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Alunos no Liceu Nacional Salvador Correia, 1969 |
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12. Liceu Paulo Dias de Novais
Em
Setembro de 1961, nós mudámos outra vez de casa, desta vez para a Rua 28 de
Maio, nº.9, (actual Rua Karipande) no Bairro da Maianga, onde
haveríamos de viver até 1969, pois eu tinha sido matriculado no Liceu Paulo Dias de Novais,
situado na Rua da Misericórdia (hoje Rua 17 de Setembro) na Cidade Alta
ao lado do antigo Quartel General da Região Militar de Angola (hoje Ministério da Defesa), em
frente ao jardim que tinha a estátua de Mouzinho de Albuquerque, que se tornou célebre por vencer o Soba Gungunhana em Moçambique, por sua
vez em frente à escola primária José Anchieta.
A memória sempre-presente e ao mesmo tempo a saudade mais profunda que tenho do Liceu Paulo Dias de Novais não era de facto o liceu, mas das muitas e belas acácias em flor que havia no largo em frente ao Quartel General (antigo Largo Mouzinho de Albuquerque) com as suas micro-folhas verdes e o encarnado vivo das flores que enchiam o jardim. Eu digo isto aqui não porque seja um tópico comum no tema de saudade de Angola, mas sim porque o sinto mesmo profundamente. De facto, eu tenho que confessar, eu sinto que eu faço parte da acácia rubra, e que ao mesmo tempo a acácia rubra faz parte de mim.
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Acácias Rubras em flor, foto obtida do blogue de "O Viajante", sobre Benguela
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O
liceu tinha nessa altura sido convertido de liceu feminino em liceu
masculino para acomodar o número crescente de alunos vindos das áreas
afectadas pela guerra cujas famílias haviam decidido não retornar às
áreas afectadas pela guerra no norte de Angola e permacer em Luanda, já que o novo
edifício do Liceu Feminino D. Guiomar de Lencastre se tinha acabado de
construir junto à Escola Industrial de Luanda, à entrada do Bairro da Vila Alice.
Apesar de ter gostado imenso do liceu (ou talvez por isso mesmo...),
reprovei no primeiro ano, o que não agradou nada aos meus pais. Nos anos seguintes fui crescendo e passando de ano para ano no liceu, e a
começar a tomar gradualmente consciência da realidade colonial em que
vivíamos.
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Hora de saída das aulas no Liceu Paulo Dias de Novais, 1968 |
A configuração do Liceu Paulo Dias de Novais era na forma de um
rectângulo com a frente para a antiga Rua da Misericórdia, em frente à entrada sul do Parque Heróis de Chaves, e com as
traseiras para a antiga Rua Henrique de Carvalho, que ligava o largo do Hospital ao Bairro do Saneamento e edifício da Imprensa Nacional, logo antes da Igreja de Jesus. No lado este do rectângulo (junto ao Quartel General) estava a secretaria e o
ginásio, com os balneários atrás, e as salas de aula ao longo do lado
de trás (antiga Rua Henrique de Carvalho) e Travessa da Misericórdia.
Como disse, o edifício e terreno do Liceu Paulo Dias de Novais eram já antigos e eram uma adaptação da função anterior de liceu feminino. Assim, no terceiro ano, o edifício central onde funcionava a reitoria e outros serviços, foi demolido para dar lugar a um grande espaço aberto onde se podia jogar à bola. Dessa antiga estrutura só se salvou o chamado "pombal", que era uma sala sózinha no segundo andar, que servia como sala de aulas para canto coral, cuja escada de acesso era muito longa e íngreme. No rés-do-chão do mesmo edifício eram situadas as casas de banho e a cantina.
Em 1971, o Liceu Paulo Dias de Novais mudou-se para modernas instalações perto do Colégio dos Maristas, na antiga Estrada de Catete, passando a funcionar aí como um liceu misto de rapazes e raparigas.
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Um dos miradouros do Parque Heróis de Chaves, Luanda, 1960s
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No Liceu Paulo Dias de Novais tive
excelentes professores que despertaram em mim o gosto em aprender, ao
mesmo tempo que com os amigos de Bairro ou de Liceu fazíamos as maiores
tropelias, das quais ainda me lembro em especial do pobre Palhinhas
(que vivia só (mas com 23 gatos!) numa casa abandonada mesmo ao lado do Cinema
Restauração, na Avenida Álvaro Ferreira - do Hospital (hoje Avenida do
1º Congresso), onde mais tarde foi construída a nova sala de cinema
"Studio" anexa ao mesmo cinema), e da Joana Maluca, uma demente muito popular que andava pelas nas ruas de Luanda desse tempo.
Há acontecimentos na vida que pela sua relevância ficam connosco para sempre. Assim é o caso do assassinato do Presidente Kennedy, que foi morto a 22 de Novembro de 1963. Eu tinha nessa altura 13 anos, e apesar de não ligar ainda à política, lembro-me que foi uma notícia de choque para mim. Eu estava a brincar com alguns colegas do Liceu Paulo Dias no jardim que tinha a estátua de Mouzinho de Albuquerque, situado à frente ao Quartel General quando um colega veio a correr e me disse que o presidente da América tinha acabado de ser assassinado no Texas. Ainda hoje me lembro o sentido de choque que a notícia me deu e o sentimento de não compreender por que é que tais acontecimentos tinham lugar.
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Igreja de Nossa Senhora do Cabo, na Ilha de Luanda, pintura de Garcia Marques, 1940 |
O
Liceu Paulo Dias de Novais oferecia as disciplinas do antigo 1º ao 5º
Ano, em dois ciclos - o primeiro ciclo (1º e 2º anos) com cinco
disciplinas - Português (gramática), Francês, História de Portugal, Matemática, Ciências Naturais, Desenho e Trabalhos Manuais, e Educação Física.
No segundo ciclo (3º, 4º, e 5º anos) com
nove disciplinas - Português (Literatura Portuguesa), Francês, Inglês, História (História de Portugal no 3º ano, e História Universal nos 4º e 5º anos), Geografia (Geografia física no 3º ano, Geografia mundial no 4º ano, e Geografia de Portugal e Ultramar no 5º ano),
Matemática (geometria, álgebra, e funções), Ciências Naturais (Corpo Humano no 3º ano, Zoologia no 4º ano, Mineralogia e um pouco de geologia no 4º ano, e Botânica no 5º ano), Ciências Físico-Químicas (Física no 3º e 4º anos, e Química no 4º e 5º anos), Desenho,
Canto Coral, Religião Moral e Cívica, e Educação Física.
Para maximizar o uso das salas
de aula para o maior número possível de alunos, as aulas eram dadas em
dois turnos - de manhã (das sete e meia ao meio-dia e meia), e da tarde
(da uma e meia às seis e meia), de segunda-feira a sexta-feira. As aulas
eram de cinquenta minutos cada uma, seguidas de um intervalo de dez
minutos para recreio.
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O antigo Liceu Central de Luanda (1919), mais tarde Liceu Salvador Correia (até 1942)
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O
ano lectivo era dividido em três períodos - as aulas começavam por
volta do dia 23 de Setembro e iam até três semanas antes do Natal,
altura em que tinhamos três semanas de férias de Natal. O segundo
período começava na primeira semana de Janeiro e ia até à primeira semana
de Março, após as quais tínhamos um mês de férias. Finalmente, o
terceiro período começava na primeira semana de Abril e ia até à segunda
semana de Junho, após as quais tínhamos as "Férias Grandes", até ao fim da terceira semana de Setembro.
Assim, durante os meses mais quentes do ano -
de Dezembro a Março - nós tínhamos dois períodos de férias (para um
total de sete semanas), mas as férias grandes (treze semanas) eram
durante a estação do cacimbo (estação mais fria e seca), para condizer
com o ano académico em Portugal. O último dia de aulas do ano era
celebrado com grande fanfarra por toda a cidade pelos alunos dos liceus, escolas comercial e industrial, e colégios privados.
Por outro lado, o primeiro dia de aulas
era ocasião para praxes académicas que incluiam o fazer uma carequinha aos "caloiros" (alunos que entravam pela primeira vez para os liceus e
escoloas comercial e industrial), os quais tinham que "baixar a careca"
perante os estudantes mais velhos e receber destes um toque na cabeça
(carecada).
O
Liceu Paulo Dias de Novais situava-se numa das zonas mais antigas da cidade,
abrangendo os antigos bairros da Cidade Alta, Saneamento, Bairro dos Ferreiras, Maianga, Samba, Praia do
Bispo, Hospital, Coqueiros, e Baixa. Mesmo perto do Liceu, situava-se o
Parque Heróis de Chaves, com uma área verde muito grande delimitada pela
Rua da Misericórdia a sudoeste, rua do Casuno a norte, beco do Csuno a leste, e a Praça Dom Pedro V a Noroeste. A Avenida do
Hospital corria paralela a leste e sudeste.
O antigo Parque Heróis de Chaves (hoje Parque da
Liberdade) era uma das zonas verdes mais extensas e aprazíveis de Luanda, com jardins muito
cuidados e bonitos, com muitas árvores frondosas e muita sombra, muitos passeios e com uma estufa
fria muito linda. Mesmo junto ao parque havia dois campos de futebol, um
junto à Escola José Anchieta de terra batida, e o outro, de pavimento
asfaltado ao fundo do Beco do Casuno, onde os grandes encontros de
futebol do "Paulo Dias" tinham lugar a qualquer hora. Já perto do jardim
onde se encontrava a estátua de Mouzinho de Albuquerque (mesmo em frente ao
Quartel da Segunda Região Aérea das FAP (Força Aérea Portuguesa), havia um campo de basquetebol, todo cercado de rede metálica, onde o Sporting Clube
da Maianga realizava os treinos das suas equipas de basquetebol juvenis. Naturalmente, o parque e os campos de futebol e basquetebol eram muito usado pelos alunos do Liceu Paulo Dias nas horas de borla (folga) e
nas horas de "fuga" às aulas.
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O antigo edifício da Mocidade Portuguesa, na antiga Avenida do Hospital
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Cabe aqui referir que havia na vizinhança do Jardim Mouzinho de Albuquerque e da Avenida do Hospital dois edifícios antigos importantes na Luanda de duas gerações antes: o do Liceu Central de Luanda, primeiro liceu em Angola e percursor do Liceu Nacional Salvador Correia, que se situava na esquina, onde se situavam algumas repartições activas dos Serviços de Instrução (mais tarde Serviços de Educação), e o edifício da sede da Mocidade Portugesa em Angola (na Avenida do Hospital).
Por volta de 1969/70, ambos os edifícios ficaram vazios com a transferência das todas as repartições dos Serviços de Educação, incluindo a Mocidade Portuguesa, para o novo complexo de edifícios do estado que se construiu a leste do Hospital Militar e da Maternidade de Luanda, à entrada da estrada de Catete, ao lado da antiga Avenida Norton de Matos. No seu lugar construiu-se um novo prédio muito grande com cerca de dez ou doze andares. Por trás desses edifícios encontrava-se a Escola José Anchieta (Nº 12) que tinha um grande espaço em frente, com os ditos campos de futebol e de basquetebol.
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Outro miradouro no antigo Parque Heróis de Chaves, Luanda, 1967 |
O antigo Parque Heróis de Chaves (hoje Parque
da Liberdade) foi para muitos rapazes e raparigas da minha geração o lugar onde fumaram o
primeiro cigarro, onde leram o primeiro livro em quase absoluto descanço, o
lugar do primeiro beijo longo, e o lugar de onde alguns têm as melhores
memórias de namoro com as suas "miúdas e namorados".
Já que menicionei os alunos fumarem o primeiro cigarro, devo mencionar aqui que o desafio do tabagismo era um grande problema de saúde em Angola, pois a grande maioria dos adultos (mais homens do que mulheres) fumava muito, não sendo estranho encontrar um médico sempre com um cigarro ou cachimbo na boca.
Como tudo, havia tabaco para todos os bolsos, bocas, e gostos. Os mais baratos eram os cigarros sem filtro Jucas, Francesinhos, Nº1, e os Caricocos, que vinham em pacotes de 300 cigarros, e que se podiam comprar avulso nas lojas de musseque. Depois tínhamos cigarros em maços de 20 cigarros, sem filtro (Jucas, Hermínios, Swing, Negritos, e Java), com filtro (AC, Delta, Baía, 365, LM, 8008, 9009, Infante, e Senador) com filtro extra-longo, e de sabor a mentol. As marcas mais populares eram produzidas pela Fábrica de Tabacos Ultramarina (FTU), situada ao fundo da Vila Alice em Luanda, mas os cigarros produzidos em Moçambique (Nilos, GT, MC, Havana, Comodoro, e Palmar), eram também muito populares. O tabaco mais caro era o tabaco importado (as marcas internacionais de cigarros, geralmente americanas, e a marca popular francesa Gitanes), de cachimbo, e charutos de Cuba.
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Um pacote de cigarros Jucas, de 300 cigarros, da FTU, Luanda, 1960s
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Na rua traseira do Liceu Paulo Dias de Novais (então Rua Henrique de Carvalho que ia dar à Imprensa Nacional e ao Bairro do Saneamento, hoje Rua 17 de Setembro), mesmo junto ao complexo da antiga Messe dos Oficiais do Exército Português, havia uma barroca muito funda, longa e íngreme, que era um dos lugares predilectos para onde os alunos do Liceu Paulo Dias de Novais iam fumar quando tínham borla de aulas ou quando fugavam às mesmas.
Como não podia deixar de ser, eu gostava de explorar essas barrocas, que iam até à estrada que ligava o Bairro da Samba à Praia do Bispo, onde hoje se situa o monumento ao Presidente Agostinho Neto. Um dia, no meu quarto ano, estando eu mesmo em cima da berma da barroca, perdi o equilíbrio e caí aos trambulhões até chegar ao fundo da barroca, cerca de 50 metros abaixo. Foi uma queda longa e horrível que me deixou bem ferido depois de bater em muitas pedras ao longo da queda, pois tiveram que me levar para o Banco de Urgência do Hospital Central (que era bem perto), onde me tiveram que consertar com mais de trinta e oito agrafos na cabeça e muitos cortes no corpo todo.
O acontecimento mais triste que me lembro do Liceu Paulo Dias de Novais foi a morte do nosso muito estimado colega Licas (Eusébio)
depois de contraír o virus da raiva de um cão raivoso que o mordeu duas
semanas antes. O Licas, que morava no Bungo e jogava na equipa de futebol (categoria juvenis) do Clube Ferroviário de Angola, era muito popular no liceu, pois para muitos ele era um dos melhores jogadores de futebol do liceu, se bem que alguns dessem esse título
ao Dédé. Para tornar esse acontecimento ainda mais trágico, o
pai do Licas teve um ataque cardíaco e morreu ao tomar conhecimento da
morte eminente do seu filho. A morte simultânea de ambos foi muito sentida no liceu.
Quando
ainda vivíamos na Damba eu também fui mordido por um cão raivoso,
quando estava a brincar no quintal com o meu irmão Rui. Mais uma vez foi
ele quem me salvou pois para me defender do cão, ele atirou-lhe uma
telha de barro bem pesada com tanta força que matou o pobre animal.
Levaram-me a mim e ao cão imediatamente ao hospital e concluiram que o cão estava
raivoso, pelo que tive de tomar injecções de soro anti-rábico na
barriga todas as manhãs durante os próximos trinta dias, com uma seringa
tão grande que parecia mais um copo (bem longo) de beber água, e com
uma agulha ainda mais grossa. Lembro-me que durante esse tratamento a minha barriga inchou em vários pontos.
A Mocidade Portuguesa (MP)
Como estudante do Liceu Paulo Dias de Novais, nós tínhamos de participar uma vez por semana nas actividades da Mocidade Portuguesa (MP). A MP era originalmente uma organização estatal de raíz fascista pré- e para-militar para a juventude (semelhante à Juventude Hitleriana na Alemanha Nazi) fundada em Portugal em 1936, que oferecia também outras actividades como campismo, desportos náuticos (remo e vela), aeromodelismo, cursos de portugalidade, e outras. Nas actividades para-militares e de doutrina cívica, nós tínhamos de usar a farda oficial da Mocidade Portuguesa que incluia calção (ou saia para as raparigas) castanho claro, camisa verde, bivaque, emblema da MP no bolso esquerdo, meia alta, sapatos ou botas pretos, e cinto de couro castanho com o "S" prateado de Salazar) na fivela.
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Dois estudantes portugueses em uniforme da Mocidade Portuguesa
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A Mocidade Portuguesa tinha duas grandes divisões: a masculina (MP) e a
feminina (MPF) organizados em moldes semelhantes, embora a MP
(masculina) estivesse um tanto virada para uma vocação militar para os
rapazes, e a MPF (feminina) no papel de mãe e dona de casa para as
raparigas. O emblema da MPF era similar ao da MP, mas em formato de
losango.
Como organização para-militar que era, a Mocidade Portuguesa era organizada em escalões, a saber: a Quina composta por cinco Infantes; Castelo, composto por cinco Quinas; Bandeira, composta por doze Castelos; e Falange, compostas por duas bandeiras. Consoante o progresso do aluno ou aluna (Infante), haviam postos de hierarquia a saber, membro não graduado (raso), Chefe de Quina, Arvorado em Comandante de Castelo, Comandante de Castelo, Comandante de Bandeira, e Comandante de Falange (o posto mais alto).
A maioria dos estudantes participava nas actividades paramilitares da Mocidade Portuguesa porque eram obrigados, mas muitos participaram voluntariamente nas outras actividades que não tinham tanto caracter doutrinário, militar, ou político, como campismo e desportos náuticos.
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Emblema da Mocidade Portuguesa
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O parque de campismo na zona da Floresta da Ilha de Luanda era o lugar onde os acampamanentos tinham lugar, onde, com muita frequência, os populares "gambuzinos" afectavam os mais inocentes. Eu fui a três acampamentos da Mocidade Portuguesa na Floresta da Ilha e na área da praia de Belas, a sul de Luanda.
O pavilhão náutico da Mocidade Portuguesa na Ilha de Luanda oferecia o
melhor equipamento e programas para desportos náuticos como natação,
vela, e remo em Angola. A Mocidade Portuguesa operava também as colónias de férias
no litoral, que traziam a praia a muitos estudantes do interior de
Angola, dos quais se destacava a Colónia de Férias na Ilha de Luanda.
O Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa em Angola oferecia também um Curso de Portugalidade destinado a jovens seleccionados pelas autoridades coloniais que quizessem saber mais sobre a cultura lusíada (não só portuguesa, mas também ultramarina, e até lusófona). O curso era de natureza política e doutrinária e constava de um programa intensivo de quatro semanas que se aprendia tudo sobre Portugal e as suas província ultramarinas, e focava na realidade e vocação histórica e ultramarina de Portugal.
O Curso de Portugalidade era visto por muitos jovens com certa suspeita, pois era visto como um instrumento de propaganda e de produção de quadros afectos à realidade colonial multi-racial que Portugal então apregoava, que era a vocação lusa de miscegenia com os povos dos trópicos, inspirada pela tese do sociólogo brasileiro Gilberto Freire.
Como disse acima, a Mocidade Portuguesa foi fundada pelo regime do Estado Novo em 1936, como uma organização estatal inspirada no modelo
nacionalista e militarista da Juventude Hitleriana, contudo esse foco
abrandou-se e esbateu-se ao longo dos anos, transformando-se a MP numa organização de
juventude mais em linha com o movimento internacional dos escuteiros, acabando por ser extinta logo depois da revolução do 25 de Abril de 1974.
Dias de Feriado
O dia 10 de Junho, Dia de Portugal, em evocação ao grande poeta épico Luis de Camões, autor de "Os Lusíadas", também designado por Dia de Portugal (também designado por Dia da Raça, ou Dia de Camões) era o principal feriado patriótico do ano. Nos últimos anos, a principal celebração do dia 10 de Junho tinha lugar no Largo Diogo Cão, em frente ao Palácio de Vidro junto ao porto de Luanda, onde havia parada militar e condecorações aos heróis da Guerra Colonial.
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Comemoraçõeso do Dia de Portugal (1o de Junho) no Estádio dos Coqueiros em Luanda, 1960s
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O outro feriado importante era no dia 15 de Agosto, dia da Cidade de Luanda, e dia da Restauração de Angola à ocupação holandesa levada a efeito a 15 de Agosto de 1648 pela esquadra luso-brasileira comandada por Salvador Correia de Sá e Benevides .
O dia 5 de Outubro, dia da República, era também feriado para celebrar a implantação da república em Portugal em 1910.
O dia 1 de Dezembro era um feriado especial pois era o dia da Mocidade Portuguesa, e dia da restauração da independência nacional, quando em 1640 Portugal expulsou o jugo espanhol, com uma parada da Mocidade Portuguesa junto ao Palácio do Governador, ou mesmo até no estádio municipal dos Coqueiros.
Finalmente, o Dia 8 de Dezembro era também feriado, pois era o Dia da Mãe, se bem que com um cariz um pouco religioso, pois era também o Dia de Nossa Senhora da Conceição. Para além destes, o dia 1 de Janeiro (Ano Novo) e 25 de Dezembro (Natal), bem como a Terça-Feira de Carnaval e a Sexta-Feira Santa também eram feriado. O dia 1 de Novembro era o dia dedicado aos finados (mortos) não era um feriado oficial.
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O Carnaval em Luanda era sem dúvida uma quadra de quatro dias de farra sem interrupção. Aspecto do desfile de escolas de Carnaval na Marginal de Luanda, 1972
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A farra estava no coração do luandense, pois qualquer razão para haver farra arrastava todo o mundo para a festa. Os três dias de Carnaval eram de longe a quadra mais festiva da cidade. Farras começavam no sábado e iam sem interrupção até terça-feira à meia noite, quando nos despedíamos do Rei Momo. Muitas pessoas dormiam de dia e farravam à noite até o sol nascer. Havia ainda uma grande parada de carnaval na Marginal com muitos grupos de dança competindo para prémios. As farras de Passagem de Ano eram também muito animadas, muitas delas acabando depois do sol raiar no dia seguinte. A noite de São Martinho (11 de Novembro) era também uma boa razão para festejar com castanhas assadas e geropiga na ponta da Ilha.
Professores do "Paulo Dias"
Dos professores que tive no "Paulo Dias", realço o seu primeiro reitor Dr. Álvaro dos Santos Saraiva de Carvalho, homem de grande conhecimento e iniciativa que fez uma grande obra como reitor (que tinha vindo do Liceu Salvador Correia, onde era conhecido pale alcunha de "Carapau"), a Dra. Judite Morais, professora de História, que inspirou em mim o interesse pela História, a Dra. Maria Amélia (Matemática), que dando sempre muito trabalho de casa me ajudou a abraçar a Matemática, a Dra. Paulina Bento Ribeiro (Francês), que tinham sido alunas do Liceu Salvador Correia em Luanda, e em especial o Professor Eduardo Zink (de Desenho), que me ajudou a compreender melhor a criação artística e as diversas escolas de pintura, o Dr. Polidoro de Oliveira (Português) que despertou em mim o gosto pela leitura, por escrever, e pela criação literária, e do Padre Eduardo André Muaca (Religião
e Moral) pois que com os seus ensinamentos e exemplo exerceram uma
grande influência positiva na minha formação como pessoa e cidadão.
