto dos meus dias.
Os
nacionalistas angolanos tentaram um segundo ataque sem exito na
madrugada de sexta, 10 de Fevereiro, à Administração Civil de São Paulo e à
Companhia Indígena que resultou na morte de 22 nacionalistas e de 112
presos, que após interrogados pela PIDE nunca mais se soube nada sobre o seu destino.
24. O 15 de Março de 1961
Mais
ou menos duas semanas mais tarde depois do nascimento da minha irmã
Paula nós regressámos à Damba, e um mês mais tarde no dia 15 de Março de
1961, quarta-feira, tiveram lugar os assaltos da UPA (União dos Povos de Angola) às povoações do Quitexe, Aldeia Viçosa, e Vista Alegre, e a algumas fazendas de café no Distrito do Uíge, em
que um número elevado de brancos e trabalhadores (contratados) do
Bailundo (Huambo e Bié) foram mortos pelos revoltosos.
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Um aspecto da vida quotidiana calma dos portugueses numa fazenda perto da Vila do Quitexe, antes do 15 de Março de 1961 |
Soubemos
acerca desse acontecimento de manhã cedo no dia seguinte (quinta-feira, 16 de Março), e com o meu
Pai ainda em Luanda, lembro-me bem que a minha Mãe após ter falado com o administrador do concelho da Damba, Sr. Armando Veríssimo, e alguns amigos mais chegados, resolutamente e de imediato, e contra a opinião de todos os presentes, ela decidiu desfazer tudo o
que tinha em casa, carregar as mobílias da casa em duas camionetas, e
partir algumas horas depois (já à noitinha) com destino à Vila do
Bungo em direcção final a Luanda. Ela deixou todas as mercadorias na loja e no armazém, bem como a carrinha e tudo o que estava no escritório da procuradoria e agência de viagens do meu pai.
Durante a viagem, à noite e já depois da povoação de 31 de Janeiro,
um grupo de revoltosos ("terroristas" para uns, "heróis" para outros)
de catana na mão bloquearam a estrada e tentaram parar os camiões em que
seguíamos. O condutor do camião em que eu ia (a minha Mãe, e a minha
irmã Dilar, e a minha irmã Paula de dois meses, iam no outro camião
atrás do nosso) disse-me para me abaixar e abrigar, e decidiu não parar,
pôs o pé no acelerador ao fundo e em velocidade crescente passou pelo
grupo que acenavam suas catanas afiadas mas abriram alas ao verem-nos passar. Foi tudo
muito rápido, e no escuro, que salvo a luz dos faróis do camião, pouco
mais se podia ver senão alguns vultos dos assaltantes e o brilho prateado do
gesticular das suas catanas afiadas; mas nunca mais me esqueci do terror que vivi nesse
momento.
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Militantes da UPA, Damba, 1961 |
Talvez uma hora e meia mais tarde chegámos à Vila do Bungo
onde não nos deixaram prosseguir a viagem. Passámos o resto da noite na
igreja da vila com o resto das mulheres e crianças num ambiente de
terror caótico e de angústia em que ninguém dormia, guardados pelos homens da vila, armados e
fazendo vigia à volta da igreja, onde se tinham refugiado todas as mulheres e crianças.
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Foi num camião Volvo, modelo de 1958, igual a este e carregado de mobílias e pertenças pessoais da nossa casa da Damba, que nós fugimos na noite de 17 de Março de 1961 para o Bungo, onde pernoitámos, antes de seguir para a vila do Negage. Nessa viagem, entre o 31 de Janeiro e o Bungo, nós tivémos um encontro brusco mas sem consequência com um grupo de guerrilheiros da UPA. |
De manhã, já a 17 de Março, sexta-feira, e contra o conselho de todos, a minha Mãe insistiu em prosseguir a viagem para a Vila do Negage,
onde nos tinha sido dito que uma ponte aérea estava a evacuar mulheres e
crianças por avião para Luanda.
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O
avião de transporte Nord-Atlas (Barriga de Ginguba) da Força Aérea
Portuguesa que nos evacuou do Aeródromo Base do Negage para Luanda a 18 de
Março de 1961, onde chegamos à noitinha. |
Chegámos ao Negage ao meio-dia, sob uma chuva torrencial, de onde fomos
dirigidos de imediato para a Base Aérea que ainda estava em construção nessa
altura. Sob a chuva torrencial o barro vermelho não nos deixava sequer
andar, contudo, com alguma dificuldade chegámos finalmente ao Aeródromo Base Nº. 3 do Negage, onde fomos encontrar centenas de mulheres e crianças refugiadas como nós à espera da sua vez para serem evacuados para Luanda.