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Prédio do antigo Hotel Angola, na antiga Avenida do Hospital, mais tarde sede da Polícia Judiciária em Luanda, 1940s
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No Quinto Ano, como finalistas do Liceu Paulo Dias de Novais, nós organizámos uma excursão de autocarro ao centro e Sul de Angola, até Moçâmemedes que durou cerca de duas semanas. Nesta viagem, nós visitámos a vila do Dondo, Quibala, Cela, Nova Lisboa, Caconda, Sá da Bandeira, Vila Arriaga, Caraculo, Moçâmedes, Quilengues, Caluquembe, Benguela, Lobito, Novo Redondo, Porto Amboím, e Vila Nova do Seles, Dondo, da qual guardo boas recordações.
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Miradouro da Cidade Alta, Luanda, onde eu e a Princesa do Huambo namorámos tantas vezes
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Origem da Alcunha "Chinguila / Xinguila"
Em casa e em família, eu era chamado Dézito, mas no bairro e no liceu, eu era mais conhecido por Chinguila. Esta alcunha teve origem num episódio de brincadeira que não esqueço. Em 1963, eu tive um explicador angolano, de nome Eduardo Castelbranco, que era filho (ou neto, não estou certo) do historiador Francisco Castelbranco, que publicou a primeira História de Angola em 1932. Lembro-me que a minha mãe conhecia a sua mãe e tinha grande estima e respeito por eles, pois eram uma das famílias angolanas antigas mais conhecidas e respeitadas em Luanda.
Ele morava no rés-do-chão de um prédio de três andares na Rua Guilherme Capelo, no Bairro do Café, mesmo perto da antiga Escola Comercial Vicente Ferreira. Ele era tinha à volta de trinta e cinco anos, com um corpo muito grande, era muito inteligente, e ainda mais bonacheirão ao mesmo tempo. Ele era também um angolano nacionalista ferrenho, e por isso andava a ser perseguido pela PIDE. Eu tinha explicações à tarde, e normalmente chegava sempre antes da hora, de forma que brincava com os outros alunos num terreno baldio (vazio) situado mesmo ao lado do prédio até à hora da aula começar.
Uma tarde, o Eduardo Castelbranco, perguntou-me qualquer coisa relacionado com o trabalho de casa a que eu não respondi correctamente, pelo que ele me lembrou que seria melhor estudar um pouco mais, do que andar "a subir árvores por aí como um pechinguila". Daí, o termo "Pechinguila" ficou, e todos me passaram a chamar "Pechinguila". Mais tarde, usando uma palavra mais simples, alguns amigos passaram a chamar-me "Chinguila", que por sua vez, se transformou mais tarde em "Xinguila". Assim, a alcunha "Xinguila" não tem qualquer conotação com o homónimo umbundo "Xinguila", e menos ainda com qualquer acção negativa, muito pelo contrário, pois se relaciona simplesmente comigo, um antropóide, trepando árvores como um pechinguila...
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O emblemático edifício do Banco de Angola, cartão de visita de Luanda, 1960s
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O Engenheiro Sebastião Pessoa
Já que estamos no tópico de explicadores, recordo aqui com muita saudade o engenheiro Sebastião Pessoa,
que foi meu explicador de Inglês, Matemática, e ciências
Físico-Químicas no Quinto Ano. Uma pessoa verdadeiramente extraordinária
que me ajudou a abrir os olhos a ver o mundo menos como um espectador e
mais como um agente. O engenheiro Sebastião Pessoa (sempre de cara
séria, um tanto austero e estóico) teve uma influência extraordinária na minha formação como pessoa,
pois despertou em mim a cusiosidade por aprender e estudar mais a fundo
o mundo à minha volta, ao mesmo tempo que o fazia com disciplina mais
rigorosa.
Além das matériaas das disciplinas, ele ensinou-me quatro coisas preciosas: Porquê estudar (importância de conhecer e explicar), o que estudar (o quê, separando o trigo do joio), como estudar (técnica de aprender), e como gostar de estudar (paixão por aprender).
O Eng. Sebastião Pessoa era casado com uma senhora
inglesa (que não me consigo lembrar do nome) e tinha uma filha de três
anos (a Michelle) que um dia caíu da varanda do terceiro andar onde
viviam. Contra todas as expectativas, a pequena Michelle sobreviveu. No meio desta
tragédia terrível ela teve sorte pois a velocidade da sua
queda foi amortecida à medida que ela caía sobre os arames de pendurar a
roupa em cada um dos três andares do prédio (e os partia à medida
que os passava na sua queda), antes de chegar ao chão, o que amorteceu muito a sua queda.
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Mais uma leva de gente no Ca Posoka para a Ilha do Mussulo num fim-de-semana |
13. Luanda na Década de 1960
No
dia 20 de Abril de 1963, choveu muito mais do que o normal em Luanda o
que causou muitas enxurradas e desabamentos de terra na Baixa da cidade
e alagou a maioria dos muceques. Houve alguns mortos,
mas a maioria das ruas da Baixa ficaram soterradas pelas terras que se
tinham desprendido ao cimo das ruas Vasco da Gama (actual rua da
Missão) e Nossa Senhora da Muxima (logo abaixo do Museu de Angola.
O
cruzamento principal da Baixa entre as ruas Salvador Correia (actual rua
da Raínha Jinga) e Pereira Forjaz (actual rua Amilcar Cabral), onde se
encontravam as lojas e escritórios mais importantes da cidade ficou atolada com
quase dois metros de terra, mas o cruzamento entre a calçada íngreme em
que se situava a Revista Notícia (Calçada Gregório Ferreira, actual Rua
Cirilo da Conceição Silva), e o princípio da Rua Direita (na vizinhança
da firma Robert Hudson, então representante dos carros Ford em Angola) foram os mais
afectadas com mais de três metros de terra.
As obras de limpeza e
reabilitação duraram meses a concluir, e um grande paredão foi
construído em cimento armado mesmo a oeste da Rua da Nossa Senhora da
Muxima (actual rua Giorgi Dimitrov) e leste da Rua Direita para evitar
que o mesmo pudesse acontecer no futuro.
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O grande buraco causado pelas enxurradas de Abril de 1963 na Rua de Nossa Senhora da Muxima em Luanda, em frente ao antigo Colégio de São José de Cluny |
Colecçõs de Cromos
Um
dos passatempos preferidos dos nossos tempos de então era completar
colecções de cromos sobre os tópicos mais variados. Assim, como não
podia deixar de ser, eu também abracei essa onda completando várias
colecções, incluindo História de Portugal, Raças Humanas, Navios e Navegadores, O Mundo Animal, Bandeiras do Mundo, Maravilhas do Mar, História do Automóvel, Ben Hur, Os Dez Mandamentos, e outras que agora já não me lembro.
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Capa do livro de cromos História de Portugal
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Nós comprávamos os cromos em
pacotes de três por meio angolar (50 centavos), e como comprávamos muito
pacotes com cromos repetidos, o mercado de troca de cromos repetidos era muito
activo. Como em tudo, havia sempre numa colecção um pequeno número de cromos que eram muito raros, que eram trocados a preços muito altos.
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Capa da revista Mundo de Aventuras, número 785
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Cada colecção tinha sempre alguns cromos que eram muito raros, o que
fazia subir muito o preço desses cromos quando os trocávamos com amigos. Eu referi-me acima a "angolares", mas de facto eles já não existiam pois tinham sido substituídos por "escudos" em 1954, mas o termo "angolar" ficou na gíria popular por mais alguns anos e poucas eram as pessoas que não o usavam.
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Capa de um dos livros de aventuras de Tintin, de Hergé
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Em termos de revistas de juventude, os mais populares eram as revistas de banda desenhada ("quadradinhos", dizíamos nós) "O Mundo de Aventuras" e "Condor Popular" (de cowboys e índios, e quem esquece as aventuras de Buck Jones, Kit Carson, ou Mandrake?), e ainda as revistas das aventuras de Tin-Tin e do seu cão Milu e a revista "Cavaleiro Andante".
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Capa do número 220 da Revista Cavaleiro Andante
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Para raparigas, a Crónica Feminina e as novelas (literatura de cordel) da colecção Pimpinela e fotonovelas Corin Tellado da Agência Portuguesa de Revistas, eram as mais populares. Uns anos mais tarde, à medida que nos tornávamos mais "adultos", lía-se também muito a revista "Plateia", de que eu não era um fan fervoroso.
Panorama Desportivo de Luanda na Década de Sessenta
Para
muitos de nós o evento mais importante do ano era o famoso Grande
Prémio de Angola, mais tarde seguido pelo Circuito da Fortaleza, organizado anualmente pelo ATCA
(Automóvel Touring Clube de Angola). Talvez como um barómetro da inequidade social e económica dos tempos de colónia, o automobilismo era muito desenvolvido em Angola. Quase todas as cidades principais tinham um grande prémio ou circuito anualmente, que eram muito populares.
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O Grande Prémio de Angola - Circuito da Fortaleza em Luanda, 1967 (o Sobrado a que me referi no começo deste blogue, pode ver-se claramente à esquerda nesta fotografia) |
Assim, tínhamos o Grande Prémio de Luanda, o Circuito da Fortaleza de Luanda, as 6 Horas do Huambo em Nova Lisboa (Huambo), o Circuito da Restinga no Lobito, o Circuito de Benguela, o Circuito de Novo Redondo, o Circuito do Café em Carmona (Uíge). Haviam também muitos rallies, dos quais se destacava mais o Rally do BCA (Banco Comercial de Angola). Em 1972 já haviam dois autódromos, um em Luanda e outro em Benguela que ofereciam provas internacionais.
O nosso primeiro ídolo de automobilistas angolanos foi
Álvaro Lopes, que ganhou as primeiras corridas, seguido de Silveira Machado, António
Peixinho, Nicha Cabral, Emílio Marta, Ferrobilha Guedes, Ahrens Novais, Mabílio de Albuquerque, Helder de Sousa, Castro Pereira, e do malogrado Freddy Vaz, irmão da minha amiga Maria José Trancoso Vaz, de Benguela, que infelizmente morreu ainda muito novo num acidente no Grande Prémio de Angola em Luanda).
O Grande Prémio de Angola
cresceu de dimensão e importância tornando-se um dos mais importantes
provas de competição de carros em África, atraindo muitos automobilistas
de renome como Lucien Bianchi, Herman Muller, De Villiers, e David Piper e marcas Fórmula 1 como a
Porsche, Maseratti, Ferrari, e Lotus, e outras. Eu lembro-me que o bilhete de
entrada para as corridas era caro, mas nós arranjámos sempre maneira de
assistir às corridas de borla (sem pagar).
Os
desportos mais populares nesse tempo era o futebol, basquetebol, hóquei
em patins, futebol salão, andebol, voleibol, natação, vela, remo, e
ténis. Para além do Sporting Clube da Maianga, os principais clubes de
Luanda eram o Sporting Clube de Luanda, o Sport Luanda e Benfica, o
Clube Atlético de Luanda, o Futebol Clube de Luanda, o Clube Ferroviário
de Luanda, o Futebol Clube Vila Clotilde, o Centro Desportivo
Universitário de Angola (CDUA), e o Atlético Sport Aviação (ASA).
Em
geral, o Sporting e o Benfica dominavam a maioria das modalidades de
desporto, mas o Vila Clotilde tinha boas equipas de basquetebol, e o ASA
tinha uma boa equipa de futebol. Angola foi durante alguns anos campeã
nacional de hóquei em patins graças às excelentes equipas em Moçâmedes
(Atlético e Sporting) e Lobito (Lobito Sports Clube). O Sporting Clube de Luanda tinha um programa de ginástica muito bom.
Em termos de
desportos aquáticos, nós tínhamos em Luanda (no Clube Desportivo Nun'Álvares e Clube Naval de Luanda) excelentes nadadores e velejadores.
Devido à qualidade (e popularidade) do desporto da vela, ralizou-se em
Luanda em 1969 o Campeonato Mundial de Snipes, em que os angolanos Paulo Santos e Fernando Silva conquistaram a medalha de bronze qualificando-se em terceiro lugar. O remo também era popular, pois a baía de Luanda oferecia condições excepcionais para a prática desse desporto, com equipas do Clube NunÁlvares, Clube Naval de Luanda, e Mocidade Portuguesa, de quem eu era timoneiro na categoria de Yole de 4.
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Instalações do Clube Sports Nun'Álvares de desportos náuticos, 1950s
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Lembrando aqui o Clube Desportivo Nun´Álvares, não esqueço que um dia
megulhei de chapa a toda a velocidade e às cegas na piscina não sabendo
que havia apenas cerca de trinta centímetros de água. Maluquices que
nunca esquecemos... Felizmente "aterrei" bem de "chapa perfeita" e nada
de mal aconteceu, mas a memória do que poderia ter acontecido ficou comigo para sempre.
O Clube de Ténis de Luanda (no
bairro dos Coqueiros) também tinha tenistas de renome, mas era um clube
manifestamente elitista. O Clube de Caçadores de Angola era mais um clube
social do que desportivo, mas que oferecia bons torneios de tiro aos
pratos e aos pombos, e organizava a festa de passagem de ano mais
desejada em Luanda - o reveillon do Clube dos Caçadores.
Por falta de instalações próprias, as equipas do Sporting Clube da Maianga treinavam em locais diferentes (futebol no campo do ASA (Atlético Sports Aviação, situado para além do Aeroporto), basquetebol nas antigas instalações do Sport Luanda e Benfica (entre o Rádio Clube e o Cinema Tropical, que mais tarde mudou para nova sede e campos no Eixo Viário), e hóquei em patins no estádio da Ilha, junto ao Clube Nun'Álvares. Contudo, já em 1972 o Sporting Clube da Maianga construiu instalações desportivas próprias na zona do Rio Seco, mesmo atrás de onde se situava a nossa casa. Para o Maianga esta importante iniciativa foi a realização de um grande sonho de há muito anos para os seus sócios e atletas.
Luta Livre em Luanda
No
capítulo de desportos, espectáculos e diversões não podemos esquecer os populares
torneios de luta livre organizados pelo empresário (e lutador)
Lobo da Costa. Todos os anos, Lobo da Costa trazia ao público de Luanda
nos terrenos da feira junto à Alameda Dom João II e Avenida dos
Combatentes e mais tarde no estádio da Ilha, os mais fantásticos e
ferozes lutadores que levavam sempre os espectadores ao delírio quando o
Cinturão de Luanda era entregue ao vencedor. Quem esquece nomes famosos
como Carlos Rocha, King Kong, El Índio, Zé Luis, e Adriano? Cada
lutador tinha um grande número de seguidores leais, talvez mais leais do
que ao futebol, pois chegavam a jurar que tudo nos combates era real e não
meramente um espectáculo...
Panorama da Imprensa de Luanda na Década de Sessenta
Desde
muito cedo os meus pais cultivaram em mim o interesse pela história e
pelo negócio (eu era um bom jogador de Monopólio...), o que talvez
subconscientemente me levou a seguir a Alínea "G" no Sexto e Sétimo anos
(Ciências Económicas e Financeiras), quando mudei para o Liceu Salvador Correia para
frequentar o sexto e sétimo anos.
Os meus três anos no "Salvador Correia" (só fiz os exames de Matemática
e Inglês um ano mais tarde) foram críticos para a minha formação como
pessoa e cidadão.
A Imprensa Luandense
Eu li sempre tudo o que podia. Assim, era sagrada para mim a leitura da Revista Notícia (na calçada
Gregório Ferreira) todas as semanas, em especial os escritos de João Charulla de Azevedo (cujo lema era "Projecto o melhor, espero o pior, e aceito de ânimo igual o que Deus quiser", palavras que me iriam guiar para o resto da minha vida), e a crónica semanal "A Chuva e o Bom Tempo" de João Fernandes.
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Capa da revista Notícia, Luanda, 30 de Janeiro de 1971 |
Havia
ainda a Revista de Angola, que era um quinzenário mais antigo que a
revista Notícia, mas que tinha menor circulação pois focava um pouco
mais na economia de Angola.
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A Revista de Angola, quinzenário, 1960s
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Da imprensa diária em Luanda lia com frequência os jornais matutinos "A Província de Angola" (de maior circulação em Angola, e que líamos diariamente), e "O Comércio" (ambos com sede na rua Salvadorr Correia), e os jornais da tarde "Diário de Luanda"(sob
directa influência do governo), com sede na Avenida Lisboa em frente à
Delegacia de Saúde, e não muito longe da nossa casa, e o jornal "ABC"(que achava o mais independente), também com sede na Rua Salvador Correia. Havia ainda o semanário "O Apostolado", publicado pela Igreja Católica, que era o órgão de imprensa religiosa de maior difusão em Angola, que não lia tanto.
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Primeira página do Jornal "A Província de Angola", 1974
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O governo publicava "A Tribuna dos Muceques" que era um órgão de propaganda governamental antinacionalista controlado pela PIDE e pelos Serviços de Centralização e Coordenação de Informação de Angola (SCCIA),
destinado às populações indígenas dos musseques de Luanda. A Tribuna do
Muceque trabalhava em sintonia com a emissora A Voz de Angola e outros
orgãos do governo colonial no esforço de projectar Angola como uma
sociedade multi-racial.
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Primeira página do jornal Diário de Luanda, 1973
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Cabe
lembrar aqui que a imprensa em Angola desse tempo não era livre (longe
disso!). Nós não vivíamos num sistema politicamente livre e democrático,
mas sim num sistema autocrático colonial e em guerra. De facto, não só a
imprensa, mas qualquer actividade de natureza cultural como a
publicação de uma obra literária estava sujeita à censura prévia. Mais
ainda, qualquer actividade política era cuidadosamente seguida pela PIDE (a polícia política - Polícia Internacional de Defesa do Estado).
Dependendo
da extensão do "desvio político", para alguns a falta acarretava a
perda de liberdade de expressão, intimidação pessoal ou de membros de família, opressão policial, perda
de emprego, e até prisão. Estas formas de repressão fazia-os viver
sempre num mundo de medo de quando a PIDE havia de os ir buscar a sua
casa para interrogatório, tortura, residência fixa longe de Angola,
prisão, ou até morte.
As
prisões para presos políticos angolanos mais conhecidas era a prisão de
São Nicolau, situado na foz do rio Bentiaba (uma região muito remota e
de acesso muito difícil) no distrito de Moçâmedes, e o Campo de
Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Em face das consequência,
muitos angolanos preferiam "bazar" (fugir do país), e ir juntarem-sa aos
movimentos de libertação que tinham as suas bases nos países vizinhos.
Mesmo assim, a qualidade de certos (poucos) meios de comunicação social era muito boa, pois as suas crónicas (como o João Fernandes na Revista Notícia, e Acácio Barradas no Jornal ABC) e reportagens e comentários (como Sebastião Coelho no programa noturno Café da Noite, na Emissora Católica de Angola) conseguiam passar sob o pente fino da Comissão de Censura
e dizer ao público o que era preciso saber. Devo ainda dizer ao mesmo
tempo que haviam muitos jornais e programas radiofónicos cuja qualidade
era baixa e cuja função primordial era bajular o sistema colonial.
Ainda no tópico da revista Notícia,
lembro-me que já no fim da década de Sessenta segui atentamente a série
extraordinária de reportagens ao longo de várias semanas sobre a
economia e sociedade tradicionais "Nas Terras do Boi Sagrado"
sobre os povos de economia pastoril Nhaneca, Humbe, Herero, e Ovambo
(Cuanhama) no sudoeste de Angola. Lembro-me que esta série de
reportagens despertou em mim o interesse pela antropologia (e
antropologia económica) e pelo aprender das diferenças nos modos de
produção das economias tradicionais dos povos de Angola (colectores,
caçadores, pescadores, agricultores, pastores, e comerciantes, operários, e
assalariados), o que me levou a querer aprender mais sobre cada povo e a
sua história antes e depois do contacto com os portugueses.
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Uma imagem antiga do Palácio de Ferro, na antiga Rua Direita em Luanda
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Estações de Rádio
Se bem que não tão popular como o cinema, o teatro ainda tinha um número bom de fans em Luanda, sendo o Cine-Teatro Nacional, mesmo abaixo do Largo Afonso Henriques (também conhecido como largo da Obras Públicas, pois era onde se situava a sede desse departamento do governo).
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Sede do Rádio Clube de Angola, no Bairro do Café em Luanda, 1970
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Nos
nossos anos de juventude em Luanda ainda não
havia televisão, pelo que a rádio era a fonte de informação preferida e o cinema era a forma de entertenimento mais popular em
Luanda. Havia quatro emissoras de rádio (o Rádio Clube de Angola, a
Emissora Oficial de Angola e a Voz de Angola (ambas operadas pelo governo), e a Rádio
Eclésia (Emissora Católica de Angola), operada pela Igreja Católica.
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Cartão de verificação de recepção do Rádio Clube de Angola, 1940s
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A Voz de Angola era uma emissora do governo associada à Emissora Oficial de Angola cuja audiência era a população nativa das maiores cidades de Angola. A Voz de Angola oferecia programas em línguas autóctones e visava a radiofusão da política oficial do governo de acção psicológica e de sociedade multiracial que era sempre acompanhada de muita música de artistas angolanos, com o fim de preencher o tempo livre das populações nativas e mantê-las assim um pouco mais distanciadas da influência dos movimentos de libertação.
Haviam em Luanda dois programas de rádio do MPLA e da FNLA, que embora ilegais e proibidos pela PIDE, tinham grande audiência, especialmente entre as as populações nativas. O MPLA oferecia o programa "Angola Combatente" às quartas-feiras e domingos às 19:00 horas, que era de longe o mais popular, e a FNLA oferecia o programa "A Voz de Angola Livre" às terças e sextas feiras às 20:30 da noite mais para o norte de Angola.
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Edifício da Emissora Oficial de Angola em Luanda, 1970
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Programas de Rádio
Desde
os muito cedo que se ouvia muito música em nossa casa, pois a nossa Mãe
adorava música, especialmente música clássica, e ela incutiu em nós o
gosto pela música. Como resultado disso, o meu irmão Rui tocava gitarra
muito bem e era membro de um conjunto musical, e a minha irmã Ema
completou o curso de piano do Conservatório de Música de Lisboa. A minha
irmã Dilar tinha uma colecção muito extensa de discos LP.
Eu gostava muito de ouvir música clássica no Programa 2 da Emissora Official de Angola sempre que podia. Para mim, as obras mais preferidas eram "O Casamento de Fígaro", de W. A. Mozart (1756-1791), a "Quinta Sinfonia" de L. Bethoven (1770-1827), a ópera "Aida" de G. Verdi (1813-1901), a "Cavalgada das Valquírias" de R. Wagner (1813-1883), a "Abertura de 1812" de P. Tchaikovsky (1840-1893), a "Sinfonia do Novo Mundo" de A. Dvorjak (1841-1904), "Madame Butterfly" de G. Puccini (1858-1924). As obras preferidas da minha Mãe era a música ligeira da década de 1920 de A. Ketelby (1875-1959), em especial "Num Mercado Persa", e as canções e árias de ópera de Giuseppe Verdi (1813-1901) e Giochino Rossini (1792-1868) interpretadas pelos grandes tenores Enrico Carusso (1873-1921) e Mário Lanza (1921-1959), em especial "Be My Love" e "Oh Paradiso", que eu ainda hoje continuo a ouvir sem me cansar nunca.
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"Num Mercado Persa", de Anthony Ketelbey, a peça de música preferida da minha Mãe
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É
curioso, mas eu nunca pensei na influência que a música clássica havia
de ter para o resto da minha vida, mas o certo é que um dos maiores
prazeres que tenho na vida até hoje é ouvir calmamente peças de música
clássica, o que tento realizar todos os dias, não importando quantas
vezes ouço a mesma peça. Eu penso que a música, não só clássica mas
também a popular, me ajudou a transbordar o horizonte da minha mente
para uma dimensão mais universal, do todo fechado e controlado que era
Angola em que vivia.
Já que estamos no tópico de emissoras de rádio, eu tenho que dizer que o programa radiofónico que mais gostava de ouvir era o "Café da Noite" produzido por Sebastião Coelho
(Estúdios Norte), um dos radialistas de maior renome e integridade em
Angola. O programa era produzindo nos Estúdios Norte, na Travessa da Sé
nº 40 e radiofundido através da Rádio Eclésia (Emissora Católica
de Angola), às nove da noite nos dias de semana. Sebastião Coelho
(também conhecido por "Sebas" ou "Kandimba" ("coelho" em umbundo, pois
ele era natural de Nova Lisboa, Huambo), através do Café da Noite
oferecia sempre conversas de grande qualidade e interesse. Ele era
decerto o produtor de rádio de maior idoniedade na Luanda desse tempo.
Lembro-me que ele abria o programa com as palavras "Boa Noite amigo ouvinte, aqui nós somos Café da Noite, café de Angola, a bebida da cordialidade".
Ainda hoje, cinquenta anos passados, quando sinto que estou a viver uma
noite serena e refrescante, vem-me à mente o mesmo que sentia nas
noites em Luanda quando me sentava a ouvir serenamente Sebastião Coelho
no seu inesquecível Café da Noite.
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O grande produtor de rádio angolano Sebastião Coelho (1931-2002)
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Sebastião
Coelho foi um nacionalista angolano ferrenho desde longa data, tendo
sido preso pela PIDE em Nova Lisboa em 1962, quando transmitia o seu
programa "Cruzeiro do Sul" que transmitia em língua umbundu. Ele
foi também perseguido e ameaçado de morte por um grupo muito grante de
taxistas portugueses em Junho de 1974 em Luanda. Já no Canadá, ainda
troquei cartas com ele quando ele vivia em Buenos Aires. Infelizmente,
ele faleceu saudoso da sua pátria em 2002.
Não posso deixar de mencionar aqui o quanto eu gostava de ler as crónicas de Ernesto Lara Filho, no Jornal ABC e na Revista Notícia sob a égide Crónicas dum Seripipi Angolano, que tinha uma forma única e genuinamente angolana de escrever e cobrir tópicos de flagrante injustiça social. Natural de Benguela, e regente agrícola de profissão, ele era irmão da poetisa Alda Lara e primo do nacionalista Lúcio Lara. Ele faleceu muito novo (45 anos) num acidente de carro no Huambo em 1977, quando ainda muito se esperava da sua creatividade espantosa.
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O escritor, poeta, e cronista Ernesto Lara Filho - Seripipi Angolano (1932-1977)
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Cinemas de Luanda
O cinema era a forma de entertenimento mais popular em Angola desse tempo. Havia dois tipos de cinemas em Luanda: as salas de cinema propriamente ditas e as
esplanadas de cinema. Haviam dus companhias distribuidoras de filmes que também eram proprietárias dos melhores cinemas em Luanda ; a Angola Filmes Limitada, que era proprietária dos cinemas Restauração, Tropical, Império, Nacional, e Colonial, e a Cine-Angola Limitada (Sulcine) que era a proprietária das cine-esplanadas Miramar e Aviz.
A melhor sala de cinema de Luanda era o Cinema-Boate Restauração, situado na antiga Avenida Álvaro Ferreira (vulgo Avenida do Hospital)
inaugurada em 1952 pela grande orquestra de Shegundo Galarza. O Cinema Restauração era a maior sala de espectáculos a a mais luxuosa (e mais cara). Em 1971, uma pequena sala, o Cine Studio, foi adicionado ao complexo, que oferecia várias sessões ao dia (matiné, soiré, e segunda sessão). Até meados da década de Sessenta, era no Restauração que vinham actuar os mais consagrados artistas internacionais.
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O Cinema "Restauração" em Luanda, 1970s. Anexo, ao lado esquerdo, estava o novo cinema "Studio" |
A
sala de cinema Stúdio, adjacente ao Cinema Restauração, oferecia também
segundas sessões à Sexta e ao Sábado, que começavam perto da
meia-noite. Ao sábado, o Cinema Restauração oferecia o popular evento de
variedades "Chá das Seis e Meia" (mais tarde "Chá das Seis")
onde vinham actuar os artistas mais populares de Luanda, e se
realizavam concursos que ofereciam aos espectadores bons prémios e bom
dinheiro. O Chá das Seis apresentava não só artistas locais, como também
estrelas internacionais como João Villaret, Charles Aznavour, Ângela
Maria, António Calvário, Mara Abrantes, António Prieto, Nelson Ned, Ivon
Curi, e outros artistas famosos.
Quando nós estivémos em Luanda em 1960-61, o
Cine-Clube de Luanda oferecia
sessões de cinema no Restauração às 3:00 horas da tarde de sábado. os
filmes eram em geral muito bons e orientados para a juventude.
O cinema Cine Bar Dancing
Tropical na Avenida Brito Godins (actual avenida Lenine) era um
cine-dancing, onde as pessoas se sentavam como se estivessem num bar,
podendo mandar vir comida e bebidas, ao mesmo tempo que via o filme. O
cinema Tropical podia facilmente reconfigurar-se num grande salão de
dança, onde se organizavam grandes bailes e casamentos. Muitos dos bailes de fim-de-ano do Liceu Salvador Correia tiveram lugar no Tropical, mas o espaço era mais um cinema que um lugar de dança.
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O Cine-Dancing Tropical, na antiga Avenida Brito Godins (Avenida Lenine) em Luanda, 1957
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O Cine-Teatro
Nacional, situado junto ao Largo Dom Afonso Henriques, era o
cinema mais antigo de Luanda (inaugurado a 1 de Janeiro de 1932) onde durante muito tempo se apresentavam as peças de teatro em Luanda. Era ainda no cine-teatro Nacional que o Grupo de Teatro Infantil Cremilda Torres apresentava as suas famosas e concorridas peças de teatro infantil ao domingo à tarde.
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O antigo Cine-Teatro Nacional em Luanda 1950s
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O
Cine Colonial, no Bairro de São Paulo era o cinema para as massas mais
pobres da cidade, onde se dizia que os espectadores avisavam em viva voz os cowboys no ecran
da presença de bandidos ou Índios prontos a os matar (!), e depois se congratulavam do sucesso do seu aviso com efusivas salvas de palmas.
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Hora de saída do Cine Colonial no Bairro de São Paulo, em Luanda 1960s
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Em termos de
cine-esplanadas, o Cine-Esplanada Miramar era o mais belo e aprazível de todos, sendo considerado por muitos a sala de visitas de Luanda. O complexo era muito bem ajardinado e oferecia vistas magníficas da baixa da cidade, da avenida Marginal, da Ilha de Luanda, e do famoso pôr-do-sol de Luanda. Para além das vistas maravilhosas, o cine-esplanada Miramar tinha uns jardins em cada lado da plateia, que eram muito bonitos com as flores e plantas mais emblemáticas de Angola.
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O belo Cine-Esplanada Miramar em Luanda, 1970
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O Cine-Esplanada Aviz, no Bairro
de Alvalade era também muito bom, era mais fechado e ligeiramente mais pequeno, que o Miramar mas não tinham vistas espantosas que o cine esplanada Miramar oferecia, embora oferecesse a vantagem de ser completamente abrigado da chuva. Depois da Independência o Cine-Espalanada Aviz passou a chamar-se Karl Marx.
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O Cine-Esplanada Aviz no Bairro de Alvalade, Luanda 1970s
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O Cine-Esplanada Tivoli, situado no Bairro Azul (Samba) também muito bonito, mas mais pequeno que o Miramar e o Aviz, servia os bairros da zona sul de Luanda. Já construído na década de Sessenta, o Tivoli era um cinema mais convencional ao ar livre (esplanada), completamente coberto, e ligeiramente mais pequeno que o cine-esplanada Aviz.
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O Cinema Tivoli bo Bairro Azul, Samba, fotografia já tirada nos 1980s
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O
último grande cine esplanada a ser construído em Luanda, em 1968 foi o Cine-Esplanada Império,
à entrada do Bairro da Vila Alice, perto da Escola Industrial de Luanda. O Cine-Esplanada Império foi construído pela Angola Cine para poder concorrer com o Miramar e o Aviz. Ele era o maior cine-planada de Luanda, muito espaçoso, completamente coberto, e tinha dois grandes paineis verticais (um em cada lado do ecran) muito bonitos em estilo abstracto pintados pelo nosso professor famoso de desenho no Liceu Paulo Dias de Novais, Prof. Eduardo Zink. Depois da Independência, o Cinema Império passou a chamar-se Cinema Atlântico.
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Vista da plateia do Cine esplanada Império, na Vila Alice em Luanda, 1966
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Já na década de 1970, mais salas de cinema e cine-esplanadas foram
construídoss como o Studio (junto ao cinema Restauração), o Cine São
Paulo, o Cine Kipaka no Bungo, a esplanada Ngola Cine, e outros, que eram mais pequenos e mais cinemas
de bairro e clubes recreativos. Para além destes cinemas públicos, haviam em Luanda alguns clubes, como o Sporting Clube da Maianga, que ofereciam cinema aos seus sócios.
Haviam nesse tempo duas firmas distribuidoras de filmes em Angola: a Angola Filmes Limitada, que eram os proprietários dos cinemas Restauração, Império, Tropical, Nacional, e Colonial, e a Cine Angola Limitada que era proprietária dos cinemas Miramar e Avis. Os filmes eram apresentados geralmente à noite (soirée) durante os dias de semana, mas ao fim de semana também ofereciam sessões à tarde (matinée).
Dito tudo isto, o cinema onde eu ia com mais regularidade e frequência era a
cine-esplanada coberta do
Sporting Clube da Maianga, onde fui atleta, situado na Rua João Seca
mesmo à frente da nossa casa, que oferecia filmes quatro vezes por
semana (terça-feira, quinta-feira, sábado, e domingo), e como eu era
atleta do clube, eu tinha entrada gratuita para os filmes.
A esplanada
de cinema do Sporting Clube da Maianga oferecia somente filmes que já
tinham sido apresentados anteriormente noutros cinemas em Luanda, pois por norma comercial os filmes novos só se estreavam nos grandes cinemas da cidade. Ao domingo à tarde, o Sporting Clube da Maianga oferecia um matinée dançante, que era muito concorrida pelos jovens do bairro e não só.
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O popular actor mexicano de cinema Cantinflas (Mário Moreno), muito popular nos cinemas de Luanda na década de 1960s (1963) |
Panorama Cultural de Luanda na Década de Sessenta
Como disse noutro lugar neste texto, a cultura que estava em formação na Angola das décadas de Cinquenta e Sessenta do Séc. XX estava sujeita a três vectores culturais principais: a cultura tradicional dos povos africanos de Angola (em particular de Luanda), a cultura portuguesa, e a cultura popular ocidental.
Da interacção destes três vectores culturais principais, a cultura angolana ia construindo a sua identidade própria. Havia uma certa fricção entre a cultura africana e a portuguesa, pois a primeira fazia tudo para resistir aos esforços da segunda, que por sua vez era imposta pela necessidade de "portugalizar" Angola através do processo de colonização. O peso e a influência da cultura popular ocidental derivava principalmente pelo facto de que Angola era um consumidor de produtos culturais ocidentais através da rádio, cinema, e literatura que consumíamos do exterior.
O produto final da interacção das três culturas constituia o que nós chamávamos a cultura angolana de então. Ela incluia elementos híbridos (crioulos, especialmente em Luanda), em que se sentia uma certa primazia da cultura africana, pois a influência africana na música, na dança, na literatura, naculinária, no vestuário, no artesanato, na religião, e até no pensamento era patente em toda Angola.
Teatro
Em termos de teatro, o Cine-Teatro Nacional (o mais antigo cinema de Luanda) foi durante muito tempo o único teatro em Luanda, se bem que fosse mais um cinema do que um teatro. Contudo, o antigo Nacional era onde as revistas de teatro portuguesas eram apresentadas quandi vinham a Luanda, e era onde o Grupo de Teatro Infantil Cremilda Torres oferecia peças de teatro infantil ao domingo à tarde.
Já nos fins da década de 1960s, o Teatro Avenida foi construído ao fundo da Avenida dos
Restauradores de Angola (actual avenida Raínha Jinga), passando a ser a única casa de espectáculos exclusivamente dedicada ao teatro em Luanda.
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O antigo Teatro de Luanda, substituído em 1969 pelo Teatro Avenida
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O que se passava no quadro da música é um
exemplo bom deste conjunto de influências: em Angola ouvia-se nas
estações de rádio muita música angolana sendo o Ngola Ritmos, o Duo Ouro Negro, os Kiezos, os Jovens do Prenda, o África Ritmos, os Gingas, os Negoleiros do Ritmo, e os Águias Reais, os mais populares, e cantores de renome como Lilly Tchiumba, e seu irmão Eleutério Sanches, Sara Chaves, Dinah Jardim, Conchita Mascarenhas, Fernanda Ferreirinha, Teta Lando, Eduardo Nascimento, Elias Dya Kimuezo, Luís Visconde, e outros.
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O popular conjunto "Os Kiezos" que abrilhantavam muitas farras em Luanda, 1965
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O famoso conjunto musical luandense "Ngola Ritmos" foi fundado por Liceu (Carlos Aniceto) Vieira Dias (1919-1994) em 1947 na casa de Manuel dos Passos no Bairro Operário, depois da experência de Liceu Vieira Dias com o "Grupo dos Sambas" e orquestra "Ritmo Tropical" desde os primeiros anos da década de Quarenta. O Ngola Ritmos era o conjunto musical mais antigo e mais venerado em Angola na década de Cinquenta, tendo sido o primeiro conjunto musical angolano a popularizar canções tradicionais luandenses cantadas em kimbundo (não em português).
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Liceu Vieira Dias (1919-1994), o Pai da Música Popular Urbana Angolense
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Em termos de música, o Ngola Ritmos for o primeiro conjunto angolano a
fundir em canções tradicionais angolenses instrumentos musicais modernos como a viola, o baixo, e a bateria, com
instrumentos musicais tradicionais luandenses, como a dikanza (espécie de reco-reco), o
ngoma (tambor/batuque), e o hungo (espécie de berimbau).
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O
famoso conjunto N'Gola Ritmos - Liceu Vieira Dias, Nino (Ndongo) Mário
Araújo, Bélita Palma, Amadeu Amorim, Lourdes Van Dunen, e Zé Maria. Fotografia tirada em Benguela em 1957.
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Os muitos êxitos musicais do N'gola Ritmos ao longo dos anos incluiram "Muxima", "Madia Kandimba", "Mana Fatita", "Xinguilamento", "Ngakwambele kiá", "Phalami", "Tchon Bon", "Enu mu ilumba", "Mbiri-mbiri", "Tôtoritwé", "Dya ngo wé", "Kuaba kai kalumaba", "Kungwuenu", "Kopê" e "Maria Provocação", conforme nos relembra Jomo Fortunato no seu artigo no Jornal de Angola "A Modernidade Estética da Música Angolana", de 16 de Novembro de 2009.
O N'gola Ritmos apresentou-se nas melhores salas de espectáculos em muitas cidades de Angola, se bem que a suas audiências mais queridas fossem no Bairro Operário, na Liga Nacional Afruicana, e nos musseques de Luanda.
Os membros do Ngola Ritmos tinham fortes raízes nacionalistas pelo que foram desde os meados dos anos Cinquenta perseguidos pela PIDE, até ao ponto de que o conjunto foi desmembrado em 1962, pois alguns dos seus membros foram presos e desterrados para o Campo de Concentração do Tarrafal em Cabo Verde (como Liceu Vieira Dias que então trabalhava como bancário no Banco de Angola, Amadeu Amorim que trabalhava como electricista na Câmara Municipal de Luanda, e Zé Maria, e Fontinhas que era funcionário do estado nos Serviços de Metereologia foi transferido para o Luso (Luena), bem longe de Luanda.
Apesar de todos estes precalços, o conjunto musical Ngola Ritmos renasceu das suas próprias cinzas em 1964 tornando-se outra vez o conjunto musical angolano mais genuíno e mais adorado em Luanda.
Só por curiosidade, é interessante notar que Carlos Aniceto Vieira Dias, nascido a 19 de Fevereiro de 1919, ficou com a alcunha de "Liceu" de acordo com uma tradição popular luandense, pois ele nasceu poucas semanas depois da data em que foi fundado o Liceu Central de Luanda (1 de Maio de 1919), que mais tarde em 1924 passando a ser chamado Liceu Nacional Salvador Correia.
Lamentavelmente, e apesar da sua genuína vida e exemplo de nacionalista sincero e activo, mas devido à sua simpatia pela antiga facção da Revolta Activa do MPLA, Liceu Vieira Dias foi injustamente votado um tanto ao ostracismo pelo governo do MPLA durante os seus últimos vinte anos de vida.
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Raúl Indipo e Milo MacMahon em Luanda (o famoso Duo Ouro Negro)
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Em termos de popularidade para além de Angola, o Duo Ouro Negro era o conjunto angolano de maior projecção internacional, percorrendo o mundo a difundir a música angolana. De facto em 1963, o Duo Ouro Negro passou a basear-se em Lisboa, e não Luanda.
Para a juventude luandense da década de Sessenta, os conjuntos de musica pop mais populares eram "Os Rocks", "Os Jovens", e "Os Windies".
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Membros do conjunto musical "Os Rocks", o mais popular de Luanda na década de Sessenta
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Em Luanda especialmente haviam muitos conjuntos musicais para agradar todos os gostos. Os mais populares eram aqueles que tocavam nos musseques, pois eram eles que criavam as músicas mais originais e de ritmo mais acelerado. Entre eles, encontravam-se os Kiezos e os Jovens do Prenda, que tinham muitos fans não só na cidade de areia, como também na cidade do asfalto.
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O popular conjunto "Os Kiezos" actuando em Luanda em 1965
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É de notar também que a música crioula de Cabo Verde (Morna e Coladera) era també muito popular em Angola na década de Sessenta, sendo o conjunto "A Voz de Cabo Verde" e o seu vocalista Bana e trompetista Luis Morais os que mais destaque tinham, se bem que se ouvissem muito na rádio músicas baseadas na poesia genuína de Cabo Verde de Eugénio Tavares (quem esqueçe "Ó Mar Eterno"?).
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O popular conjunto musical "Os Jovens", Mário Bento Catela à frente, 1966
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Havia também muita música portuguesa (fado, música popular, e música folclórica) em que os fadistas mais famosos eram Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro, Fernando Farinha, Max, Teresa Tarouca, Tony de Matos, Lucilia do Carmo, Maria Teresa de Noronha, Carlos do Carmo, Maria da Fé, Teresa Silva Carvalho e muitos outros).
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Roberto Carlos, o popular cantor brasileiro das décadas de Sessenta e Setenta
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A música popular brasileira e a música latina eram também muito populares, especialmente o Samba, a Bossa
Nova brasileiras, o rumba cubana, e o Tango argentino. Os cantores mais populares eram o Roberto Carlos (êxitos como O Calhambeque, Parei na Contramão, Quando..., e A Namoradinha de um Amigo Meu), a Ângela Maria (Beijo Roubado, Garota Solitária, Meu Primeiro Amor, e Avé Maria do Morro)e o Carlos Gardel (My Buenos Aires Querida, Por uma Cabeza, Tomo y Obligo, e Cuesta Abajo), e os conjuntos musicais mais populares eram Los Índios Tabajara (Maria Helena, Amapola, Perfídia, e El Condor Pasa), Los Machucambos (Mas Que Nada, La Cucaracha, Quando Calienta el Sol, Granada, Carnavalito, e Esperanza), e Los Panchos (quem esquece Quiçá,Quiçá, Quiçá..., Uma Estória de Amor, e Alma, Corazon y Vida?).
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A
Raínha da Rádio Brasileira, Ângela Maria (1929-2018), cantora muito
popular em Angola durante a década de 1960. Quem se esquece de Beijo Roubado?
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Em termos de música internacional
(pop-music - americana, francesa e italiana), Elvis Presley, Tina Turner, Aretha Franklin, Charles Aznavour, Adamo, Sylvie Vartan, Gianni Morandi, Françoise Hardy, The Beatles, The Monkees, The Animals, eram os mais populares, e as orquestras (Mantovani, Ray Conniff, e James Last e música clássica, tinham também uma audiência muito grande, todos contribuindo
para o universo musical angolano mais activo e em contínuo desenvolvimento.
Património Cultural
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O edifício do antigo Museu de Angola, na antiga Rua de Nossa Senhora da Muxima
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O Museu de Angola, fundado em 1956 e situado na antiga Rua Nossa Senhora da Muxima, mesmo em frente ao Colégio de São José de Cluny (edifício construído em 1948 e hoje usado pela Universidade Católica de Angola) e logo abaixo do antigo Mercado de Quinaxixe, era a melhor institutuição a visitar para quem quizesse aprender um pouco mais acerca de Angola, com uma secção de cinegética (animais selvagens embalsmados) muito boa, com uma amostra muito impressionante dos animais selvagens mais típicos de Angola.
De igual modo, mas não tanto impressionante, havia uma secção etnográfica onde havia uma amostra razoável de arte e utensílios dos diversos grupos étnicos de Angola, e uma secção de obras de pintura e escultura de artistas angolanos. O Museu de Angola tinha também uma sala de conferências onde se realizavam colóquios importantes. O Museu de Angola publicou ainda alguns livros importantes sobre a história dos portugueses em Angola.
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Edifício da sede da antiga Sociedade Cultural de Angola (mais tarde Instituto de Angola, 1960s), na antiga Calçada de Santo António. Gravura de Carlos Ferreira, 1950.
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Até 1960, a Sociedade Cultural de Angola, localizada na Calçada de Santo António, em frente à Emissora Católica de Angola, era uma instituição cultural muito conceituada em Luanda, que oferecia colóquios, apresentações culturais de grande valor, e publicava uma revista de cariz cultural (Boletim Cultura) muito apreciada. A Sociedade Cultural de Angola oferecia também um prémio anual à pessoa que mais se destacasse no foral da cultura angolana. Em 1962, o prémio foi atribuído a Óscar Ribas pelo seu esforço em divulgar e explicar o folclore de Luanda. Contudo, por acção da PIDE, a Sociedade Cultural de Angola (mais tarde conhecida como Instituto de Angola), foi-lhe reduzida dramaticamente a sua acção cultural, e passou a ser apenas uma sombra esbatida do seu passado.
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Antigo monumento aos Mortos da Grande Guerra, Largo dos Lusíadas (Quinaxixe, Maria da Fonte), em Luanda, 1940s
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Podemos
também dizer que o universo das belas artes (arquitectura, escultura,
pintura, música, literatura, dança, e cinema) em Luanda era muito activo
e estava sempre muito presente na vida da cidade. É certo que não havia
um estilo arquitectónico angolano, mas haviam muitos edifícios que se
destacavam pela sua beleza artística e funcionalidade, e ainda embora
não tivéssemos ainda um cinema e uma escultura angolana, mas quanto ás
restantes formas de arte havia em cada uma um estilo angolano que se
revelava facilmente. Tínhamos um estilo próprio de música angolana, um
estílo de pintura angolano, e uma literatura genuinamente angolana.