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Os movimentos e focos principais de revoltosos da UPA nos ataques ao Norte de Angola em 1961 |
Horas mais tarde, nesse mesmo dia, fomos evacuados num avião NordAtlas ("Barriga de Ginguba" da Força Aérea Portuguesa)
para Luanda, onde já chegámos à noitinha e onde o meu Pai ansiosamente nos esperava
no então Aeroporto Craveiro Lopes (hoje 4 de Fevereiro) em Luanda.
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Vítimas inocentes de um ataque bárbaro da UPA a uma fazenda no Norte de Angola, Março de 1961
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As fotografias dos ataques da UPA em Março de 1961 postos a
circular em todo o mundo pelo governo portguês mostravam corpos de bébés
e mulheres mutilados e barbaramente assassinados, o que decerto não
ajudou a causa da libertação nacional. O próprio Holden Roberto, chefe
da UPA, se horrorizou quando viu o que os seus revoltosos fizeram.
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Os defensores portugueses da vila da Damba, fotografia tirada no aeródromo em Abril de 1961
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A povoação do Lucunga foi atacada em 12 de Abril resultando no massacre da maioria dos seus residentes portugueses. Nela faleceu nesse dia o nosso amigo de família, o Senhor Amaral, que era casado com uma filha da D. Estrela que vivia na sua fazenda perto do rio Lueca. Pelo que ouvimos já em Luanda dias mais tarde, o Sr. Amaral foi morto à catanada quando estava a a tentar saír da povoação na sua carrinha, e o seu corpo caíu sobre a buzina da mesma, o que a activou, só parando esta de buzinar horas mais tarde quando a bateria do carro perdeu a carga. Este trágico episódio foi talvez o que mais nos perturbou, e eu nunca mais esqueci a morte trágica do Sr. Amaral.
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Crianças Bakongo do norte de Angola refugiadas no Congo, 1961
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A
Damba foi atacada a 17 de Abril por duas colunas da UPA, uma vinda pela
estrada de Maquela e a outra pela estrada do Lucunga, começando por um
assalto à residência do secretário, seguido do ataque à residência de
dois andares do administrador, onde os residentes da Damba se tinham
refugiado e estabelecido um forte dispositivo de defesa. Ao fim de
algumas horas de combate os guerreiros da UPA abandonaram o ataque deixando
muitos mortos no terreno. Ao fim da tarde chegaram reforços militares da
companhia de caçadores especiais de Maquela do Zombo, que ajudaram a evacuar
mulhers e crianças para Carmona e Luanda.
A Damba foi novamente atacada a
19 de Abril, mas desta vez com combates mais intensos que visavam a
igreja local, onde os residentes se tinham refugiado como reduto de
defesa. O irmão Pedro, missionário capuchinho da Missão Católica da Damba, foi morto neste assalto
quando saíu da igreja a tentar acalmar os atacantes. After algumas horas
de intenso combate, os atacantes retiraram deixando muitos mortos no
terreno. A Damba tornou a ser atacada nos dias seguintes, mas com menos
intensidade, já que as pesadas baixas aos assaltantes se amontoavam dia-a-dia.
A povoação do Mucaba
sofreu um assalto muito intenso a 29 de Abril, depois de um cerco de vários dias, onde os residentes
refugiados na Capela da vila resitiram até quase ao limite das
suas forças aos ataques dos guerrilheiros da UPA. Pelo seu papel de líder da resistência dos residentes portugueses da vila, o chefe de Posto do Mucaba, Sr. Hermínio de
Carvalho Sena, nosso amigo de casa na Damba, foi
consagrado como o líder dos heróis do Mucaba, e agraciado com as mais altas condecorações de herói nacional em todo o
Portugal de Minho a Timor. Muitas ciaddes em vilas em Portugal ainda têm a "Rua Heróis do Mucaba".