Mais na temática de história de Angola, a Fortaleza de São Miguel, se bem que não aberta ao público como um museu pois era um forte militar, tinha uma colecção de azulejos muito única mostrando os momentos mais importantes da história dos portugueses em Angola. No campo das artes plásticas, o centro de exposições do CITA, na baixa de Luanda, no andar térreo do Hotel Império (que funcionava também como messe de oficiais superiores do exército oferecia regularmente exposições de artistas locais e estrangeiros. Este prédio serviu antes como sede do Banco Comercial de Angola (BCA), antes de se mudar para o novo prédio mais alto de Luanda, junto ao Banco de Angola.
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Antiga porta de entrada da Fortaleza de São Miguel em Luanda, 1935
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Entre
Dezembro e Março, nós íamos sempre à praia. Quando o meu pai estava em
Luanda, íamos (toda a família) com ele de carro, de outra forma íamos
(eu e o meu irmão Rui e mais amigos do Bairro da Maianga) de autocarro de casa até à para a Mutamba (linha
3), a pé até ao largo Dom Fernando (entre os CTT e o prédio do snack-bar Polo
Norte) e daqui para a Ilha (linha 9).
Devido ao trânsito e as duas
linhas de maximbombo (autocarro) que tínhamos de usar, nós tinhamos de ir muito cedo
e voltávamos já bem à tarde. Nós normalmente ficávamos a princípio da
Ilha, pois a viagem de carro ou de autocarro podia demorar horas com o
trânsito muito vagaroso, pois milhares famílias faziam o mesmo que nós.
Lembro-me que o
meu Pai tinha dois lugares predilectos para almoçar na Ilha de Luanda, o s
restaurantes Restinga, Mar e Sol e Tamariz, mesmo à entrada da rotunda da Ilha, onde serviam
pratos de marisco muito bons. O restaurante Mar e Sol era uma esplanada
aberta de dois andares muito bonita, rodeada de palmeiras e outras
plantas que o protegiam do burburinho da rua.
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Antiga Avenida dos Combatentes - à direita encontrava-se a estação dos correios onde íamos buscar o correio e na esquina estava a Cervejaria Mónaco
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Lembro-me
ainda que a minha Mãe nos relembrava sempre que tínhamos de poupar dinheiro durante a
semana para ter dinheiro para pagar o bilhete de maximbombo para a Ilha
(linha 9). De facto, como nós ainda tínhamos a caixa postal na estação dos correios da Avenida dos Combatentes, junto à antiga Cervejaria Mónaco, a minha Mãe dáva-nos dois escudos (um escudo para mim e um escudo para o meu irmão Rui), para irmos a pé (da Maianga à Avenida dos Combatentes) todas as semanas buscar o correio à estação postal dos Combatentes.
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O prédio do BCA (Banco Comercial de Angola) foi durante alguns anos o edifício mais alto de Luanda, e um ícone do progresso económico alcançado em Angola entre 1965 e 1974.
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Este percurso era longo e demorava mais de uma hora a fazer, pois tínhamos de subir a Rua Guilherme Capelo até ao fim e atravessar o Bairro do Café até à Igreja da Sagrada Família, depois íamos através do Hospital Militar, do Clube de Bowling, apanhar a Rua Sidónio Pais, atravessar o Liceu Dona Guiomar de Lencastre e a Escola Industrial, e finalmente tomar a Rua Dom João II (atravessando as ruas General Carmona, Coronel Artur de Paiva/Avenida Brasil, até à esquina com a Avenida dos Combatentes, onde se encontrava a dita estação dos correios.
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Praia das Palmeirinhas, ao longo da antiga estrada de Belas, a sul de Luanda
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Praias de Luanda
Com o meu Pai íamos de carro também à praia da Ilha da Chicala (antiga
Ilha da Cabeleira, situada em frente ao bairro da Praia do Bispo, uma língua de areia formada a partir do açoreamento das areias trazidas pelo Rio Cuanza), à
praia da Corimba, à praia das Palmeirinhas, à Ilha do Mussulo, e à Praia
de Cabo Ledo.
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Uma das muitas e belas praias na Ilha de Luanda, 1970
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Durante as férias de Março íamos com frequência à praia
da Floresta da Ilha, e à praia do São Jorge, e à praia da Ponta da Ilha,
mais tarde designada como a praia da Barracuda, onde se encontrava o restaurante do mesmo nome. Contudo, a praia mais popular era sem dúvida a da Contra-Costa, logo ao princípio da Ilha, do lado oposto ao Clube Náutico Nun'Álvares. Falando nesta praia, eu lembro-me que depois dos treinos de hóquei em patins no estádio da Ilha, nós íamos mergulhar (alguns nús) às onze horas da noite.
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Romaria de domingo para as praias da Ilha de Luanda, anos Cinquenta
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Apesar das boas praias na Ilha de Luanda, a praia mais desejada de Luanda era a Ilha do Mussulo, que se situava cerca de 30 km a sul de Luanda. A Ilha do Mussulo era uma ilha raza formada pelo açoreamento das areias trazidas pelo rio Quanza um pouco mais a sul, que juntamente com a Ilha da Cazanga oferecia praias idílicas. Não havia estrada directa para o Mussulo, pelo que se tinha que fazer uma travessia de barco de cerca de trinta minutos. As praias do Mussulo não eram tão concorridas pois eram de mais difícil acesso e mais caras quanto a transporte e comida.
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Domingo à tarde, Restaurante da Ponta do Mussulo, 1970s
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Já que acima falámos de transportes, lembro-me que o meu pai ao longo
do tempo teve vários carros: uma carrinha Ford F-35 de cor azul clara e caixa aberta,
na Damba, e em Luanda teve primeiro um Saab 96 (modelo 1958), um
Plymouth Fury (modelo 1959), um Renault Gordini (1962), e um Peugeot 203
(1962). Quando mudámos para Cabinda, ele tinha um Holden (1967, carro
fabricado pela General Motors na Austrália, com o volante à direita, um Jeep Willys amarelo (do tempo da Segunda Guerra Mundial, mas muito bem estimado), e um jeep Land Rover mais moderno de caixa
curta.
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O Peugeot 203, modelo 1958, igual ao do meu Pai
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As Linhas de Maximbombos de Luanda
Já
que mencionámos linhas de maximbombos (autocarros) havia quatro bases
principais: Mutamba, Largo Kinaxixe, Largo Dom Fernando, e Largo
Bressane Leite. As linhas que me lembro são as seguintes:
- Linha 1 ia da Mutamba ao Palácio do Governador
- Linha 2 para a Casa Branca
- Llinha 3 para a Maianga (bairro onde nós
morávamos)
- Linha 4 para o bairro de São Paulo
- Linha 5 para os bairros da Vila Clotilde e
CAOP
- Linha 6 já não me lembro para onde ia
- Linha 7 do Largo de Dom Fernando para o Hospital Maria Pia, Samba, e Praia do Bispo
- Linha 8 da mutamba para a Vila Alice
- Linha 9
do Largo de Dom Fernando para a Ilha
- Linha 10 atravessava a cidade
ligando a Alameda Príncipe Real (rua António Enes e Bairro Miramar) e o
Palácio
- Linha 11 ligava o Largo Bressane Leite ao porto de Luanda (através da
marginal)
- Linha 12 a Mutamba aos bairros perto do Cemitério Novo (de Santana, na
estrada de Catete)
- Linha 13 ligava o Largo Bressane Leite ao Hospital,
Samba, e Praia do Bispo
- Linha 14 ligava o Palácio ao Bairro do
Cruzeiro
- Linha 15 já não me lembro para onde ia
- Linha 16 ligava a Mutamba à Avenida
Brasil e Terra Nova
- Linha 17 ligava a Mutamba ao Bairro da Cuca
- Linha
18 ligava a Maianga ao Largo dos Lusíadas (Kinaxixe)
- Linha 19 já não me
lembro para onde ia
- Linha 20 ligava a Mutamba ao Bairro dos Quarteis (acima do
Bairro de Alvalade), e
- Linha 21 ligava o Largo Bressane Leite à Ilha do
Cabo.
Tendo em conta a sua população, Luanda tinha muitos taxis, estimados em 600 em 1960, que eram na sua grande maioria operados por colonos portugueses, pois desses 600 só três era operados por não brancos. Todos os taxis eram de cor preta (corpo) e cabine verde, sendo a grande maioria da marca Mercedes-Benz, com motor a gasóleo. Falando em combustíveis para carros, as marcas de gasolina mais estabelecidas eram a Fina (antigamente PetroFina), Sacor (Angol), Shell, e Mobil, a maioria das quais eram produzidas na refinaria da Petrangol, no Cacuaco.
Desde que me lembre houve sempre em Luanda um certo antagonismo entre africanos e chaufferes de taxi portugueses. De um modo geral, os taxistas brancos não gostavam receber clientes pretos pois receavam que tivessem que os levar para os musseques. A popular canção emblemática "Chauffer de Taxi" de Luis Visconde, criada por Xabanú, e imensamente popular em Luanda desse tempo é um bom exemplo disso. Pela sua relevância passo a transcrever os dois versos principais:
Mandei parar um carro de praça
Ansioso em ver meu amor
Chofer de praça então reclamou,
Quando eu lhe disse que o meu bem morava no subúrbio
"Tempo chuvoso no subúrbio não vou.
Pois sou chofer de praça e não barqueiro"
Então implorei: Peço senhor chofer leve-me por favor
Ela não tem culpa de morar no subúrbio
E quanto à chva, é obra da natureza"
Então o chofer dominado por mim
Na borracha puxou, atravessando a lagoa
Quando eu olhei para o relógio
E lhe pedindo que colasse o acelerador ao tapete.
Então o chifer trombudo respondeu:
Se você quer ver seu amor, atravesse a lagoa a pé.
Não vou partir meu pó-pó só porque você quer dar show".
Em termos de transportes Luanda era o términus da linha do caminho de ferro de Malange (antiga linha de Caminho de Ferro do Ambaca), sendo a estação ferroviária do Bungo localizada perto do porto, na área da Boavista. A linha de Malange começava em Luanda (estação do Bungo), e parava nas estações urbanas de Viana, Catete, Zenza do Itombe (que ligava ao ramal do Dondo 55 km), Salazar (Ndalatando), Lucala, Cacuso, e finalmente Malange, com um percurso total de cerca de 480 km.
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Postal da antiga Estação Ferroviária da Cidade Alta, na Maianga em 1906, com vista abaixo para a Rua Serpa Pinto e Bairro dos Ferreiras (Ingombotas à direita e Maianga à esquerda).
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Entre 1906 e 1951, através da iniciativa do famoso empresário Alexandre Peres, que também participou na criação da LAL (Luanda Água e Luz, companhia das águas, e da electrificação das ruas da baixa), mais tarde convertidos em Serviços Municipalizados de Água e Electricidade, Luanda teve a sua linha de combóio urbano - a linha da Cidade Alta - que ligava a Estação do Bungo e a área entre a antiga Maternidade Maria do Carmo Vieira Machado (actual Lucrécia Paim) e a Escola Industrial, atravessando a cidade com paragem nas estações da Quipaca, perto do antigo Colégio de São José de Cluny (actual Universidade Católica - de facto, a antiga Rua de Nossa Senhora da Muxima era anteriormente chamada Rua das Quipacas), estação do Carmo (à entrada do Bairro das Ingombotas), e estação da Cidade Alta (à entrada da Maianga). Daí a linha seguia abaixo do Bairro do Café (abaixo das Ruas Guilherme Capelo e Cabral Moncada) subindo sempre gradualmente em direcção ao antigo aeroporto Emílio de Carvalha (acima da Maternidade Maria do Carmo Vieira Machado e por detrás da igreja da Sagrada Família), até mais ou menos onde se situava o Hospital Militar.
Esta linha oferecia duas viagens diárias (uma de manhã cedo e outra à noitinha) e era muito usada pelos trabalhadores africanos que moravam na então periferia da cidade para os transportar para os seus locais de trabalho no centro e zona baixa da cida. A linha foi desactivada em 1951.
Eu lembro-me que quando ainda morava na Maianga, o prédio da antiga estação da Cidade Alta ainda lá estava (embora fechado e não usado) e que nos terrenos adjacentes, todos os anos durante cerca de dez dias havia a Feira da Maianga, com carroceis, cadeirinha voadoras, poço da morte, carrinhos de choque, e outras diversões que eram a delícia dos miúdos da Maianga.
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Largo da Mutamba em Luanda, 1964
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Em 1975, estimava-se que a população de Luanda era superior a meio milhão de pessoas (cerca de duzentos mil brancos e mestiços e cerca de trezentos mil africanos pretos). Luanda, como capital de uma colónia era uma cidade dualista: a cidade do colono e a cidade do africano. Em termos gerais, pode dizer-se que o branco viviam em bairros com ruas de asfalto e com todos os serviços municipais, e o preto vivia no muceque, sem quaisquer serviços mucipais.
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Bilhete de avião da DTA, 1970
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Hoteis, Restaurantes, e Buates de Luanda
Sendo a capital e a maior cidade de Angola, com o seu maior porto de passageiros, o maior aeroporto, e o términus da linha de caminho de ferro de Malange, Luanda tinha sempre muitos visitantes. Por norma, quem quizesse visitar Angola começa (e acabava) por Luanda. Do interior (do "mato", como nós dizíamos) vinham também muitos visitantes (famílias, fazendeiros, comerciantes, e funcionários), especialmente na durante as férias escolares de Março para gozar as boas praias. Depois de 1961, com o afluxo de milhares de militares portugueses, Luanda era o magneto que atraía os soldados em folga.
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Hotel Presidente, ao fundo da Avenida Marginal em Luanda, 1974
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Assim, Luanda tinha muitos hoteis. Os melhores e mais caros eram o Hotel Universo na Rua Eduardo Costa, o Hotel Continental ao fundo da Avenida dos Restauradores, o Hotel Presidente no largo em frente ao porto, o Hotel Trópico, o Hotel Costa do Sol a sul da Corimba, e o Hotel Panorama na Ilha de Luanda. O Hotel Império (no centro da Baixa) também era bom, mas operava como uma messe para oficiais superiores do exército.
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Decalque para bagagem do Grande Hotel Universo, Luanda, 1960s
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Haviam também muitos hoteis de 3 ou 4 estrelas, dos quais mais se destacam Hotel Turismo na Avenida dos Restauradores, o Hotel Paris e o Hotel Globo, o Hotel Avenida, o Hotel Atlantic, o Hotel Europa, o Hotel Luanda, o Hotel Luso, e o Hotel Atenas, todos na Baixa, e o Hotel Central à entrada do Bairro dos Coqueiros, perto da Rua dos Mercadores. Haviam ainda alguns hoteis residenciais bons sem serviço de refeições, dos quais o Hotel Tivoli, o Hotel Katekero, e o Hotel Dom João II eram os mais destacados. Luanda tinha também muitas pensões de preços mais em conta, das quais a Pensão Sirius, a Pensão Faias, a Pensão Setubalense, e a Pensão Majestic eram as mais conhecidas.
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A vetusta Pensão Sirius, na Avenida do Hospital, 1950s
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Para servir a populaçãolocal e os visitantes, Luanda tinha também muito (e bons) restaurantes. Estes podiam dividir-se em restaurantes chic, restaurantes e retiros de comida de fama, snack-bars, e restaurantes mais comuns.
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O Hotel Costa do Sol, na Corimba, 1973
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Os restaurantes mais chiques e mais caros eram os restaurantes dos melhores hoteis como o El Pátio do Hotel Universo, a Kaverna do Hotel Continental. Os outros bons restaurantes eram o restaurante do Clube Naval, o Belo Horizonte no Largo da Maianga (que fechou em 1967), o restaurante da Versailles no Largo da Portugália, e a Charcuterie Française, à entrada do Bairro do Cruzeiro.
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Em termos de comida de fama, quem quizesse comer bom marisco ia ao restaurante
Mar e Sol, ao
Tamariz, à Restinga, ou ao São Jorge (todos na Ilha). O Amazonas, na Avenida dos Restauradores, era conhecido pelo melhor caranguejo de Moçâmedes (Sapateira) em Luanda.
Quem preferisse comida regional luandense ia comer ao restaurante Mãe Preta. Quem preferisse comida regional portuguesa ia comer à Floresta, ao Escondidinho da Conduta, ou ao Vilela (no Bairro da Cuca), famoso pelo seu Bacalhau à Vilela, à Esplanada de Santo António ou ao Retiro da Mulemba, o Retiro Transmontano, ou a Estalagem do Leão.
Para quem quizesse uma refeiçaõ boa e serviço rápido, o restaurante tipo snack-bar era por norma a melhor escolha. Os snack-bars mais conhecidos em Luanda eram o Polo Norte, o Expresso, o Zero, a Portugália, a Kitanda (na Mutamba), o Rialto, o Pingão, e a Caçarola (na Avenida General Carmona), que servia o famoso frango na púcara.
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O famoso Bar América, na Rua de São Paulo, 1963
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A Pastelaria Paris, no centro da Baixa (em frente ao Hotel Império, na antiga Rua Governador Eduardo Costa) era o meu lugar predilecto para mata-bicho (pequeno almoço) pelos excelente galão e croissant com fiambre, quando eu estava destacado na Divisão de Combustíveis da Chefia de Serviços de Intendência em 1975.
Haviam muitas cervejarias com esplanada e serviço de refeições, e estes incluiam de facto o maior número de lugares para comer em Luanda. Entre os mais conhecidos, encontravam-se a Bracarense, a Mexicana, e o Planeta todos perto do Largo da Maianga, as cervejarias Baía, Arcádia, e Império na Marginal, a Flórida na Avenida General Carmona, a Mónaco na Avenida dos Combatentes, a Monte Carlo, a Picnic, e a Académica no Bairro do Café, a Chilena mais abaixo na Avenida Lisboa, a Suiça no Largo Serpa Pinto, o Bar América na Rua de São Paulo, a Suissa na Rua António Enes, e o Bar América na Rua de São Paulo. Na baixa, as cervejarias mais conhecidas (e mais antigas) eram as cervejarias Biker, Portugália, e Gelo, todas no coração da baixa na Rua Salvador Correia.
Até
aos fins da década de Cinquenta, a grande maioria dos empregados de
bares, restaurantes, e hoteis eram africanos, contudo com a grande onda
de imigração de portugueses da Metrópole depois da Segunda Guerra
Mundial, eles foram gradualmente substituídos por empregados brancos que em geral não eram tão bem qualificados.
Pode dizer-se que as esplanadas de Luanda eram uma das características que definiam a cidade. A pouca chuva e o calor atraíam as pessoas para fora dos bares. O que era mais agradável senão sentados confortavelmente à sombra de uma sombrinha e sob uma brisa amena, saboreando um café (bica) ou galão com bolos ou pasteis, ou uma cerveja bem fria com tremoços ou (para quando tínhamos dinheiro) um prato de marisco, ou mesmo um bom "prego no pão", em qualquer altura do ano?
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Famílias saboreando uma tarde amena na Esplanada Arcádia, na Avenida Marginal de Luanda, 1960s
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Para nós jovens, as esplanadas eram as nossas tertúlias onde regularmente nos encontrávamos com os nossos colegas e amigos. No meu caso, o ponto de encontro era por regra a Cervejaria e Pastelaria Bracarense, junto ao Largo da Maianga, mas também nos encontrávamos na Cervejaria Mexicana, que era bem perto, ou mesmo na Cervejaria Chilena, uma esplanada mais nova e muito aprazível que abriu na zona mais baixa da Avenida Lisboa, em frente ao "Hospital dos Malucos".
O melhor lugar para gelados era o Baleizão, na antiga praça Infante Dom Henrique, ao lado do Hotel Continental, operado pela família Aparício. O Baleizão era o lugar predilect para as crianças de Luanda, pois oferecia uma grande variedade de deliciosos sorvetes a preços razoáveis. O Baleizão tinha também uma esplanada virada para a Baía.
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Esplanada do Baleizão, onde serviam os mais deliciosos gelados de Luanda, 1965
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Haviam também em Luanda restaurantes para comensais, dos quais os mais conhecidos era o Restaurante Tonga, ao fundo do Bairro dos Ferreiras, e um outro que infelizmente não consigo lembrar do nome que era num primeiro andar em frente aos Serviços Geográficos e Cadastrais na Baixa, perto da 1ª esquadra da Polícia e da Livraria Lello.
Com tantos jovens locais, visitantes do mato e soldados a virem a Luanda, a cidade oferecia um número muito grande de lugares de diversão. Em geral, estes podiam-se classificar em dois tipos principais: buates de dança (do francês "boite"), e os Night-Clubs para encontrar companhia.
A vida noturna era relativamente activa com muitas boates (night-clubs)
muito concorridos por jovens, e alguns que atendiam a uma clientela mais
adulta. As boates mais populares para dançar à noite, e geralmente mais frequentadas pela juventude de Luanda, eram o Flamingo, a L'Etoile, Hotel Universo, Calhambeque, e Dom Quixote. Em termos de night-clubs, o Tamar e o Tamariz na Ilha de Luanda, o Dom Quixote, Choupal, Os Marialvas, Retiro da Saudade, eram também muito procurados pois ofereciam espectáculos de variedades.
Por fim, havia um grande número de lugares que eram mais frequentados por homens solitários à procura de conforto feminino, como o Rex, Bambi, Embaixador, Copacabana, Maxime, Estoril, Lorde, Cortiço, Coqueiro, Gôndola, Zorba, Acrópole, Xeque, Adão, Gruta, Gaivota, Cheik, El Chicote, e o Ngoma.
Breve Resenha Histórica de Luanda
Loanda (dos tempos do antigamente, ainda escrita com "o") foi durante a maior parte da sua história, uma povoação relativamente pequena, se bem que foi sempre o maior porto negreiro na costa ocidental de África. Da pequena povoação que começou na Ilha, Luanda foi evoluindo a pouco e pouco ao longo dos séculos.
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Plano da cidade de Luanda em 1816, com vista da Baía e edifícios principais
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A povoação de Luanda começou de facto na Ilha das Cabras (mais tarde chamada Ilha de Luanda), onde os habitantes originais (os pescadores Axiluanda) viviam há muitas gerações. Quando os primeiros residentes portugueses se estabeleceram na Ilha de Luanda na década de 1530, já lá residiam cerca de três mil axiluanda. Os axiluanda eram parte do povo ambundo e falavam kimbundo.
Porém, a Ilha das Cabras (mais tarde Ilha de Luanda) era então uma possessão do antigo Reino do Congo, pois era aí que se iam buscar os zimbos, um búzio pequeno único que só aí se podiam encontrar, e que era usado como moeda no reino do Congo, sob protecção directa do rei. Os zimbos eram colhidos na praia por mulheres axiluanda.
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Cubatas Axiluanda na Ilha do Cabo, Luanda, 1956 |
Os portugueses foram atraídos à Ilha das Cabras pelo condições magníficas do porto natural da baía de Luanda, não muito distante da foz do rios Quanza (a sul) e dos rios Bengo (Zenza) e Dande (a norte). Era por aqui que se escoava o tráfico muito activo de escravos para os engenhos de açúcar nas ilhas de São Tomé e Príncipe, operados por descendentes dos cristãos-novos (judeus) que tinham sido expulsos de Portugal pelo Rei Dom Manuel, através do seu édito de expulsão de judeus e mouros de território português de Dezembro de 1496.
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Paulo Dias de Novais (1510-1589), capitão donatário do reino de Angola e fundador de Luanda
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Em 1575, quando o seu fundador o donatário Capitão-General das Terras de Sebaste Paulo Dias de Novais chegou à baía de Luanda na sua segunda viagem às terras do Ngola, senhor do reino do Ndongo, já cerca de quarenta portugueses lá viviam do tráfico de escravos do Congo para a Ilha de São Tomé. Quando chegou à Ilha, Paulo Dias de Novais encontrou sete barcos negreiros ancorados na baía, e estabeleceu contacto imediato com o representante local do rei do Congo que o representava na exploração de zimbos (moeda corrente no Congo) na Ilha, e com o cura da igreja de Nossa Senhora da Conceição. Alguns dos portugueses residentes na Ilha das Cabras tinham fugido das terras do reino do Congo, devido às invasões dos Jagas (hordas guerreiras Imbangalas), que assolaram São Salvador do Congo (Mbanza Kongo) em 1568.
Paulo Dias de Novais não era estranho à região. Com efeito, ele tinha ancorado na foz do Cuanza na sua primeira viagem à região quinze anos antes, e passado cinco anos de cativeiro (1560-1565) como escravo na corte de Ngola Kiluanje, em Cabassa, capital do reino do Ndongo.
É muito provável que houvesse já uma aldeia nativa na baía de Luanda, e assim Paulo Dias de Novais mudou o conjunto da povoação das suas forças da Ilha para terra firme em Fevereiro de 1576 para ter acesso a água potável do poço da Maianga e da lagoa dos Elefantes e ao dispositivo de defesa que o então chamado Morro de São Paulo, mais tarde chamado Morro de São Miguel, oferecia ao destacamento português. De imediato, ele começou a construir um o pequeno forte de Nossa
Senhora da Guia, construído a taipa na base do Morro de São Miguel, onde pouco tempo
mais tarde se viria a construir a Fortaleza de São Miguel e a Igreja de São Sebastião, no mesmo morro.
Em breve a pequena feitoria de escravos começou a crescer a partir de dois polos principais: a Cidade Baixa e a Cidade Alta. A Cidade Baixa era a área onde os comerciantes, artesãos, e soldados viviam (povoação comercial), em duas áreas principais: os Coqueiros onde mais tarde as as famílias tradicionais mais importantes viviam em sobrados grandes, e a Baixa propriamente dita, lugar onde as casas comerciais e oficinas se concentravam.
A Cidade Alta era a área no plateau acima dos Coqueiros onde o governador e os altos funcionários, o bispo e o clero, e as altas patentes militares moravam (instituições de governo). A norte destas duas áreas encontravam-se as áreas das Ingombotas e do Maculusso (conhecido inicialmente como "cemitério dos pretos"), que eram as área onde a população indígena vivia e onde se encontravam os quintais e barracões onde se guardavam os escravos antes do seu embarque para o Brasil e para as Américas. Até à conclusão da construção da Igreja e do Convento de Nossa Senhora do Carmo em 1689, a população indígena das Ingombotas era servida pela Igreja de Nossa Senhora do Rosário, padroeira das confrarias e irmandades de africanos (escravos e libertos) no Brasil.
A Maianga, atrás e abaixo do antigo Convento de São José (no local onde mais tarde foi construído o Hospital Maria Pia) era também também um musseque antigo de Luanda, onde se situavam as duas cacimbas de água que abasteciam a Cidade Alta e a Cidade Baixa.
Para além destas áreas urbanas, Luanda era rodeada no interior, desde a Barra do Dande a norte até à Barra do Cuanza a sul, por muitas fazendas (arimos), hortas, e sobrados, onde se produziam a maioria dos alimentos necessários ao consumo na cidade, sendo as mais importantes as de Bem-Bem e Sequeli.
Em 1576 começa a construção da Igreja da Misericórdia, e da Sé Episcopal em 1583. Dez anos depois começa a construção da Igreja dos Jesuítas, e em 1604 do Convento de São José, situado ao cimo da Samba, no local onde mais tarde se viria a construir nos fins do século XIX o Hospital Maria Pia (actual Josina Machel).
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Antigo Brazão da Cidade de Luanda
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Em 1605, durante o primeiro governo de Manuel Cerveira Pereira (fundador de São Filipe de Benguela em 1617, nomeado Governador, Conquistador, e Povoador de Benguela), foi concedida à povoação a carta de foral de cidade que oficialmente se passou a chamar Cidade de São Paulo da Assunção de Luanda, sendo assim empossado pouco depois o primeiro senado da câmara. Em 1607 começa a construção do palácio do governador, onde mais tarde havia de funcionar o Tribunal da Relação de Luanda.
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Manuel
Cerveira Pereira, controverso fundador de São Filipe de Benguela (1617), e Governador e Capitão-General dos Reinos de Angola e
Benguela, não se sabe ao certo a data do seu nascimento, faleceu em
Luanda em 1626.
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Nota - Já que menciono aqui o nome de Manuel Cerveira Pereira, eu devo dizer que ele é uma figura controversa na história de Angola. Ele foi elogiado em tempos idos como grande herói de indomável coragem, estratégia militar superior, e até pelo seu humanismo cristão por alguns historiadores coloniais de reputação como Ralph Delgado e Gastão Sousa Dias.
Ao mesmo tempo, ele é também apontado como exemplo de uma pessoa de má índole que para amassar a sua máxima riqueza pessoal, ele não olhava a meios. Com efeito, ele mentiu aos reis da União Ibérica (Portugal e Espanha) sobre a existência de minas de cobre do Sumbe Ambela, a governantes, juízes, bispos, sobas, jagas, e muitos mais por outras razões. Ele traiu membros da sua família, amigos e companheiros de luta. Ele atacou, destruiu, e incendiou muitas aldeias indefesas; capturou milhares de escravos em razias não justificadas; roubou milhares de cabeças de gado; apoderou-se indevidamente de minas de sal, e matou com crueldade inúmeros inocentes, incluindo velhos, mulheres, e crianças.
De facto, Artur Pestana (Pepetela), no seu livro de ficção histórica "A Sul. O Sombreiro" Edições Dom Quixote, 2011, Alfragide, vai ao ponto de dizer que o capitão Manuel Cerveira Pereira "era na verdade um filho da puta", que ele não passava "de um bastardo de bode com galinha", e que ele passou os seus últimos dias em Luanda "rico como um nababo".
É evidente que Pepetela usa aqui um discurso um tanto radical na sua obra de ficção histórica, que acaba por não ajudar na isenção que esperamos da História. Contudo, ele dá uma achega importante à tarefa necessária de deconstrução de "herois" na história de Angola que nunca o mereceram ser chamados e admirados como tal.
Não obstante o que disse acima, não podemos esquecer que o comportamento de Manuel Cerveira Pereira era o de um homem do seu tempo, em linha com o que os outros pensavam e faziam. Decerto tivémos muitos exemplos como ele, e até podemos contar com os dedos da mão quantos não podemos acusar do mesmo comportamento. Enfim, atrás da glória das vitórias mais cantadas na História, encontramos sempre homens como Manuel Cerveira Pereira...
Em 1623, no tempo do governador João Correia de Sousa, foi fundado na Cidade Alta o Colégio dos Jesuítas,
o único na costa ocidental de África. No mesmo ano, são completadas as
remodelações do antigo edifício da Câmara, açougue e cadeia para
albergar o novo palácio do governador. A Fortaleza de São Miguel foi reconstruída em 1634 em moldes mais fortes e permanentes.
Com a união das corôas portuguesa e espanhola numa só em 1580 (a União
Ibérica, que havia de durar até 1640), especialmente depois da derrota
da Armada Invencível em 1588, Portugal perdeu muito do seu poder militar
e económico no quadro geo-estratégico mundial.
A República das Províncias Holandesas Unidas, que na altura lutava pela sua independência do jugo católico espanhol, reagiu à decisão do rei Filipe II de Espanha em 1581 de proibir o comércio espanhol (que incluia possessões portuguesas como o Brasil e Angola) com os portos holandeses, viraram-se para o comércio no Índico e na Insulíndia com a criação da Companhia Holandesa das Índias Orientais em 1602.Cinquenta anos mais tarde, em 1652, a Companhia Holandesa das Índias Orientais funda a Colónia do Cabo, como porto chave de abastecimento à navegação entre a Holanda e a Insulíndia.
Esta medida provou ser muito lucrativa no longo prazo, mas não conseguiu superar a perda eminente do avultado investimento holandês nos engenhos de açúcar na costa brasileira, pois a maior parte do capital investido pelos donos dos engenhos de açúcar (os cristãos novos que tinham deixado Portugal) era fornecido pelas Repúblicas Holandesas Unidas. Este receio levou os holandeses a criar a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais em 1621, com o monopólio por 24 anos e o intuito de retomar o comércio do açúcar no Nordeste do Brasil e do tráfico de escravos no Atlântico Sul e nas Antilhas. Este plano holandês de conquista do Atlântico Sul é conhecido como o Plano Groot Desseyn.
Assim, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais depressa aproveitou a fraqueza militar em que Portugal se encontrava depois da derrota da Armada Invencível em 1588 e avançou com um programa agressivo de conquista colonial que em poucos anos retirou da soberania portuguesa extensos e ricos territórios que incluiam feitorias na Insulíndia, na Índia, no Ceilão, no Brasil.
Este esforço militar começou com a tentativa não sucedida da conquista do porto do Rio de Janeiro pela esquadra de quatro navios e 248 homens comandados pelo almirante Olivier Van Noort em 1598.
Em Maio de 1624 os holandeses preparam uma esquadra de vinte e seis navios e mil e setecentos homens comandados pelo Almirante Jocob Willekens e atacam e conquistam a cidade de Salvador da Baía, então capital do Brasil Português, ao que a União Ibérica respondeu no ano seguinte (1625) com a poderosa armada de cinquenta e dois navios e cerca de doze mil homens comandados pelo Marquês de Villanueva de Valduesa, Dom Fradique de Toledo Osório, e do general da Armada da Costa de Portugal, Dom Manuel de Menezes, que derrotaram e expulsaram os holandeses da cidade de Salvador da Baía e restauraram a administração portuguesa.
Em 1630 os holandeses reorganizam-se e formam uma poderosa esquadra de sessenta e sete navios e cerca de sete mil homens sob o comando do Almirante Hendrick Lonck, e atacam as cidades de Olinda e Recife, 1630), que conquistam depois de fraca resistência dos portugueses. De imediato, os holandeses reforçam o contingente militar no Recife com um novo efectivo de seis mil homens para segurar as novas conquistas.
Em 1640, os holandeses atacam a Ilha de São Luís do Maranhão por uma expedição comandada por Jan Cornelisz Lichth e Hans Koinart.
Em breve os holandeses constataram que o fornecimento contínuo de
grandes quantidades de escravos africanos era essencial à sobrevivência e
progresso das suas novas colónias na costa brasileira e nas Antilhas,
conforme tinha dito o Padre António Vieira "Sem negros não há Pernambuco, e sem Angola não há negros".
Assim, em Agosto de 1641, os holandeses atacaram e
conquistaram Luanda com uma esquadra de 18 navios e 2.145 soldados sob o comando do Almirante Cornelius Jol (o temido corsário holandês "Perna-de-Pau"
que aterrorizou as Caraíbas e o Atlântico Sul, e que viria a morrer
três meses depois na conquista de São Tomé em 1641), sob instruções do Príncipe João Mauricio de Nassau-Siegen, governador-geral do Brasil holandês e director da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) no Recife.
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Dom Miguel de Castro, primo do Conde do Sonho, embaixador do Rei do Congo Dom Álvaro VI (Casa de Kinzala) à República das Províncias Holandesas Unidas, em Haia em 1643. A embaixada de Dom Miguel de Castro foi acompanhada por dois secretários: Dom Diogo Bamba e Dom Pedro Sunda, e viajou através do Brasil Holandês, onde teve uma audiência com o governador Príncipe Maurício de Nassau em Recife, em que se discutiu a expulsão dos portugueses do Congo.
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Além da conquista militar das feitorias na costa africana de Loango a Benguela, nesse tempo controlada pelos portugueses, a estratégia holandesa incluia uma vertente diplomática em trabalhar com os potentados africanos (reis de Loango, Cacongo, Ngoio, Congo, e Ndongo) no sentido de garantir destes o suporte necessário para eliminar a presença portuguesa da região. Com esse objectivo em mente, e sob a orientação do Príncipe Maurício de Nassau, então governador do Brasil Holandês, os holandeses firmaram tratados com alguns chefados locais, como a testa a embaixada mandada a Amsterdão em 1637 pelo Rei Dom Álvaro VI da casa de Kinzala, chefiada por Dom Miguel de Castro.
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Vista de S. Pauli de Loanda, nos anos de ocupação holandesa (1641-48), desenho de Olfert Dapper, 1680
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Com efeito, em 1643, no apogeu da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, ela dominava o Atlântico Sul com engenhos de açúcar na costa brasileira as praças de São Luís do Maranhão, Ceará, Paraíba, Recife (Mauritsstad, cidade capital), Penedo na foz do rio São Francisco, e Sergipe, e portos negreiros na costa africana de Goreia (Ilha de Palma), Axim, Elmina, Mouree, São Tomé, Loango, Cacongo, Malembo, Luanda e Benguela.
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Retrato do Príncipe João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679), notável Governador-Geral do Brasil Holandês (Recife / Mautitiópolis, 1637-1644)
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Resistência brasileira e angolana
Para fugir ao ataque holandês e preservar a soberania portuguesa na bacia do rio Cuanza, o governador Pedro César de Menezes e o bispo Dom Francisco Soveral e demais portugueses saídos de Luanda refugiaram-se temporariamente no interior da bacia do Cuanza, na Vila de Massangano, situada na confluência dos rios Cuanza e Lucala, e perto das praças de Muxima, Cambambe, onde supostamente se encontravam as famigeradas minas de prata, e Ambaca na confluência dos rios Lucala e Lutete. A soberania portuguesa foi restaurada em 1648 pela grande esquadra de quinze navios vinda do Rio de Janeiro, comandada por Salvador Correia de Sá e Benevides, almirante dos Mares do Sul e então governador e capitão-general da Capitania do Rio de Janeiro, que resultou na derrota e consequente expulsão dos holandeses de Luanda, Benguela, Cabinda, Molembo, e São Tomé e Príncipe, e na restauração do domínio português no Atlântico Sul.
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Salvador Correia de Sá e Benevides (1602-1688), Almirante dos Mares do Sul, Governador da Capitania do Rio de Janeiro, e Restaurador e Governador de Angola (1648-1651)
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A Ordem dos Padres Carmelitas chegaram a Luanda em 1659 a convite de Dona Luisa de Gusmão, regente de Portugal. Logo no ano a seguir, 1660, começaram as obras de construção da Igreja e Convento de Nossa Senhora do Carmo nas Ingombotas, nos arrabaldes de Luanda de então, e concluídas em 1689, com materiais doados pelo Governador brasileiro João Fernandes Vieira e por esmolas dos moradores.
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Fotografia antiga da Igreja e Convento de Nossa Senhora do Carmo, Luanda, ca. 1906
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Em 1684 a sede do Bispado do Congo, que até aí se encontrava em São Salvador, foi transferida definitivamente para Luanda e começou a construção da Ermida da Nazaré pelo governador brasileiro André Vidal de Negreiros. Luanda recebeu um grande impulso durante o tempo do governador Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho (1764-72), nomeado pelo Marquês de Pombal. Em 1765 foi construído o Terreiro Público (grande armazém para víveres secos) mesmo à entrada das antigas Portas do Mar, perto do antigo Baleizão; no ano seguinte o Forte de São Francisco do Penedo; em 1769 é estabelecida a Aula de Geometria e Fortificação; em 1770 é construído o edifício da Alfândega; e no ano seguinte começou a construção do Trem.
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Selo em memória do grande governador pombalino Dom Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho (1726-1780)
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Como um resultado das lutas liberais em Portugal, em 1834 a administração municipal passou do Senado da Câmara para a Câmara Municipal (em desenvolvimento)
Em 1889 foi inaugurada a ligação de água corrente do rio Bengo a Luanda.
Até meados do século XIX, a economia de Luanda foi desde o princípio
baseada no tráfico de escravos do interior, que eram trocados por
mercadorias mandadas para o interior por comerciantes de Luanda. Os
intermediários (chamados "aviados") eram por norma africanos
pretos ou mestiços que levavam as mercadorias para o interior para as
trocar por escravos de propriedade de senhores locais. Por sua vez, os
"aviados" faziam o uso de "pumbeiros" (pretos descalços) que
trocavam mercadorias nos mercados do interior (pumbos). Pouco ou nada se produzia em
Luanda, a não ser nos arimos periféricos, pelo que os demais bens de
consumo e de capital tinham de ser todos importados do Brasil ou de
Portugal.
Novos ventos sopraram em Luanda com a abolição do tráfico da escravatura no Atlântico Sul em 1836 e com a abertura do porto ao tráfico marítimo estrangeiro em 1844. Gradualmente, Luanda passa a ser sede de governo de uma colónia de exploração de produtos coloniais, à medida que o tráfico de escravos decrescia, como resultado da patrulha de navios britânicos e portugueses ao longo da costa de Angola.
Contudo, a transição de maior feitoria de escravos na costa ocidental de África por mais de três séculos para colónia de produção de produtos coloniais não foi nada fácil para Luanda. Com efeito, entre 1840 e 1860 Luanda passou por uma crise económica muito profunda em que os parcos lucros do comércio e da agricultura não se comparavam em nada aos antigos lucros chorudos do tráfico de escravos.
A população aumentou com o afluxo de escravos que já não saíam de Angola, mas a economia contraíu-se marcadamente. Muitas famílias de mercadores de escravos deixaram Luanda, e poucos portugueses vieram para a Colónia (a maioria degredados), militares, funcionários públicos, fazendeiros, e comerciantes, transformando aos poucos a pacata Loanda em cidade capital da colónia que então se ia formando.
A Nova sociedade Luandense
O Boletim Oficial de Angola começõu a publicar-se oficialmente em 1845, como o primeiro órgão de imprensa em Angola, durante o governo de liberal de Pedro Alexandrino da Cunha.
Em 1865 o Banco Nacional Ultramarino abriu a sua agência em Luanda, e em 1889 o Caminho de Ferro do Ambaca estabeleceu ligações regulares com o hinterland do Ambaca (Cuanza Norte) e Malange. Em 1857 é fundado o antigo Observatório João Capelo, e em 1883 começa a operar o Hospital Maria Pia (hoje Josina Machel).
Bairros e Musseques de Luanda
Evolução urbana história económica de Luanda
Bairros e Musseques - classes sociais
Reinóis, Moradores, Mulatos, Pretos forros (livres), e escravos (domésticos, de ganho, ou em trânsito)
Por ordem cronológica, os bairros mais antigos de Luanda eram a Baixa, a Cidade Alta, as Ingombotas, o Maculusso, e a Maianga. Com o tempo e com a expansão gradual de Luanda ao longo dos séculos, e tendo em conta a geografia e a economia da cidade, antigos bairros e muceques desapareceram para dar lugar a novos bairros, num processo de renovação contínua.
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Monumento do Canhão no antigo Largo Luis Lopes de Sequeira, perto do Clube Atlético de Luanda, antiga Avenida dos Restauradores de Angola, à entrada do Bairro dos Coqueiros, 1970
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Duma forma geral, pode dizer-se que a expansão urbana de Luanda ocorreu da beira-mar para o interior e da baixa para o planalto adjacente, e só mais recentemente (depois de 1945) é que Luanda se começou a estender para sul (Corimba e Belas), e para norte (Cacuaco).
Já na década de 1970 Luanda era muito maior e tinha muitos
bairros, a saber e listando os mais antigos primeiro: Ilha, Baixa,
Coqueiros, Cidade Alta, Casuno, Praia do Bispo, Ingombotas, Maculusso,
Maianga, Boavista, Bungo, Bairro Operário, São Paulo, Bairro do
Cruzeiro, Samba, Bairro Azul, Bairro dos Ferreiras (único bairro que tinha as ruas calcetadas de pedra), Bairro do Café, Vila
Clotilde, Vila Alice (cujas ruas tinham nomes de poetas portugueses), Bairro do Saneamento perto e atrás da Igreja de Jesus, Miramar no plateau acima do eixo viário, Bairro da CAOP (Companhia da África Ocidental Portuguesa) entre as avenidas Paiva Couceiro e dos Combatentes,
Bairro Madam Berman perto da Terra Nova, Bairro do Prenda entre o Aeroporto e a Samba, Bairro de Alvalade acima e a norte da Maianga, Corimba ao longo pa praia do mesmo nome,
Belas já perto da praia das Palmeirinhas, Bairro da Cuca, Bairro da Precol, Samba Pequena, Samba Grande, Bairro Sarmento
Rodrigues, Terra Nova, Bairro Popular #1 e #2, Bairro Indígena, Bairro
da Mabor, Bairro Salazar, e Bairro Rebocho Vaz.
Como
na maioria das cidades com história, alguns bairros de Luanda tinham a
sua própria personalidade manifestada por um bairrismo único. Esta personalidade era por norma conferida pela actividade
or função principal dos residentes de cada bairro, pela sua história e
pergaminhos, e pela posição dos seus residentes na pirâmide económica e
social de Luanda. Em alguns bairros, a presença de clubes desportivos ou
associações recreativas dinamizavam ainda mais a afirmação da
personalidade do bairro.
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A velhinha Rua dos Mercadores, talvez a rua mais antiga de Luanda, atrás do antigo Hotel Central, 1960s
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Assim,
a Baixa era a pincipal zona comercial da cidade, indo do Baleizão até
ao Porto em dois eixos -Avenida dos Restauradores e Rua Salvador
Correia, e Avenida Marginal, e da baía até ao sopé do plateau, onde se
encontravam as maiores lojas, bancos, stands de automóveis, escritórios,
repartições públicas, restaurantes e hoteis. Contudo, a Baixa tinha
muitos residentes nos muitos prédios altos de vários andares.
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Edifício da antiga Associação Comercial de Angola, na Baixa de Luanda
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O
bairro dos Coqueiros, talvez o bairro mis antigo de Luanda, era próximo da Baixa e dominado pela influência de
três clubes desportivos e pelo estádio dos Coqueiros - O Sporting Clube
de Luanda, associado com o Sporting Clube de Portugal (de Lisboa), o
Clube Atlético de Luanda constituído principalmente por angolanos
oriundos de famílias antigas, e o Futebol Clube de Luanda, associado ao
Futebol Clube do Porto, e ainda pelo Clube de Ténis de Luanda. O Bairro dos
Coqueiros tinha um sentimento forte de bairro, pois era lá que residiam muitas das
famílias antigas de Luanda com seus filhos e netos. A fábrica da Pepsi-Cola, a delegação da Diamang, o Hotel Central, a sede dos SMAE (Serviços Municipalizados de Água e Electricidade), e a Rua dos Mercadores (a rua mais antiga de Luanda) eram polos de actividade no Bairro dos Coqueiros.