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O
chefe de Posto Hermínio Carvalho de Sena (1918-2014), líder da
resistência aos assaltos da UPA à povoação do Mucaba em Abril e Maio de
1961. Ele foi o mais destacado dos "Heróis do Mucaba".
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Nós sabemos que os regimes políticos precisam de heróis, especialmente em tempo de guerra, e que um dos papeis da propaganda do governo é enaltecê-los extraordinaria e intensivamente, mas devemos também dizer que a resistência excepcional posta pelos defensores do Mucaba foi na verdade um acto excepcional de heroicidade e bravura. Com uma força muito reduzida e com parco armamento e munições, e com comunicações por rádio P-19 muito deficientes, eles foram capazes de resistir quase sozinhos dentro de uma pequena capela (só com a ajuda de dois militares, um dos quais veio a ser ferido) às incursões incessantes dos guerreiros da UPA, que os atacaram às centenas.
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Os Heróis do Mucaba, Maio de 1961
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É de relembrar aqui a importância do suporte por meios aéreos aos defensores do Mucaba. O engenheiro Pereira Caldas, do Aero Clube de Angola, baseado em Luanda, fez alguns vôos numa pequena avioneta Piper Cub ao Mucaba para informar os sitiados dos locais onde os assaltantes se encontravam, bem como dar estimativas dos seus contingentes.
Apesar do Aeródromo Base nº 3 (AB3) do Negage ter sido inaugurado a 7 de Fevereiro de 1961, isto é, antes dos ataques da UPA, este, sob o comando do tenente-coronel Soares de Moura (havia de o encontrar outra vez na Companhia de Cabinda em 1975), ainda não estava adequadamente apetrechado para fazer face ao desafio dos ataques da UPA. Contudo, em meados de Maio, o AB3 dispunha já de uma pequena frota de pequenos aviões Auster, Dornier, e Harvard T-6, que com ligeiras alterações permitiam o uso de metralhadoras e transporte e lançamento de bombas, foram imediatamente utilizados em ataques e bombardeamentos a concentrações de efectivos da UPA em todo o norte de Angola.
No caso do Mucaba, a FAP (Força Aérea Portuguesa) prestou uma ajuda crítica aos defensores do Mucaba nos momentos mais difíceis. Em especial cabe mencionar o papel desempenhado pelo então tenente-coronel Diogo Neto e a sua equipa em terem bombardeado os atacantes com duas bombas de 90 kg lançadas de um avião PV2 da Base Aéra Nº 9 de Luanda, e assim os ter dispersado com muitas baixas no terreno. Esta operação militar foi acompanhada pelo aclamado jornalista João Charulla de Azevedo (1933-1967), mais tarde editor-chefe da revista "Notícia", e proprietário da Neográfica, que por sua vez fez chegar logo o relato dos acontecimentos através da rádio e da imprensa a todos os cantos de Angola, e de Portugal de Minho a Timor. É também justo mencionar aqui que o tenente-coronel Manuel Diogo Neto (1924-1995), foi em 1974, já como general da Força Aérea, membro da Junta de Salvação Nacional, do Movimento das Forças Armadas (MFA), que dirigiu os destinos de Portugal logo após a revolução do 25 de Abril de 1974.
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Guerrilheiros da UPA mortos no assalto de 29 de Abril de 1961 à Capela do Mucaba (ao fundo).
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A UPA atacou de novo o Mucaba a 10 de Maio, mas desta vez os guerreiros da UPA foram repelidos ainda com mais baixas no terreno, pois a defesa da vila contava já com a ajuda de um pequeno contingente militar português. Nos dois ataques ao Mucaba, a UPA infligiu aos residentes portugueses 7 mortos e 3 feridos, entre os quais uma menina de três anos. Por seu lado,a UPA sofreu dezenas baixas, muitas delas causadas pela intervenção da Força Aérea.
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Cabeças de contratados (trabalhadores rurais) Bailundos mortos por revoltosos da UPA numa fazenda no distrito do Congo em 1961
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A
revolta da UPA visou não somente os colonos portugueses brancos, mas
também os "contratados" africanos (trabalhadores rurais sob contrato de
trabalho) que supriam as fazendas de mão-de-obra africana para as roças
de café de colonos portugueses onde os Congueses não queriam trabalhar.
Estes trabalhadores vinham principalmente da região do Huambo, sob
condições de exploração atrozes em que todos ganhavam com o negócio,
incluindo o fazendeiro, o angariador, o administrador ou chefe de posto,
e o camionista, excepto o trabalhador rural ele próprio, que se via
atado a um contrato de trabalho árduo e desvantajoso de dois anos que
por norma iria durar muitos mais anos longe da terra e da família. Os
trabalhadores Ovimbundo eram vistos pelos Bakongo como aliados dos
colonos brancos e estima-se que tenham sido mortos milhares de
trabalhadores Ovimbundo nos primeiros assaltos do 15 de Março.