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O Bairro dos Coqueiros na recuada década de 1940
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Alguns
dos bairros mais exclusivos de Luanda estavam na área do Beco do Balão e
o Bairro de Saneamento onde as famílias dos membros do governo e altos
funcionários viviam. Era aqui que se encontravam também algumas
repartições civis, militares, e eclesiásticas (Palácio do Governador,
Qartel General do Exército, Imprensa Nacional, Arquivo de Identificação,
Paço Episcopal, Observatório Metereológico, residência do Governador do
Banco de Angola, Consulado Britânico, algumas Secretarias provinciais,
Depósito Base de Intendência, Asilo Dom Pedro V, e Igreja de Jesus. Era
típico verem-se nesta área carros de cor preta do estado com chauffers
privativos transportando esses funcionários e suas famílias.
O bairro do
Saneamento, todo constituído por vivendas do estado construídas na
décadas de Cinquenta e Sessenta era o bairro mais calmo e com menos
trânsito de Luanda.
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Um aspecto do antigo Bairro do Saneamento, nas traseiras do Palácio do Governador, 1950s
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No
lado oposto da cidade, o Bairro Miramar era também muito rico e
exclusivo, com residências modernas e grandes com jardins muito grandes e
muito bem cuidados. Era na Avenida Almirante João Azevedo Coutinho, uma
das ruas mais cénicas de Luanda, que se encontravam as maiores e mais
luxuosas mansões com vistas maravilhosas da baía de Luanda.
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A
mansão do Representante em Luanda da Companhia dos
Diamantes de Angola (Diamang) logo após ter sido construída no Bairro
Miramar em 1955
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Era neste
bairro que havia um quarteirão de casas de funcionários superiores da
Diamang, das quais se destacava a mansão do representante da companhia em Luanda. A maioria das casas do Bairro Miramar eram mais modernas,
construídas durante o ciclo do café (1945-1960). Era neste bairro também
que residiam a maioria dos oficiais estrangeiros dos diferentes países
que tinham consulado em Luanda. O cemitério do Alto das Cruzes, à
entrada do Bairro Miramar, a Casa de Saúde de Luanda, o Cine-Esplanada
Miramar, e o Clube de Caçadores de Angola eram os principais polos de
atracção do Bairro Miramar.
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O Cemitério do Alto das Cruzes, estabelecido na década de 1880s, à entrada do Bairro Miramar e do Bairro do Cruzeiro, 1960s
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Para atraír e reter bons funcionários públicos em Angola, o governo provincial durante as décadas de Cinquenta e Sessenta construiu vários bairros de funcionários através da cidade de Luanda, dos quais mais se destacam o Bairro do Saneamento, o Bairro do Cruzeiro, o Bairro da Praia do Bispo, o Bairro da Vila Alice, e os Bairros Populares Nº 1 e Nº2.
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Aspecto de um bairro com casas para funcionários do estado em Luanda, 1950s
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Não
se pode dizer que havia um espírito de bairro em cada um dos três
bairros descritos acima, pois haviam poucas famílias com filhos jovens a
morar neles, e as pessoas que viviam neles (muito deles estrangeiros)
não participavam activamente na vida da cidade, a não ser nos escalões
mais altos e reservados da alta sociedade luandense.
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Antiga Casa de Saúde de Luanda, onde a minha irmã Dilar nasceu em 1952, na antiga Rua António Enes, entre o Bairro dos Cruzeiro e o Bairro Miramar
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O
Bairro do Cruzeiro, do mesmo estilo do Bairro de Saneamento era formado
por uma secção de moradias do estado (de estilo Estado Novo) para
funcionários superiores, e outra de residências de dois andares para
famílias de posses. Era também um bairro muito calmo.
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Largo do Cruzeiro, no Bairro do Cruzeiro um dos bairros mais sossegados de Luanda 1950-75
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O
Bairro de Alvalade, acima da Maianga, era o outro bairro onde viviam
famílias com muitas posses. Contudo, era um bairro mais moderno,
construído entre 1960 e 1975, com muitas famílias jovens, com alta
educação, vivendo em muitos casos em casas geminadas. Era onde viviam os
"meninos e meninas de bem" ou "sanguitos" como nós dizíamos.
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Uma vista do Bairro de Alvalade na década de 1960s
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O Cine-esplanada Aviz e a
piscina olímpica. Já havia um pouco mais de vida no Bairro de Alvalade,
pois já haviam muitos jovens.
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A Piscina Olímpica no Bairro de Alvalade, 1969
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O Bairro do Café, construído também durante o ciclo do café, limitado
pelo Liceu Salvador Correia, a Igreja da Sagrada Família e o Hospital
Militar, e o Bairro do Maculusso, tinha ruas largas e arborizadas em
quadrado com muitas residências espaçosas de dois andares onde viviam
muitas famílias com filhos. Era no Bairro do Café que se encontravam as
instalações do Sport Luanda e Benfica, do Rádio Clube de Angola, da
Associação dos Naturais de Angola (Anagola), e do cine-dancing Tropical,
e por essas razões, o Bairro do Café tinha um grande sentimento
bairrista. Este sentimento era cimentado pelos muitos cafés e esplanadas
que tinha, onde a malta nova se encontrava todos os dias. No Bairro do
Café viviam famílias da "classe média", mas ainda acima da média de
riqueza "desafogada".
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Vista parcial do Bairro do Café na década de 1950s
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Logo
adjacente encontravam-se os bairros da Vila Clotilde e do Maculusso,
que eram mais um bairro comum do que dois bairros separados. A vida
nesses bairros andava à volta do Futebol Clube Vila Clotilde, da Liga
Nacional Africana, e da sede do Instituto de Investigação Científica.
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Quotidiano no Bairro do Café, Livraria S. Luiz, 1959
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Mais
para cima ficava o Bairro da Vila Alice, com moradias mais modernas e
espaçadas, onde também residiam muitas famílias com filhos. A vida na
Vila Alice centrava-se à volta da Escola Industrial de Luanda e do Liceu
Feminino Dona Guiomar de Lencastre, desempenhando ainda um papel
relevante a Fábrica de Tabacos Ultramarina, a Fábrica de Borracha
"Macambira", o Cine-esplanada Império, e nos anos Setenta, o
Supermercado Jumbo.
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Casas de funcionários do Estado no Bairro da Vila Alice, 1950s
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Abaixo
do Bairro do Café na encosta das antigas barrocas encontrava-se o
Bairro das Ingombotas. Este era um bairro um pouco mais antigo e com
mais história e construído antes do ciclo do café e mais denso, se bem
que com muitas residências construídas durante o ciclo do café. No
Bairro das Ingombotas viviam famílias (africanas e portuguesas) grandes,
de geralmente menores posses, mas antigas, o que resultava num
bairrismo mais fincado.
Bairros dos Ferreiras
Praia do Bispo
Maianga
Samba
Bungo
São Paulo
O crescimento acelerado de Luanda entre 1961 e 1975 deu lugar a que o processo de urbanização da cidade não pudesse acompanhar o passo da procura de construções novas. Assim, começaram a aparecer alguns bairros novos em que as casas eram na maioria obras em transgressão (não devidamente autorizados pela Câmara Municipal), sem o suporte próprio de abastecimento de água e electricidade, recolha de lixo, entrega de correio, e cobertura de protecção de bombeiros. Estes bairros incluiam entre outros o Bairros da Corimba, o Bairro Salazar, o Bairro Prenda, e o Bairro da Samba Grande, todos a sul de Luanda
Como muitas outras cidades no mundo, a riqueza não era distribuída numa forma equitativa em Luanda, criando um fosso muito grande entre os mais ricos (os brancos) e os mais pobres (africanos), assim Luanda tinha os seus bairros pobres que eram chamados musseques, como Lisboa tinha os seus bairros de lata, Paris os seus bidonvilles, Rio de Janeiro as suas favelas, Buenos Aires as suas villas de miséria, Lourenço Marques os seus bairros de caniço, e Calcutá os seus bustees.
Os musseques em Luanda tiveram sempre na sua origem duas forças urbanas de pressão muito forte: a expansão sempre crescente da cidade "branca" e afluxo contínuo de populações rurais, que fugiam da pobreza e do atraso do interior e procuravam em Luanda melhores oportunidades de vida. Nesse processo de expansão urbana baseada na ocupação de terras de musseques, muitos musseques se formaram e mais tarde desapareceram, com é o caso do Musseque Braga, que até à década de Cinquenta existia acima da Maiainga e deu lugar ao Bairro do Café.
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Vista do Bairro das Ingombotas em Luanda, 1910s
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Os musseques, palavra derivada do kimbundo mu (onde) + seke
(areia), situavam-se por norma na periferia, e todos os bairros de
Luanda se construiram "empurrando" os musseques sempre para a periferia
cada vez mais afastada do centro da cidade.
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Uma rua do Musseque Sambizanga, 1950s
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Como exemplo, durante alguns séculos os terrenos que vieram dar origem aos bairros das Ingombotas e Maculusso, eram de facto musseques, onde se encontravam os quintais dos escravos durante os trezentos e cinquenta anos de escravatura. Este processo de crescimento urbano de "empurrar" os musseques para a periferia mais afastada ocorria sem qualquer reconhecimento ou indeminização dos residentes tradicionais africanos pelo uso da terra por parte dos novos "proprietários".
Manuel da Costa Lobo, na sua preciosa obra "Subsidios Para a História de Luanda",
edição do autor, Lisboa, 1967, descreve brevemente os bairros de Luanda
antiga, que pela sua importância, passo a transcrever (de direcção
norte para sul) com adaptações para reflectir locais actuais:
Bairro das Quipacas - onde está situada a estação (ferroviária) da Cidade Baixa
Nazaré - Onde está a Ermida (de Nossa Senhora) da Nazaré
Bungo - Desde Nazaré até à Kaponta (onde se encontra o actual edifício do Banco Nacional de Angola)
Kaponta - onde estava situado o antigo mercado municipal
Katomba - onde foi a antigo Largo de António de Oliveira Cadornega (que ainda não sei onde era)
Mutamba - Actual Largo da Mutamba
Mazuika - nas trazeiras da Igreja do Carmo
Kafako
- área em frente à Universidade Católica (antigo Colégio de das Irmãs
de São José de Cluny), incluindo os terrenos adjacentes ao antigo Museu
de Angola e da Missão Metodista até à Rua Luis de Camões, abaixo do
antigo Mercado do Kinaxixe.
Maculusso
- Situado no actual bairro do mesmo nome. Maculusso é um termo kimbundo
que significa cruzes. Era o lugar onde antigamente se enterravam os
indígenas e se punham cruzes sepulcrais.
Ingombotas - Localizado no bairro do mesmo nome
Sangandombe
- Onde é hoje o Bairro dos Ferreiras - por detrás do edificio das Obras
Públicas (em frente ao antigo Cinema Restauração) e onde, antigamente
viviam os indígenas oleiros que fabricavam bilhas de barro preto.
Quibando - Local onde está agora o antigo Cine-Teatro Nacional
Katari - Onde é actualmente o Largo do Pelourinho. Em quimbundo Katari quer dizer lugar de suplício.
Remédios - nas imediações da actual Igeja de Nossa Senhora dos Remédios
Quitanda
- Local onde se situava a antiga Quitanda-Grande, defronte do actual
Largo Luis Lopes de Sequeira, junto à actual Avenida Nzinga Mbande
Coqueiros - Localizado no actual bairro do mesmo nome
Terreiro - Onde hoje fica o Largo Infante Dom Henrique
S. Miguel - nas proximidades da Fortaleza de S. Miguel
Misericórdia - nas imediações da antiga Igreja de Nossa Senhora da Conceição
Maianga - Localizado no bairro do mesmo nome, atrás do Hospital.
Luanda era rodeada de musseques em 1975, sendo os principais Cazenga, Lixeira, Catambor, Mota, Rangel, Marçal, Sambizanga, Cemitério Novo, Bananeira, Zangado, Palanca, Golfe, Calemba, Cidadela, Caputo, e Adriano Moreira, onde viviam mais de duzentas mil pessoas.
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Pescador Axiluanda em trajo tradicional, Luanda, 1960s
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Apesar de não serem chamados musseques, na orla litoral havia alguns bairros onde predominavam comunidades de pescadores axiluanda, como a aldeia de Nossa Senhora do Cabo (na Ilha de Luanda), Samba Grande e Samba Pequena, e já nos anos Sessenta, a Ilha da Chicala, que mantinham as suas tradições e identidade própria, e não eram tanto reservas de mão-de-obra para a cidade do asfalto como os outros musseques o eram.
Se bem que a maioria da população dos musseques eram luandinos, em cada musseque podiam encontrar-se núcleos (vizinhanças) de residentes oriundos das mesmas áreas rurais de Angola que viviam em comunidades com afinidades étnicas, geralmente dos de distritos ou áreas rurais adjacentes a Luanda, como Icolo-e-Bengo, Catete, Caxito, Quibala, Libolo, Malange, Dembos, Bailundo, e até Cabo Verde. Isto devia-se ao facto de geralmente nos primeiros tempos, o imigrante (geralmente o homem) de uma área rural procurar juntar-se a parentes e conterrâneos para mais facilmente poder receber o apoio social que precisava no novo mundo urbano.
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Um musseque de Luanda, 1970s
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A casa típica (cubata) num musseque era feita de pau-a-pique (paus entrelaçados) coberta a barro ou madeira com telhado de zinco ou outros materiais e chão de terra ou de cimento. Na maioria dos casos a casa era construída pelo própria família, com um ou dois quartos, sala de jantar, e em menos casos, cozinha e sala de visitas, e um pequeno quintal. A maioria das casas não tinham casa de banho. Esta era por norma numa pequena dependência anexa com uma selha para higiene e lavagem pessoal A latrina era por norma um buraco no quintal com um assento de cimento ou de madeira, a que chamavam fossa seca. O quintal era vedado com aduelas de barril, tábuas de caixote, placas de madeira, chapas de aluminio, ou placas de cartão.
A grande maioria das casas nos musseques não tinha água canalizada, sendo esta somente disponível em fontanários e chafarizes públicos fornecidos pelas autoridades municipais. A falta de água canalizada representava um grande desafio para as familias, pois para abastecer a casa de água, as mulheres e crianças tinham de ficar em bichas longas de várias horas para conseguir cinco ou dez litros de água para casa, o que levava muitas familias a comprar água directamente ao comerciante mais próximo.
A densidade da população nos musseques era muito elevada, sendo as ruas, ou melhor vielas, de terra batida e de traçado e largura muito irregular, sem sistema de esgotos para esvaziamento das águas da chuva, o que causava grandes problemas na estação das chuvas. Por norma, as casas nos musseques não tinham acesso a energia eléctrica.
Outro grande problema de sanidade era a falta de recolha de lixo pelas
autoridades municipais, o que levava os residentes a disporem dos
resíduos de lixo em certas áreas da vizinhança, o que devido à sua
acumulação, representava uma fonte de doença para todos na comunidade.
Não era de admirar que tais condições de saúde pública tão precárias nos musseques atraíssem tantas epidemias. Com efeito, o paludismo (malária) era endémico, e outras epidemias de tifo, paralisia infantil (polio), febre amarela, e cólera grassaram Luanda repetidas vezes, causando elevado número de vítimas, especialmente entre velhos e crianças.
Para complicar as condições de pobreza, não havia escolas nos musseques de Luanda, deixando a maioria das crianças e famílias presas a essa malha de pobreza crónica.
Desde os meados da década de Cinquenta até ao 25 de Abril de 1974 que as populações dos musseques em Luanda eram assoladas constantemente por rusgas violentas conduzidas pela PSP (Polícia de Segurança Pública) e pela PIDE, com o objectivo de prender pessoas que não tivessem documentos (Caderneta Indígena), pessoas nativas que parecessem suspeitas de serem simpatizantes dos grupos nacionalistas, membros activamente envolvidos nos movimentos de libertação, reprimir vadios, ladrões ou receptores de artigos roubados, desertores e criminosos.
O Administrador de bairro Poeira ficou famoso na memória social de Luanda pela dureza com que efectuava as rusgas nos musseques feitas com a ajuda de cipaios, que instauraram um verdadeiro regime de terror nos musseques de Luanda na primeira metade da década de Cinquenta.
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A famigerada Caderneta Indígena, cujo porte era obrigatório para pessoas indígenas não assimiladas em Angola até Junho de 1961. Quem não fosse acompanhado da sua Caderneta Indígena era sumáriamente preso pela Polícia e muitas vezes espancado.
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O
Bairro Operário, ou simplesmente B.O. como era popularmente conhecido, não era ao mesmo tempo um bairro convencional nem
um musseque típico. As suas ruas eram de traçado direito e largas, e em quarteirões em quadrícula. As casas eram de traçado convencional eram feitas
de adobe em estrutura de madeira, com telhado a zinco e pequeno quintal.
Contudo, o Bairro Operário não tinha água canalizada nem electricidade,e as ruas não eram
asfaltadas nem tinham iluminação pública.
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Casa onde viveu durante os 1940s a família do Dr. Agostinho Neto no Bairro Operário em Luanda, quando ele frequentou o Liceu Salvador Correia
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O Bairro Operário foi um bairro construído nas duas primeiras dédadas do Séc. XX para albergar trabalhadores africanos empregados na construção da estação de tratamento de água e da electrificação de Luanda. Com o fim destes dois grandes projectos, muitas famílias de empregados mudaram-se para outras áreas e o Bairro Operário começou a receber muitas famílias africanas que se tinham mudado do Bairro das Ingombotas a partir de 1920, devido não só à pressão da expansão da cidade do asfalto, como também ao crescente empobrecimento das famílias tradicionais africanas (negras e mestiças) que entretanto passaram a perder com a concorrência de maior número de colonos portugueses brancos para a maioria dos empregos tradicionais, que passaram a ser preferidos pelo governo colonial e pela sociedade luandense.
É de lembrar aqui que até ao governo de Norton de Matos (1920) as famílias crioulas de Luanda constituíam de facto uma elite social devido aos seus níveis mais elevados de riqueza e educação, comparados com a maioria da população africana e ocupando uma posição económica e social de relevo em relação aos degredados, colonos, e soldados portugueses analfabetos.
Com a chegada a Luanda de um número crescente de soldados portugueses a partir de 1961 e até 1974, a prostituição de raparigas de familias pobres africanas aumentou muito. Este problema era particularmente agudo em alguns musseques, como o Bairro Operário (o famoso BO), que passaram a ser conhecidos mais como bairros de prostituição do que propriamente área residenciais tradicionais.
Contudo, a prostituição não se limitava aos musseques, pois haviam em Luanda muitos clubes noturnos e alguns bordeis, que não atendiam só às necessidades de serviços de sexo. Já que estamos neste tópico, eu lembro-me que havia uma prostituta muito cara em Luanda muito famosa, a Marabunta, que servia apenas clientes (fazendeiros do mato) com muito dinheiro. Ela morava na Avenida dos Combatentes e tinha um carro descapotável Chevrolet Corvette muito vistoso de cor vermelha muito conhecido em Luanda.
Entre 1961 e 1974 Luanda cresceu muito como cidade. Não só prédios novos apareceram em todo o lado, como muitos bairros novos construídos, cada vez mais longe do centro da cidade. Contudo, é de de notar, que de uma forma geral, as moradias individuais da década de Cinquenta deram lugar a prédios de apartamentos nas décadas de Sessenta e Setenta, podendo dizer-se que Luanda estava a crescer mais "para cima" do que espalhar-se para os lados. Muitos dos prédios residenciais foram construídos por duas cooperativas de habitação - "O Nosso Abrigo" e "O Lar do Namibe".
14. Bairro da Maianga
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Vista do Bairro da Maianga em 1970. A Rua 28 de Maio (Karipande) é a rua arborizada à esquerda
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Nos anos da década de Sessenta, o
Bairro da Maianga era um bairro de famílias europeis e africanas relativamente pobres e
remediadas mas de grandes pergaminhos em Luanda. Os primeiros registos históricos sobre a área da Maianga remontam ao tempo do Governador Manuel Cerveira Pereira em 1607. Se bem que um dos bairros mais antigos de Luanda, o bairro da Maianga começou a urbanizar-se somente na década de 1930, e tinha à sua volta um
número de bairros que se fundaram mais tarde em que as famílias tinham muito mais posses - Bairro
do Café, Bairro de Alvalade, Cidade Alta, Samba) e menos posses (Catambor e Prenda), mas nenhum deles tinham as tradições da Maianga.
Atrás de onde
vivíamos havia uma Zona Verde muito grande e muito arborizada ao longo
do Rio Seco, que funcionava como um pulmão verde entre os bairros do
Café (ruas Guilherme Capelo, actual Rua Kwame Nkrumah) e Rua Cabral Moncada
(actual Rua Eduardo Mondlane), Maianga (Rua 28 de Maio, actual Rua Karipande) e perímetro abaixo do Bairro de Alvalade.
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O antigo Hospital Maria Pia em Luanda, onde Henrique de Carvalho serviu como capataz de obras (1865-1883) no local do antigo Convento de São José, ao cimo da Samba
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Era na encosta da Maianga, que separava a área baixa de Luanda do plateau acima dos bairro de Alvalade e Prenda (o plateau onde se situa o Aeroporto de Luanda) que se situavam em tempos passados duas das três famosas e históricas cacimbas (poço/fonte de água), a saber, a Maianga do Rei, a Maianga do Povo, e a Lagoa dos Elefantes. De facto, o
termo "Maianga" tem origem no termo Kimbundo "Muazanga / Mayanga", o que
significa lagoa (lençol de água / lagoa / charco criado pela água da chuva).
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A antiga Maianga do Rei
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A mais antiga cacimba pública (maianga) de Luanda foi a Maianga do Rei, que foi estabelecida pelo Governador Manuel Cerveira Pereira, quando governou Angola entre 1603-07 na encosta do Prenda (a oeste da antiga Avenida Lisboa) para fornecer água aos moradores portugueses da Cidade Alta de Luanda, e para servir o antigo Convento de São José, onde mais
tarde se veio a construir o Hospital Maria Pia (actual Hospital Josefina Machel),
no alto da Samba.
A segunda cacimba, a Maianga do Povo, foi criada pelo Governador Salvador Correia de Sá e Benevides, quando ele governou Angola entre 1648 e 1651, situada no museque do Catambor já perto da Samba, mais acima
na antiga Avenida António Barroso (hoje Avenida Marien Ngouabi, acima do Supermerado Martal (Martins
& Almeida, ou mesmo Almeida das Vacas de antigamente).
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A antiga Maianga do Povo, restaurada em 1949
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O excesso de água das duas maiangas (do Rei e do Povo) corria para a Lagoa dos Elefantes, já situada na Samba ao longo do percurso do que viria a ser mais tarde a parte mais baixa do Rio Seco.
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Uma fotografia mais antiga da "Mayenga do Povo"
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Infelizmente, quando nós lá vivemos
nos anos Sessenta, as cacimbas da Maianga já não funcionavam, pois tinham sido desactivadas em 1948 e designadas como património histórico em 1949, como resultado do fervor à volta das celebrações do Tricentenário da Restauração de Angola em 1948.