25. Resposta Portuguesa
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O
Presidente do Conselho de Ministros do Governo Português, António de
Oliveira Salazar, no seu discurso ao país a 13 de Abril de 1961 - Para Angola, rapidamente e em força...
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Contrariamente ao que se esperava, a resposta do governo português foi um pouco demorada. Só quatro semanas mais tarde depois dos ataques de 15 de Março, a 13 de Abril, é que Salazar anunciou as medidas de ajuda a Angola num discurso à nação. As suas palavras diziam
tudo:"A explicação é Angola. Andar rapidamente e em força é o objectivo
que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão", e de imediato partiram de Lisboa os primeiros contigentes militares para Angola.
Nesse mesmo dia tinha havido
uma tentativa de golpe de estado liderado pelo General Botelho Moniz,
apoiado pelos Estados Unidos, mas que falhou devido à pronta acção do presidente da república Almirante Américo Tomaz e subsecretário de estado da Aeronáutica General Kaúlza de Arriaga em cortarem qualquer apoio das cúpulas militares.
Certo da sua vitória, Salazar assumiu a pasta de ministro de Defesa e
anunciou no dia seguinte um número de medidas de auxílio imediato a
Angola, o que incluiu o despacho imediato de três companhias de
Caçadores Especiais por avião, e o embarque de três batalhões pelo navio
"Niassa", que chegaram a Luanda no dia 1 de Maio.
Reocupação militar
Ataque à Damba 20 de Maio Otelo Saraiva de Carvalho
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Visita
do ministro do Ultramar Adriano Moreira à Damba, mostrando a bandeira
portuguesa que tinha sido resgatada aos guerrilheiros da UPA no seu
ataque de 20 de Maio de 1961. à esquerda e à direita, segurando a bandeira, os dois heróis (João Aleixo e Sebastião Baxe) que o fizeram. |
Se
bem que os ataques de 15 de Março não tenham sido uma surpresa completa
para as autoridades portuguesas, a resposta militar foi um tanto
pequena e lenta, pois apenas duas companhias de caçadores foram
mobilizadas imediatamente, e só um mês depois dos ataques (13 de Abril
de 1961) é que Salazar clarificou a resposta com a frase "para Angola
para já e em força".
O primeiro grande contingente de tropas portuguesas
chegou a principio de Maio, e os primeiros destacamentos de tropas
chegaram ao Uige uma semana depois, isto é, 45 dias depois do inicio dos
ataques da UPA.
Entretanto,
durante esse período de 45 dias, a situação tinha-se tornado muito crítica
para as autoridades portuguesas em muitasáreas do Norte de Angola, já que os ataques continuavam e a maioria dos postos
administrativos e e algumas vilas tinham sido evacuadas.
Os
nossos amigos, refugiados das áreas afectadas pela guerra ("terrorismo" ou "Guerra do Ultramar"
para a administração portuguesa, "Luta de Libertação Nacional" para os
nacionalistas angolanos, e "Guerra Colonial" para a oposição ao regime do Estado Novo
português) como nós, que encontravamos frequentemente, contavam-nos
histórias horripilantes do que estava a acontecer no Norte de Angola, de
amigos que foram mortos e do modo como foram mortos ou encontrados, e
de todas as atrocidades que os guerrilheiros da UPA (União dos Povos de Angola) vinham perpetrando.
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Desfile das tropas portuguesas na Avenida Marginal em Luanda, chegadas no navio "Niassa" a 1 de Maio de 1961
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No
dia 1 de Maio fomos todos todos assistir na Avenida Marginal ao desfile da
chegada das primeiras tropas portuguesas que tinham chegado a Luanda no
navio Niassa para combater a insurrecção no Congo português. Lembro-me
bem do desfile das tropas ao longo da Avenida Marginal, do sentido de
patriotismo do momento, e da festa de recepção que fizemos a um nosso
primo afastado João Graça, que eu nunca tinha conhecido antes, que era
alferes do exército e que tinha vindo nesse primeiro contingente de
tropas portuguesas, e que mais tarde veio a casar com a minha
prima Manuela, filha dos meus tios Aurora e Armando. O nosso primo João
foi imediatamente destacado para a zona de operações no distrito do
Uíge.
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Soldados portugueses em acção nas matas do norte de Angola, 1961 |
26. Refugiados em Luanda
Os
primeiros dias em Luanda foram de grande apreensão para mim. Ainda
muito novo para compreender a guerra iniciada pela UPA (União dos Povos
de Angola) e a revolta de 15 de Março, incluindo os ataques ao Lucunga a
17 de Abril e à Damba a 17 e outra vez a 19 de Abril, em que dois
amigos de casa foram torturados e barbaramente mortos à catanada em
frente à Igreja da vila. A nossa atenção focou-se em especial no ataque à
nossa Roça de Novo Fratel em Agosto em que os trabalhadores bailundos
ou fugiram para o mato ou foram mortos no terreiro do café, e os
edifícios, máquinas, viaturas, mobílias, stock de café, e recheio, etc.
foram completamente destruídos. Soube ainda que os assaltantes da UPA fizeram
uma fogueira muito grande com os livros da biblioteca valiosa do meu
avô, o que foi muito difícil para mim fazer qualquer senso dessa
destruição e mortandade.
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Guerrilheiros da UPA armados de "canhangulos", Distrito do Uíge, 1961
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Contudo,
no meio de tanta aflição e tragédia, senti que tivémos sorte, porque
fugimos a tempo e não tínhamos perdido nenhum membro da família.
A maioria dos "deslocados" (refugiados) do Norte, que nessa altura se
contavam já em muitos milhares, tinham sido acomodados em centros de
alojamento temporários e recebiam ajuda alimentar, de vestuário e de
medicamentos fornecidos pela Comissão Provincial de Apoio às Populações Deslocadas (CPAPD -
o IARN de outros tempos). Quanto à nossa família, nós ficámos primeiro
em casa de amigos de família (do Sr. Arlindo Cruz, falecido há muito,
irmão dos locutores Alice Cruz e Carlos Cruz).
Poucos dias mais tarde, os meus pais decidiram alugar um apartamento na
Rua António Enes (hoje Rua Ndunduma), junto à antiga Pastelaria Suíça (ou Suissa?), a
caminho do Bairro Operário, no segundo andar do prédio da antiga
Farmácia Confiança, já bem perto do Bairro Operário, e dois ou três
meses mais tarde, uma casa de primeiro andar na mesma Rua António Enes,
mas mais a nordeste, em frente a um prédio de lojas e apartamentos, na
esquina que dava acesso ao Bairro Miramar, que a minha mãe e minhas tias
tinham herdado do meu avô que tinha falecido seis anos antes.
Uma
vez na nova casa, eu e a minha irmã Dilar passámos a frequentar a
Escola Primária Nº 8, ao fundo da Rua Mouzinho de Albuquerque (actual Rua
Marechal Tito), que ligava o Mercado de Quinaxixe ao Cemitério do Alto das Cruzes (Cemitério Velho), a caminho da Casa de Saúde de Luanda
(antiga Rua António Enes) e à entrada do Bairro Miramar.
Como
resposta à situação de guerra preocupante no norte, depressa os ânimos
patrióticos dos portugueses em Angola atingiram o rubro. Todos os dias
éramos relembrados através da rádio e da imprensa, no trabalho e na
escola, quão importante era abraçar incondicionalmente a causa de Portugual em África. A
toda a hora se ouvia na rádio a música "Angola é Nossa" (Ó
povo heróico português / Num esforço estoico outra vez / tens de lutar,
vencer, esmagar a vil traição / Pra triunfar valor te dá o teres razão /
Angola é nossa gritarei / È carne, é sangue da nossa grei / ... / Angola é nossa / É nossa! É nossa! / Angola é Portugal!),
em que a sobrevivência da presença portuguesa em Angola passava pelo aniquilamento total e imediato das forças nacionalistas.
Entretanto,
nós assistiamos quase diariamente a inúmeras rusgas de residentes e
trabalhadores africanos que viviam no Bairro Operário e nos musseques
vizinhos, que iam simplesmente a pé para o os seus empregos ou
regressavam para casa depois de um dia de trabalho ao longo da Rua
António Enes. Nós testemunhámos essa violência quase todos os dias, a
qualquer hora do dia ou da noite, levadas a cabo pela polícia ou por
grupos armados de vigilantes brancos que à mínima suspeita, ou mesmo sem qualquer razão, davam grandes cargas de pancada aos africanos inocentes que
por ali inocentemente passavam. Estas cenas injustificadas de violência
sobre residentes inocentes eram suportadas pela não intervenção da Polícia para proteger as vítimas, estão ainda
hoje bem gravadas na minha memória.