Mais tarde, já depois da Independência, ambos os monumentos foram esquecidos e foram eventualmente absorvidos pela expansão urbana e parcialmente destruídos, dos quais infelizmente restam
apenas alguns vestígios, conforme a figura abaixo.
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Vestígios da Maianga do Povo, agora absorvida pela expansão urbana e não defendida como património histórico de Luanda
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A terceira cacimba foi a Lagoa do Quinaxixe, estabelecida pelos padres
Carmelitas Descalços em 1670, acima dado Convento e Igreja do Carmo, que fornecia
água aos residentes das Ingombotas e Maculusso de então. Foi no bairro das Ingombotas que se estabeleceram os primeiros muceques de Luanda e os grandes quintais onde se guardavam os escravos. Mais acima, já no plateau, encontrava-se o grande cemitério de escravos do Maculusso (das Cruzes - Ma Culusses).
Já que nestamos no tópico de abastecimento de água a Luanda de outros tempos, cabe referir que a maior parte da água usada pelos residentes da Baixa de Luanda vinha do Rio Bengo, a cerca de vinte quilómetros norte, que era trazida até à cidade em barris grandes e puxada a bois ou por escravos.
Quando
eu morei no bairro da Maianga, havia um outro poço privado de água (não para consumo público da população, pois em tempos idos se vendia água ao barril), que se situava logo
abaixo do Largo da Maianga, no princípio da antiga
Avenida António Barroso, não muito longe de onde era a antiga estação
dos Correios, no local da antiga Horta do Raposo (também já
inexistente), onde eu um dia encontrei um lagarto muito grande (com mais de um metro de comprimento) morto no terreno,
mais do tamanho de um iguana que um lagarto normal.
Universo de Amigos e Vizinhos na Maianga
Nós morávamos numa casa à entrada da Rua 28 de Maio. O nome da rua era em evocação à revolta liderada pelo general Sidónio Pais que estabeleceu o regime de Oliveira Salazar (o Estado Novo), que teve lugar em Lisboa ea 28 de Maio de 1926.
Muito embora mais de sessenta e cinco anos se tenham passado, vou tentar descrever em pormenor o universo dos nossos vizinhos e amigos (quem vivia e aonde nessa altura em que lá vivemos), ciente de que me possa estar a esquecer de alguém, pelo que peço desde já desculpa pela omissão não intencionada e agradeço também desde que me ajudem na correcção.
A nossa casa era geminada e alugada e o senhorio era o Sr. Alípio Pires, então já
reformado depois de ter trabalhado muitos anos para o Tribunal da
Relação de Luanda. Ele tinha duas filhas mestiças talvez dez anos (ou
mais) mais velhas do que nós. Nunca soube o nome delas. A nossa casa tinha um pequeno quintal à frente e outro atrás (ambos acimentados), este
também pequeno e com uma goiabeira plantada no centro. Atrás do quintal
havia um anexo que estava arrendado a uma família (pai, mãe e filha) em
que o pai trabalhava na construção civil. Infelizmente, já não me lembro do nome deles.
À entrada da rua junto à bifurcação com a Rua 5 de Outubro, do lado esquerdo de quem entra do lado da rua da nossa casa) viviam os o Carlos Russo e irmã Laura e o Jorge Pinho que era hospedado e que a família vivia um pouco a sul da Ilha do Mussulo. O Carlos Russo e a Laura eram alunos da Escola Comercial, e o Jorge Pinho era um aluno muito bom do Instituto Industrial de Luanda. O nome da rua 5 de Outubro era em evocação à revolta de 5 de Outubro de 1910, que acabou com a monarquia e estabeleceu o sistema republicano em Portugal.
O Afonso (de alcunha "Fininho" porque era muito magro e alto) e a sua irmã (que não me lembro do nome mas que era muito bonita e reservada) moravam no rés-do-chã da próxima casa que era geminada. Não me lembro das famílias que moravam nas duas moradias no primeiro andar. A próxima casa era a nossa, que era geminada. O Joca Oliveira morava no nº. 7 e nós morávamos no nº.9. O pai do Joca, o Sr. Hernani Oliveira tinha uma oficina de reparação de automóveis (bate-chapa), e a Mãe do Joca era a Dona Carolina, que era muito nossa amiga e muito nos ajudou.
Na casa imediatamente a seguir à nossa viveu em 1961 e parte de 1962 o Morgado, que depois a família se mudou para a Avenida Lisboa, nuns anexos, perto do Largo da Maianga e mesmo opostos à Cervejeria Mexicana. Esses anexos foram demolidos mais tarde para dar lugar a um prédio grande em arco a acompanhar o Largo da Maianga. A mãe do Morgado era enfermeira e o pai era escultor de renome, natural da Ilha da Madeira.
Nuns anexos atrás da casa do Sr. Alípio Pires vivia o Dimas e a sua familia. O pai era sargento do exército e ele tinha um irmão mais novo de quem não me lembro do nome. Na casa (muito bonita) a seguir vivia uma família de bem que não tinha crianças; vivia lá uma senhora de idade que era parente dos donos da Casa Popular na Baixa de Luanda. Logo a seguir vivia a Isabel (da nossa idade) que era filha única e que não brincava muito com as crianças da vizinhança. Na ca sa a seguir vivia o Américo e a irmã que eram mais velhos que nós uns seis ou oito anos. A seguir era a Carpintaria e Serralharia Padinha que empregava muita gente.
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Estátua de Salvador Correia de Sá e Benevides, antigo Largo do Palácio, 1960s
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Logo a seguir era a casa do Alfredo (Frédito) Figueiredo (da nossa idade) e da irmã Filomena (Bany), que era uns quatro ou cinco anos mais velha do que nós. O pai do Alfredo era o Sr. Figueiredo, já nos seus sessenta e tal anos. O Sr. Figueiredo, que era mestiço, andava sempre de fato, chapéu e bengala, sempre muito formal, e comandava o respeito de todos nós. A família Freitas (irmãos Vítor e Fernando) viviam na próxima casa. O Sr. Freitas, pai do Miúdo Vítor, era muito magrinho, fumava muito, e tinha um quiosque no Largo da Maianga, onde vendia jornais, revistas, e tabacos. O Vítor era da nossa idade, mas o Fernando era mais velho uns quatro ou cinco anos.
A próxima casa era da família Brito (José, Xico, e Milú). A casa situava-se num grande quintal, pois o alinhamento antigo da Rua 28 de Maio não era direito, mas virava um pouco para a esquerda. Em 1966 ou 67, a família Brito mudou-se para a Samba Pequena. Logo a seguir era a casa do José Luís Bernardino e irmã Lídia (ambos da nossa idade). O pai, o Sr. Bernardino era alentejano de Almodôvar e trabalhava para a Câmara Municipal de Luanda.
Duas casa depois e antes de se virar para o primeiro beco da Rua 28 de Maio, viviam duas irmãs (que nós chamávamos Misses da Maianga) que eram tias do nosso saudoso amigo Orlando Malhão Maio, que vivia na Praia do Bispo, mas que vinha com muita frequência à Maianga. O Orlando foi um colega chegado meu, pois fomos colegas durante cinco anos no Liceu Paulo Dias de Novais e passávamos muito tempo juntos. O Orlando mais tarde arranjou uma mota antiga de marca "Ìndia" de cor preta, que captava a atenção de todos nós. Anos mais tarde, ele e a Manuela Moreira de Melo casaram e foram viver para Portugal depois de 1975. Lamentavelmente, soube que o Orlando faleceu recentemente.
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Residências de funcionários públicos no Bairro da Praia do Bispo, Luanda, 1960s
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No beco nº 1 da Rua 28 de Maio viviam várias famílias com filhos da nossa idade. Quem subia e à esquerda havia uma prédio de dois andares em que no rés-do-chão vivia uma família com duas filhas e um filho mais ou menos da nossa idade (dos quais infelizmente não me consigo lembrar dos nomes, Miúdo Zé?), e no primeiro andar vivia a Manuela (muito bonita), que o pai tinha um negócio de construção de traineiras e outros barcos na Ilha de Luanda.
Na próxima casa vivia a família Lopes (Paulette, talvez dois ou três anos mais velha do que nós), o Predocas, e a irmã mais nova, que era também muito reservada e bonita, mas de que não me consigo lembrar agora do seu nome). O Pedrocas era um bom compincha para qualquer brincadeira. Duarante o período do Governo de Transição e logo a seguir à Independência, a Paulette tornou-se uma pessoa muito destacada no aparelho político do MPLA.
Ainda no beco nº 1 da rua 28 de Maio vivia uma senhora, a Dona Ana, que fornecia ternos (comida) e que nós usámos quando a minha Mãe trabalhou para a Companhia Comercial Oriental na Avenida Marginal (perto da Igreja da Nazaré). Mais abaixo, vivia a a família da Nela (que nós chamávamos "Nela Fininha", pois era muito magra e alta).
Já de volta à Rua 28 de Maio, duas casas depois vivia a família Lacerda, que tinham dois filhos (um filho e uma filha) só um pouco mais novos do que nós. O Sr. Lacerda tinha uma oficina de reparação de carros e motorizadas, e foi durante alguns anos presidente da direcção do Sporting Clube da Maianga.
No segundo beco da Rua 28 de Maio (também chamado o Beco do Braga, que antigamente dava acesso ao Musseque do Braga, no Bairro do Café) vivia o Tomané, um amigo meu muito chegado que muitos bons tempos passámos juntos. O Tomané tinha uma personalidade muito jovial e estava sempre pronto para qualquer brincadeira. Ainda no mesmo beco vivia a família do Boléo, que era talvez dois anos mais novo do que nós. Ele tinha uma irmã mais nova que não me lembro do nome. E assim chegámos ao fim do lado esquerdo da Rua 28 de Maio. Para além do fim da rua ficava a zona verde do Rio Seco.
No lado oposto da rua à nossa casa, ou melhor dizendo, ainda na rua 5 de Outubro, viviam os irmãos Nabais (Rui e Tito, mais velhos que nós uns anos, e exímios nadadores do Clube Nun'Álvares de Luanda), e no próximo quarteirão o Jajão e a Titocas (já falecida), que eram amigos muito chegados do meu irmão Rui.
Já propriamente na nossa rua e em frente à nossa casa vivia o Jorge Tavares de Almeida, mais velho uns anos do que nós, mas com quem nunca estabelecemos amizade. Na esquina do próximo quarteirão vivia a família do Rui Humberto Cabral (Russo), que mais tarde (em 1965, não estou bem certo) se mudou para o Bairro da Cuca.
No quintal da casa do Rui Cabral nós fizémos uma experiência muito especial. Baseado na invenção dos irmãos Lumiere (inventores do projector de filmes), nós fizemos uma máquina de projectar cinema, baseada numa caixa de cartão com uma câmara escura, um projector de luz, e uma lente, o que nos permitia projectar imagens de desenhos animados que tinhamos desenhado em folhas de papel. Esta experiência foi muito notável, pois com uma caixa de papelão, uma lente (tirada de uma garrafa de refrigerante), e uma lâmpada, e algumas páginas brancas com desenhos a preto feitos por nós próprios, nós conseguimos fazer os nossos filmes.
Nós (os
miúdos da 28 de Maio) éramos muito engenhosos pois fazíamos os nossos próprios briquedos como arcos de aduela de barril,
trotinetas e carros de rolamentos de madeira, enquanto que nos bairros à
nossa volta os rapazes e raparigas com mais posses já tinham bicicletas.
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O popular sinaleiro do Largo da Maianga
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Em 1964/65 a família Anapaz Pereira mudou-se para essa casa, depois da família Cabral ter mudado para o Bairro da Cuca. Os Anapaz Pereira tinham um filho, o Carlos, mais conhecido por Curibita, e a irmã, que não me consigo lembrar do nome, ambos da nossa idade, e, se não me engano, um irmão mais novo. Como amigo do bairro, o Curitiba substituiu bem o Rui Cabral, pois tornou-se um amigo popular entre todos. Como eu, ele andava também no Liceu Paulo Dias de Novais, e assim fomos muitas vezes juntos para o liceu. A irmã do Curibita era reservada e muito bonita. A família Anapaz era uma das grandes famílias africanas antigas de Luanda, e conforme o que a minha mãe então me disse, uma avó do Curibita foi uma professora de música e pianista destacada na Luanda nas décadas de Trinta e Quarenta.
Na próxima casa viviam os irmãos Borralho, que na altura tinham emigrado recentemente de Portugal. Infelizmente, já não me lembro dos seus nomes. Eles eram dois irmão da nossa idade, que trabalhavam já (não iam à escola), e já chegaram um pouco tarde (talvez em 1966/67). Mesmo assim, eles alinhavam muito em algumas brincadeiras, mas não eram parte do grupo central da malta da 28 de Maio.
Na próxima casa, uma casa de primeiro andar, vivia o Inglês, que era uns anos mais velho do que nós, e que trabalhava com frequência como bilheteiro nas sessões de cinema do Sporting Clube da Maianga.
Numa casa geminada a seguir, moravam os irmãos Soto Maior (Tó e Darío), que eram ligeiramente mais velhos do que nós. O Darío era um amigo chegado do meu irmão Rui, e o Tó era assistente técnico de algumas modalidades de desporto no Sporting Clube da Maianga. Ele trabalhava no CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola) e sempre me deu muitos livros e revistas publicados pelo CITA e pela AGU (Agência Geral do Ultramar) sobre Angola em particular, muitos quais guardo hoje como tesouro.
Na casa a seguir aos Soto Maior morava o Nélito, que era ligeiramente mais novo do que nós (dois ou três anos). Ele andava também no Liceu Paulo Dias, pelo que muitas vezes fomos juntos para o Liceu. Talvez pela sua idade, o Nélito alinhavaem algumas das brincadeiras, mas não em todas.
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Vista do antigo Palácio do Governador-Geral, na Cidade Alta, Luanda, 1960s
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Na próxima casa geminada moravam as pérolas da 28 de Maio - as irmãs Manuela e Olga (Moreira de Melo), que eram o sonho de todos os rapazes da Rua. Elas eram muito simpáticas, de personalidade muito radiante, e extraordinariamente bonitas, e davam-se bem com todos. A família Moreira de Melo veio de Braga (Portugal) para Luanda em 1963/64, e o Pai trabalhava para a Casa da Sorte e a Mãe era modista, ambos muito simpáticos (e pacientes).
Na próxima casa viviam os manos Zeca e Fátinha Silva. O Pai, o Sr. Silva, tinha uma oficina de bate-chapa de carros no quintal atrás ca casa da Manuela e da Olga, e a Mãe, a Dona Cesaltina, era muito nossa amiga, pois passava tempo todos os dias a conversar connosco em frente à entrada da casa deles. O Zeca era da minha idade e andou na Escola Industrial, mas deixou os estudos e começou a trabalhar na oficina do pai ainda muito cedo. A Fatinha andava no Liceu Salvador Correia.
Era em frente à casa do Zeca e debaixo de uma árvore muito frondosa era o local onde nós tinhamos corridas de carrinhos (Dinky Toys e Corgi Toys) e onde tínhamos também os buracos no chão do passeio para jogar à bilha (berlinde). Era ainda à frente das casas do Zeca e da Fátinha e das manas Manuela e Olga que o grupo mais restrito
de amigos da rua 28 de Maio se encontrava todos os dias ao fim da tarde.
A Fátinha foi sempre a amiga mais especial para mim e com quem mais tempo passava a conversar. Logo que atingiu a idade necessária, o Zeca comprou um Fiat 124 (station wagon) branco muito bonito. Infelizmente, O Zeca, alguns anos depois de regressar a Portugal em 1974 foi vítima de um acidente que o deixou incapacitado de levar uma vida normal para o resto da sua vida. Há quatro anos atrás recebi a triste notícia do seu falecimento.
Como rapazes, nós procurávamos a aventura e o perigo. Recordo que uma vez decidimos (Eu, o Zeca, o Vítor, e o Bernardino) ir acampar no Morro da Fortaleza, com o objectivo de caçar pássaros, onde na verdura da encosta muitas espécies de pássaros, incluindo periquitos de várias cores. Assim, fizémos os planos e completámos a logística, levámos visgo, fisgas e armas de chumbo, uma tenda, e alimentos para dois dias, e lá fomos.
Como não tinha uma arma de chumbo, eu levei a minha fisga, devida mente construída por mim para o efeito. Como bons caçadores, nós não levámos em conta que havia no dito Morro da Fortaleza muitos cactos cheios de picos muito pequenos, quase invisíveis, cujas flores tinham uns picos muito pequenos ainda muito mais muito penetrantes. Com o entusiamo de chegar o mais próximo possível aos pássaros para pormos visgo (cola) nos ramos das árbores onde eles se encontravam, todos nós ficámos todos picados pelos ditos cactos, ao qual eu no meu caso não paguei muita importância.
Três dias depois, eu acordei de manhã todo inchado com uma febre altíssima, não sabendo a causa. A minha Mãe levou-me imediatamente ao banco de urgência do Hospital Central, onde pacientemente os enfermeiros tiraram uma quantidade grande de picos de flor de cacto, quase invisíveis, mas à mostra em todo o corpo. O médico disse no fim que tinha sido uma infecção generalizada causada pelos ditos micro-picos, e que podia ter sido muito mais séria, não tivéssemos nós vindo ao hospital imediatamente.
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A entrada do banco de urgência do Hospital Central, no topo da Avenida do Hospital (Avenida Álvaro Ferreira), que eu visitei várias vezes.
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Na casa logo a seguir à da família Silva vivia a Emília, filha única de pais mais velhos do que os nossos, sendo ela um ou dois anos mais velha do que nós, e que portanto não alinhava nas nossas brincadeiras. A seguir, já na esquina da rua 28 de Maio e Rua da Maianga, viviam as irmãs Pinto Pereira que não socializavam connosco. O Sr. Pinto Pereira comerciava em exportação de café, e foi graças à sua iniciativa que o cinema do Sporting Clube da Maianga expandiu a sua sala de cinema com um telhado próprio para proteger das chuvas.
No começo do próximo quarteirão vivia o Fernando (mais propriamente na Rua da Maianga) que era um ou dois anos mais novo que nós e andava na Escola Industrial. Já na Rua 28 de Maio num bloco de três casas geminadas vivia o Renato Santos, que era uns cinco ou seis anos mais velhos do que nós. Na casa a seguir vivia a Paula Correia de Oliveira, que era da nossa idade, muito bonita e atraente, e que cuja família tinha mais posses do que a média das famílias na vizinhança. Contudo, ela era muito dada e muito amiga de todos.
Já no próximo prédio vivia a Fernanda Caetano, irmão do Carlos, que também fazia parte do círculo de amigos. A Fernanda veio a casar com o Tonho Figueiredo, que vivia na Rua 5 de Outubro. A Fernanda era um tanto reservada, mas muito simpática. Ela praticou basquetebol na equipa feminina do Sporting Clube da Maianga. O seu irmão Carlos, que era mais velho do que nós, tirou o curso do Instituto Comercial.
Na casa a seguir vivia a nossa amiga Rosário, que era filha única e tinha vindo recentemente de Lisboa, mas que também alinhava com os amigos da vizinhança. Logo a seguir vivia o Edgar Neves, que também era filho único, e que trabalhava na Baixa de Luanda. O Edgar tinha uma motorizada V5 encarnada, que era muito vistosa.
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Antiga estátua de Paulo Dias de Novais, fundador de Luanda em 1576, na Ilha do Cabo, 1960s
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Entre tantos jovens vivendo tão perto e tão intensamente na vizinhança, naturalmente haviam romances e pares de namorados (mais ou menos permanentes) que se
destacavam: o Zeca e a Olga, o Vítor e a Manuela, o Vítor Azevedo e a
Emília, o Tomané e a Paula, e o Edgar e a Rosário. Cabe notar aqui que desses amores de juventude, nenhum acabou em casamento. Apesar de sermos todos vizinhos e amigos, haviam dois polos onde nos encontravamos mais frequência: um em frente à casa das manas Manuela e da Olga (Moreira de Melo) e do Zeca e da Fatinha, e o outro, mais acima na rua, em frente à casa da Paula Correia de Oliveira.
Apesar da Rua 28 de Maio ser o nosso universo mais imediato, nós tinhamos muitos amigos com quem privávamos com muita frequência que viviam no perímetro mais alargado do Bairro da Maianga. Na Rua Comandante Correia da Silva tinhamos também vários amigos, incluindo o Adelino Vieira e irmã Leta, que viviam perto da pequena ponte sobre o Rio Seco, perto de uma grande mulembeira e junto a uma mercearia, o Mário Jorge, que vivia no outro lado do Rio Seco, e a Isabel Morna, mais abaixo já na esquina com a Avenida António Barroso e em frente à agência do Banco de Crédito Comercial e Industrial vivia a Milú, que era muito bonita.
Já no mesmo quarteirão da Avenida António Barrosos tínhamos os irmãos Mendes e irmãos
Pugliese, e no próximo quarteirão em direcção aos Correios, o Víctor Azevedo e os irmãos Dadinho e Zeca Loures (já falecidos há alguns anos) e primo Dádá (falecido recentemente), que era dirigente e jornalista desportivo de destaque em Luanda. Na Rua João Seca tínhamos o Artur e Mizé Araújo (que veio a casar com o Carlos Abreu, jogador de hóquei), com os irmãos mais velhos Vasco, Virgílio, e irmã (que não me lembro do nome) que casou com o Renato, que ainda eram primos muito afastados de nós através do nosso Pai, pois a família era também de Trás-os-Montes (Vila de Vinhais, perto de Bragança).
Na Rua 5 de Outubro tinhamos o Tiago (também já falecido), o João Costa e a
Ana Maria Costa, os irmãos Celso e Jorge, o Fernando Rosa Rodrigues, e o José Pedro. Um pouco mais longe, já à entrada do Catambor, tínhamos o o
Francisco Loureiro. O Mário Lourenço dos matraquilhos na Avenida
António Barroso vivia mais abaixo, perto da Padaria Aliança, onde nas noites de cinema no Sporting Clube da Maianga no segundo intervalo nós íamos comprar pão quente às onze da noite.
Os
irmãos Paixão (Jorge e Beto) viviam no prédio da estação de serviço da Texaco à entrada da Rua 5 de Outubro, e os irmãos Jacques Pena - João, Isabel, e Paula (também precocemente
falecida) que viviam mais abaixo da Rua João Seca (próximo da esquina dos Correios com a Avenida António Barroso), o Nascimento que vivia abaixo da Rua da Maianga, a Gina, a Selda, e a Guilhermina que viviam na Travessa João Seca, e tantos
outros. Um pouco mais acima, na Rua José Maria Antunes, paralela à Avenida António Barroso e já junto ao Muceque Catambor, vivia a Nini que jogava basquetebol no Sporting Clube da Maianga, e as duas suas irmãs que já não me lembro dos seus nomes.
Um pouco mais distante de casa, eu tinha dois bons amigos na Avenida Lisboa, os irmãos Reis (Zé e José Luis) que viviam perto da esplanada Chilena. Eles eram era meus colegas no Salvador Correia (e mais tarde na Universidade de Luanda), e era filhos do Comandante Reis, director do Instituto das Indústrias de Pesca de Angola (IIPA), muito conhecido em Angola pela grande obra que realizou em dinamizar o sector da pesca.