A hostilidade dos portugueses residentes em Angola contra a política norte-americana do Presidente J. F. Kennedy era evidente na imprensa e rádio locais, o que levou um grupo mais radical a lançar o carro do consul americano em Luanda à baía num momento mais aceso numa demonstração que teve lugar na Avenida Marginal uma semana depois aos ataques da UPA ao norte de Angola.
26. Angola em1961
O ano de 1961 foi um ano difícil para o governo português, pois ao mesmo tempo que a descolonização prosseguia para a maioria das colónias inglesas e francesas em África, o Dr. Oliveira Salazar, presidente do conselho de ministros do governo português, teimava em remar contra os ventos da história.
Com efeito, o assalto ao navio Santa Maria, a posição adversária do Presidente John Kennedy e o seu suporte à UPA, as negociações para a renovação do uso da base aérea das Lages no Açores aos Estados Unidos, o constante contencioso com o conselho de segurança da ONU sobre a descolonização das colónias portuguesas, a tentativa de golpe de estado do general Botelho Moniz contra Salazar, as limitações ao uso de equipamento militar da NATO na guerra em Angola, o ataque militar da União Indiana a Goa que resultou na perda do Estado da Índia (Goa, Damão e Diu) e na prisão de cerca de quatro mil soldados portugueses, e finalmente o ataque à Base de Beja, no qual viria a ser morto o subsecretário de estado do Exército, puseram uma pressão muito intensa sobre uma situação de guerra já por si muito difícil, que só com muita dificuldade o governo de Salazar foi capaz de superar.
A posição intransigente do Presidente Kennedy dos Estados Unidos da América quanto à descolonização portuguesa só abrandou em Outubro de 1962 quando os Estados Unidos precisaram urgentemente de usar a Base Aérea das Lajes nos Açores num eventual conflito nuclear com a União Soviética quando deflagrou a crise das bases de mísseis balísticos soviéticas com armas nucleares baseados em Cuba.
A troco desta valiosa concessão militar geostratégica para os americanos, Salazar conseguiu para Portugal a mudança que queria na política americana, que se traduziu pelo suporte militar não oficial a Portugal, e pelo silenciamento da acção americana (suporte velado até) na ONU contra a presença de Portugal em África.
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Patrulha do Exército Português no Norte de Angola aprisionando um combatente nacionalista angolano, 1961 |
O 25 de Abril e Processo para a Independência
Alto Comissário e Junta Governativa
Acordo de Alvor e Governo de Transição
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Assinatura do Acordo de Alvor para a Independência de Angola, 15 de Janeiro de 1975 |
Políticos participantes nas negociações do Acordo de Alvor, 15 de
Janeiro de 1975, da esquerda para a direita, António de Almeida Santos,
Ministro da Coordenação Interterritorial (Descolonização) do governo
português, Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo
português, Jonas Savimbi, líder da UNITA, Holden Roberto, líder da FNLA,
General Costa Gomes, presidente da Junta de Salvação Nacional e do
Movimento das Forças Armadas (MFA) de Portugal, Dr. António Agostinho
Neto, líder do MPLA, e Almirante Rosa Coutinho, Alto-Comissário de
Portugal em Angola. O Acordo de Alvor foi formalmente suspenso em 22 de
Agosto de 1975.
Signatários por Portugal - Ministro
sem Pasta Major Ernesto Melo Antunes; Ministro da Coordenação
Interterritorial António de Almeida Santos; Ministro dos Negócios
Estrangeiros Mário Soares; Brigadeiro Piloto Aviador António da Silva
Cardoso; Ministro Plenipotenciário, Fernando Reino; Tenente-Coronel
António Gonçalves Ribeiro, Tenente-Coronel Fernando Reis Passos Ramos; e
Major Pedro Pezarat Correia.
Pela FNLA - Holden Roberto, Presidente
Pelo MPLA - Dr. António Agostinho Neto, Presidente
Pela Unita - Jonas Malheiro Savimbi, Presidente
Fracasso do Governo de Transição
Acção do Alto-Comissário Almirante Rosa Coutinho
A Guerra entre os Movimentos de Libertação em Luanda (em desenvolvimento)