Nota - A rua, travessa, e largo João Seca evocavam a memória de João Augusto dos Santos Seca, que foi um destacado condutor de Obras Públicas e chefe da repartição técnica de Luanda na primeira década do Séc. XIX e que esteve ligado a muitos melhoramentos da cidade nesse tempo. A Rua José Oliveira Barbosa evocava a memória de José de Oliveira Barbosa que foi governador de Angola entre 1810 e 1816 que se precocupou com o problema de abastecimento de água a Luanda. A Rua Comandante Correia da Silva evoca a memória do destacado oficial da marinha portuguesa, que foi administrador do concelho de Luanda, governador dos distritos de Benguela e de Moçâmedes, e ministro das colónias em 1925. A Avenida António Barroso evoca a figura do Bispo Dom António Barroso, que se distinguiu em incluir os antigos territórios Bakongo como o distrito do Congo (português) na província de Angola no terceiro quartel do Séc. XIX. A Rua do Padre José Maria Antunes evocava a memória do Padre José Maria Antunes, da Congregação do Espírito Santo, grande evangelizador das terras longínquas do Cunene e primeiro superior da Missão da Huíla.
Ainda como rapazes cheios de banga, nós gostávamos de ir de vez em quando à Cervejaria, Snack-bar e Pastelaria Bracarense
para tomar uns finos (copos de cerveja) com tremoços ou dobrada cozida
com feijão a acompanhar. A bracarense era também um restaurante e uma
pastelaria, famosa pelos pregos no pão (o básico que podíamos pagar...),
e a pastelaria. Em frente à Bracarense, na esquina com a Rua Alexandre
Peres, estava o Colégio Moderno, que era da propriedade da professora Dona Lindalva que era conhecida por ser muito rigorosa e exigente, que a minha irmã Paula frequentou até à terceira classe em 1968.
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A antiga estação ferroviária da Cidade Alta (Ingombotas) em Luanda, conforme um postal de 1906
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A antiga Estação de Caminho de Ferro da Cidade Alta
era na Rua Alexandre Peres, onde havia um grande terreno descampado
adjacente, onde uma ou duas vezes por ano havia uma feira com muitas
diversões como carrossel, cadeirinhas, carrinho eléctricos, poço da
morte, e outros. Outras cervejarias muito concorridas na Maianga eram a Cervejaria Mexicana e o Restaurante Belo Horizonte (muito chic), à entrada do Largo da Maianga, o Snack-Bar Planeta, junto à Chefia dos Serviços de Intendência do Exército Português (Serviços de Contabilidade e Mecanografia), e a Cervejaria Chilena, mais abaixo na Avenida Lisboa, um pouco mais abaixo do Hospital de Doenças Mentais, que na gíria popular era chamado o Hospital dos Malucos.
Quando a minha Mãe trabalhou na Companhia Comercial Oriental na Marginal, cuja sede e armazém era no quarteirão a seguir à Igreja da Nazaré, nós íamos almoçar e jantar ao restaurante do Snack-bar Planeta durante uns tempos. Por volta de 1968, o Restaurante Belo Horizonte fechou e o edifício foi convertido em Colégio Universal. No topo da Avenida António Barroso havia um clube noturno e dancing (cabaret), o "Choupal", famoso por outras razões menos honrosas.
Dispersos pelas ruas do bairro da Maianga, haviam muitas árvores de fruto e de sombra pois a maioria das ruas eram muito arborizadas. Das árvores de fruto, as que mais me lembro era as que davam os saborosos figos da Índia, maçãs da Índia, e tamarindos. Nos quintais das casas era comum ver goiabeiras, bananeiras, abacateiros, mamoeiros, pitangueiras, maracujazeiros, e até cajueiros. No cimo do muceque Catambor havia ainda alguns imbondeiros, e na antiga Rua Comandante Correia da Silva, junto à ponte do Rio Seco (perto de onde o Adelino Vieira morava), havia uma grande mulembeira, onde era normal ver pessoas gozando a sombra do gigante.
Pela sua curiosidade, lembro aqui o som de gaita dos funileiros e amoladores, que nas suas bicicletas de três rodas corriam o bairro de tempos a tempos para afiar facas e tesouras, ou fazer latas. Do mesmo modo, lembro aqui a tifa, que era a fumegadora dos Serviços de Saúde que todos os anos passava pelas ruas do bairro a fumegar a nuvem espessa de DDT que se dissipava para dentro das casas que para o efeito as donas de casa deixavam as janelas e portas abertas para o nevoeiro do insecticida entrar. Como não podia deixar de ser, nós delirávamos correr atrás da tifa, completamente cobertos com o fumo do DDT.
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Carrinha a fumegar DDT (Tifa) nas ruas de Luanda, 1960s. Nós corríamos atrás da carrinha da Tifa, no meio do fumo do insecticida, completamente dentro da núvem, inspirando assim o insecticida.
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Hoje sabemos que o DDT deixou de ser produzido há muitos anos por ser muito tóxico e ter sido banido o seu uso na maior parte do mundo. Na mesma linha de pensamento, o uso de folhas de Lusalite, produzido pela companhia Lupral, de Benguela, para paredes e telhados era muito usado em Angola. Da mesma forma, sabemos hoje que as fibras de asbestos são um carcinogéneo muito letal para qualquer pessoa que o use ou esteja exposto.
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O complexo do antigo Hospial Maria Pia, com o Banco de Urgência à esquerda
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Nós tinhamos algumas bricadeiras predilectas. Entre ouitras coisas, nós fazíamos as nossas trotinetes e carros de rolamentos; corríamos com um arco de aduela de barril com um arco; apanhávamos boleia atrás das caminetas de instrução que circulavam nas ruas mais pacatas; jogavamos à bilha (berlinde), e bricávamos com carrinhos de metal pequenos.
Eu fui sempre magro e muito leve, mas com muita vida e energia. Assim, ninguém me conseguia vencer a correr em velocidade até 200 metros. Esta qualidade livrou-me de muitas situações difíceis, pois nem perseguidor nem polícia corria mais rápido do que eu...
Entre
a Avenida da Samba e a Avenida Lisboa, os Serviços de Saúde e Higiene
de Angola tinham uma área muito grande de terrenos onde se situavam o
Hospital Central, o Hospital Maria Pia (com cinco pavilhões muito
grandes), a Delegacia de Saúde onde se apanhavam as vacinas, a Casa
Mortuária (pequena para as necessidades da cidade), o Teatro Anatómico e salas de aula da Faculdade de Medicina
da Universidade de Luanda, o Pavilhão de Doenças Infecto-Contagiosas, o
Hospital de Doenças Mentais, a Escola de Enfermagem, e o Centro de Reabilitação Física e
Fisioterapia.
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O pavilhão de Doenças Infecto-Contagiosas onde estive internado 10 dias em 1972 - os dez dias mais sombrios da minha vida
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A área era mesmo mito grande pois estendia-se desde as
traseiras das casas na Rua Guilherme Capelo e ia até à baixa da Samba
(antigo lugar da Lagoa dos Elefantes), ao começo da subida da Avenida
Lisboa para o Bairro Prenda.
Como toda a cidade de Luanda, em termos de urbanização, a área da Maianga não era estática, pois muitos prédios novos se construiram entre 1961 e 1975, especialmente à volta do Largo da Maianga e ao longo da Avenida António Barroso. Este surto de construção mudou muito a personalidade do bairro, especialmente do lado do Alvalade e do Catambor, onde muitas famílias pobres tiveram que mudar do musseque em que viviam há muito tempo para dar lugar a vivendas e prédios para famílias com mais posses.
A expansão urbana era também muito evidente no Bairro Prenda, onde se construiram muitos prédios novos. Acima da Avenida dos Quarteis (Avenida Norton de Matos) até se construiu um bairro muito grande e completamente novo de construções ilegais - o Bairro Salazar - que ia até ao Aeroporto. Assim notei que em poucos anos mudámos de uma situação em todos nos conhecíamos na Maianga para uma nova em que sé encontrávamos desconhecidos nas ruas
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Luanda, 1970s - Cruzamento das ruas Silva Porto e Sá da Bandeira, no Bairro do Café
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Sociografia de Luanda
Foi na Maianga onde pela primeira vez constatei a existência de dois
mundos que a antiga Avenida António Barroso (hoje Avenida Presidente
Marien Ngouabi) dividia: o da cidade dos brancos (Maianga e Alvalade) e o
dos musseques dos africanos de cor (Catambor e Prenda). O Sporting Clube
da Maianga era o elemento aglutinador desses dois mundos em que
o factor "raça" não tinha grande grande significado.
Apesar da política oficial
de convivência racial apregoada pelas autoridades portuguesas depois de
1961, ainda subsistia em Luanda evidência clara de segregação racial
dos tempos de colónia mais antiga. Todos sabemos que mudanças no campo de relações raciais demoram gerações a realizar, contudo, podemos dizer que logo a seguir a 1961, houve uma mudança radical para o melhor (pelo menos nas escolas e repartições públicas) nas relações raciais em Angola, guiadas pela política de integração racial preconizada pelo governo português.
Este progresso aconteceu mais em termos de politica oficial do governo do que nas relações privadas entre indivíduos com cor de pele diferente. Assim e em geral, o "branco" vivia no centro da cidade de
cimento, e o africano (preto e mulato) viviam nos muceques da
periferia; o "branco" era o patrão e o africano (preto e mulato) o
empregado; o "branco" era o dono do negócio ou loja, e o preto (as
quitandeiras) dominavam o comércio informal; o médico era branco e o
enfermeiro era mestiço ou preto; a "branca" era a dona de casa, e a "preta" era a lavadeira; o "branco" era o oficial do exército e o polícia, e o africano era o soldado raso ou cipaio; o "branco" (não a maioria) andava de
carro privado, ao passo que o africano (preto e mestiço) andava a pé ou
de maximbombo (autocarro). A imprensa e a rádio (talvez com a excepção da Voz de Angola) preocupava-se mais com o bem-estar do branco do que do africano (preto ou mestiço).
Ainda dentro do universo "branco" haviam duas classes facilmente reconhecíveis: uma minoria dos funcionários superiores da administração colonial e altos comandos militares (que eram transportados em carros pretos de luxo com chauffers), e dos ricos comerciantes e donos de grandes fazendas de café.
A grande maioria de famílias brancas, muito mais pobres e remediadas, tinham imigrado para Angola mais recentemente (depois do fim da Segunda Guerra Mundial) e viviam remediadamente de salários muito mais baixos de empregos mais frágeis no comércio, indústria e construção civil, e funcionários assalariados do estado.
As famílias "de bem" viviam no Bairro do Saneamento, na Cidade Alta, no Bairro Miramar, e no Bairro do Café; as mais pobres viviam nos outros bairros da cidade. Era relativamente comum para as famílias mais ricas terem uma criada branca (ou governanta), coadjuvada por mais empregados domésticos, incluindo lavadeiras, cozinheiros, e criados, africanos na maioria.
Os filhos das famílias brancas "de bem"
eram chamados "de sangue azul" ou simplesmente "sanguitos", e estudavam em colégios particulares ou mesmo até na metrópole (Portugal), ao passo que todos os outros
(brancos remediados (a grande maioria), pretos e mestiços, chamados "mwangolés") estudavam nas escolas e liceus públicos do estado. Nos pergaminhos da
história da Luanda antiga, estes residentes portugueses das classes mais altas de Luanda eram chamados "reinóis", que refletia o seu status social de poder económico e político, abilidade, e esperteza, e influência social.
Em termos de cobertura de serviços municipais, a cidade "branca" (do asfalto) tinha água canalizada, esgotos, ruas asfaltadas, transportes públicos, electricidade, iluminação pública, telefones, e protecção de polícia e bombeiros, ao passo que o muceque não recebia quaisquer desses serviços.
Cumpre-me
dizer aqui que nós (nascidos em Angola, brancos, pretos e mestiços) mostrávamos sempre uma certa relutância às pessoas chegadas
recentemente de Portugal, especialmente familias pobres com baixa escolaridade, e até usávamos nomes depreciativos para os
designar (como "besugo", "patêgo", ou "matarroano", que se referiam a pessoa de baixa compreensão e cultura),
o que lamentavelmente não era muito politica e socialmente saudável.
Contudo,
como resultado das transformações sociais e políticas trazidas pela
guerra de 1961 a 1975, já nos primeiros anos da década de 1970, a chamada "integração racial" era um facto em construção, pois havia igualdade nas escolas, e a grande maioria dos funcionários públicos já eram africanos mestiços e pretos,
se bem que a inequidade económica continuasse de forma ainda muito
flagrante. O mesmo se observava nas escolas e liceus em que a já haviam muitos estudantes de côr, que crescia a passos largos de ano para ano.
Cabe lembrar aqui que o grande obreiro do grande esforço de escolarização em Angola na década de 1960 foi o Dr. José Pinheiro da Silva, natural do Maiombe, Cabinda, que exerceu durante esses anos o cargo de Secretário Provincial da Educação. Apesar deste grande esforço, havia ainda muito poucos estudantes de côr a frequentar Universidade de Luanda, se bem que já muitos frequentavam os liceus, e as escolas comercial e industrial. No ensino primário público, a grande maioria de alunos eram já africanos (pretos e mestiços), ao passo que nos colégios privados, com algumas excepções, a maioria continuasse a ser branca.
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O
Dr. José Pinheiro da Silva, natural do Maiombe, Cabinda, Secretário
Provincial da Educação e grande dinamizador da educação em Angola na
década de 1960
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Todos
nós temos coisas de que nos arrependemos de ter feito nos nossos anos
de juventude. Para mim, uma delas foi ter participado durante vários
anos no carnaval de fuba (farinha branca de milho ou mandioca, de que se fazia a "funge") da Maianga. Este consistia em atirar fuba aos muitos inocentes transeuntes
que vindos do musseque Catambor, passavam a pé na Avenida António Barroso. A maior parte das vítimas
eram pessoas de côr que iam ou vinham do trabalho, bem vestidas, sendo a
última coisa que podiam tolerar eram ser pulverizados de fuba seca, e de um
momento para o outros ficarem completamente brancas. A maioria das
vítimas reagia (com direito) e muitas vezes o carnaval acabava à
pancada, até a polícia vir e parar com o desacato. Ás vezes alguns de nós acabavamos na 2ª esquadra da polícia, que era no Bairro dos Ferreiras (com ruas de pedra), a um quarteirão da Rua Guilherme Capelo, já perto da Avenida do Hospital.
Da mesma forma, também temos actos bons de amigos que ficam connosco para o resto das nossas vidas. Comigo, sinto que tenho de contar que uma vez numa das matinées de domingo à tarde no Sporting Clube da Maianga houve um concurso de puxar a corda entre dois grupos no palco em frente a uma plateia repleta espectadores, em que após cada puxada, cada grupo perdia um membro até chegarem ao fim com um membro só cada para cada grupo na competição.
Foi o caso entre eu e o Júlio, que era muito mais forte que eu, e que ele voluntariamente me deixou ganhar, mesmo a custo de não receber o melhor prémio. Este acto de amizade ficou na minha memória para sempre, e ajudou-me a ser um pouco menos interesseiro em situações em que eu via que eram de maior valor para outros.
O Júlio era um de quatro irmãos (Zé, Russo, Júlio, e Gualter) e uma irmã oriundos de Portugal que viviam na rua João Seca logo a seguir à casa do Artur e irmã Mizé Araújo. Infelizmente, ainda em Angola, soube da morte do Júlio num trágico acidente numa viatura militar próximo da cidade de Silva Porto (hoje Kuito), mas ele e o acto que practicou ficaram para sempre na minha memória.
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Estátua de Diogo Cão, primeiro português a chegar à foz do Rio Zaire em 1483, atrás o Palácio de Vidro, onde se encontravam muitas repartições públicas do governo provincial
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Eu era relativamente conhecido e popular no Liceu Paulo Dias de Novais, onde grangeei muitas amizades. Entre os bons amigos que lá tive estava o Fernando Farinha, que era um ano mais velho do que eu, mas andava no mesmo ano que eu. O Farinha, como nós o chamávamos, tinha sido vítima de paralisia infantil quando ainda muito jovem pelo que tinha andar com a ajuda de dois aparelhos de prótese e muletas muito pesados e incómodos (um para cada perna). Contudo, ele estava sempre pronto para alinhar nas brincadeiras, mesmo que tal lhe custasse dor física.
Ele morava logo ao princípio da rampa da Fortaleza, depois da ponte sobre a Rua Francisco Soveral, e nós fomos amigos chegados por todo o tempo no Liceu Paulo Dias de Novais e mais tarde no 6º e 7º anos no Liceu Salvador Correia. Talvez porque associasse a sua penosa cruz com a do meu irmão Rui, eu nunca esqueci o Farinha estes anos todos, e gostaria muito de ainda o poder encontrar e estar com ele uns momentos para recordar bons tempos nos velhos Paulo Dias e Salvador Correia. O Farinha tinha uma cadeira de rodas que ele usava raramente, já que a grande maioria dos edifícios e lugares em Luanda desse tempo não eram construídos para permitir o accesso e uso a pessoas com deficiência física acentuada.
Durante o período que vivemos no Bairro da Maianga, o nosso médico de família era o Dr. Mercês de Melo, que dava consultas no Centro Médico da Cruz Vermelha Portuguesa, situado perto do do Cinema Restauração, onde o custo das consultas médicas era mais baixo (quase de graça). O Dr. Mercês de Melo era um médico muito conhecido e respeitado em Luanda, ele era natural de Goa (ex-Índia Portuguesa) e tinha frequentado a famosa Escola Médica de Goa, era muito boa pessoa e tinha duas filhas muito bonitas e simpáticas (Tété e a Guida) que andaram no Liceu Salvador Correia.
Falando em médicos e doenças, nós devemos lembrar-nos que o clima em Luanda (e do norte de Angola) não eram dos mais saudáveis do mundo. Haviam desafios endémicos permanentes como o paludismo (malária) e risco alto de infecções muito más como cólera, febre amarela, febre tifóide, hepatites, meningites, infecções renais, tétano, e outras doenças infecciosas que ainda matavam muitas pessoas. Assim, desde muito novos, já na Damba, que a nossa mãe nos fazia tomar um comprimido semanal contra o paludismo (malária - Daraprim, Resoquina, Camoquina, ou Plaquinol), normalmente ao domingo. A nossa mãe fazia-nos ainda tomar tónicos (camados "elixires") como óleo de fígado de bacalhau (com um sabor horrível), e extracto de sangue de cavalo para abrir o apetite (também não muito apetitoso).
Durante toda a minha meninice eu sofri muito de infecções na garganta e nos ouvidos, que me davam dores terríveis. Para tratar as infecções de garganta, a minha mãe besuntava-me a garganta com um preparado líquido azul (colírio de argirol) que era muito eficaz. Quanto às infecções nos ouvidos, antibióticos e paciência eram a solução. Assim, desde muito cedo aprendi o significado da palavra simples oto-rino-laringulogista...
No meu sexto ano do liceu caí de cada com febre tifóide, uma doença muito grave, que me fez ficar em casa mais de um mês. Não esqueço que o médico receitou um antibiótico muito forte e de largo expectro chamado Cloromicetina cujo composto base era Cloranfenicol, e que anos mais tarde se veio a provar que tinha efeitos colaterais graves, including a cegueira.
Já que estamos no tema de higiene e doenças, cabe referir aqui que Luanda (e Angola) desse tempo não tinham um sistema próprio de higiene e inspecção para o manuseamento de alimentos, e que muitas doenças se propagavam porque aqueles que lidavam com alimentos não sabiam ou não seguiam regras apropriadas de higiene para manusear alimentos.
Eu sei, por exemplo próprio, que apanhei uma infecção rara em humanos mas não rara em gado, que foi derivada do facto que o leite que bebi num restaurante não tinha sido propriamente pasteurizado, e não havia serviços de inspecção adequados para monitorizar a produção e comercialização de leite fresco.
Da mesma forma, eu lembro-me que quase ninguém usava luvas para lidar com dinheiro e alimentos ao mesmo tempo, e ninguém lavava as mãos, mesmo nos talhos e peixarias, para trabalhar com carne ou peixe fresco depois de lidar com dinheiro.
Por outro lado, as moscas eram um problema grande nos mercados municipais e nas cozinhas domésticas. Neste ponto, ainda tinhamos muito que aprender... Os mosquitos, nas muitas poças de água parada em todo o lado, eram um problema ainda maior.
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Mural de azulejo, Liceu Salvador Correia, Luanda, mostrando as principais viagens dos Descobrimentos Portugueses através do mundo
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Em 1965 ou 66 foi descoberto no local da construção de um prédio novo perto do largo onde se situava o Clube Atlético de Luanda (onde havia uma estátua de um canhão no Largo Luis Lopes de Sequeira), uma quantidade muito grande de macutas (moedas antigas), das quais consegui arranjar uma lata de flocos de aveia Quaker Oats cheia das ditas moedas, comprando algumas e outras trocando cromos e outros valores.
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A Macuta - a primeira moeda cunhada em Portugal para uso em Angola em 1762
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Eu lembr-me que o achado destas moedas antigas (do séc. XVIII) era um importante achado arqueológico, que me levou a compreender melhor quanto importante era a arqueologia como ciência auxiliar da história. Da mesma forma, esta insólita colecção de moedas antigas fez-me também pensar na história económica de Angola, que então completamente desconhecia. Infelizmente, nas coisas que deixei em Luanda estava a dita lata de flocos de aveia cheia de macutas...
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O paraíso que era a Ilha do Mussulo nos Anos Sessenta
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Em
1966 ou 67, eu e um grupo de amigos da Maianga (o Edgar Neves, o Vítor
Freitas, o Mário Jorge, o Júlio, o Bernardino, e eu) decidimos ir acampar
por uma semana para a Ilha do Mussulo. Fomos de autocarro até à Barra da
Corimba onde era o cais do "Ka-Posoka" e do "Kitoko" que nos levou até
à paradisíaca Ilha do Mussulo. Uma vez na Ilha, procurámos o melhor
lugar onde assentar as tendas de campanha, onde ficámos por uma semana.
O local onde acampámos era a meio caminho entre a costa do cais do Ka-Posoka e a contra-costa. Lembro-me que a base principal de alimentação nessa semana foram
caranguejos cozidos numa panela grande de água quente só com sal, que
colhíamos durante o dia. Explorámos apé a Ilha do Mussulo toda, e eu
consegui o donativo de muita fruta (bananas e mangas) da missão católica
que havia na Ilha da Cazanga (também conhecida como Ilha dos Padres) em troca de explicações de história e
geografia que dei aos aos alunos da missão.
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A nossa viagem à Ilha do Mussulo, em 1967 - Edgar, Mário Jorge, Júlio, Eu (Helder), e Vítor
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O Sporting Clube da Maianga
No Sporting Clube da Maianga, uma verdadeira escola para todos nós, comecei por jogar basquetebol (juvenis) por dois anos sob a orientação do famoso Ùnico (Francisco André) e mais tarde do Nanico,
mas que por não ser alto e ter pouca (quase nenhuma...) habilidade para
tal, mudei para hoquei em patins em júniores, em que a habilidade não
era melhor. Para poder praticar desporto competitivo, todos os atletas em Angola tinham que fazer um exame de aptidão física no Centro de Medicina Desportiva. Devido à minha compleição física, eu não passei esse exame médico pela primeira vez, pelo que tive de repeti-lo uma segunda vez.
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Antigo
edifício da sede e cinema do Sporting Clube da Maianga, na esquina das
ruas 28 de Maio e João Seca, 1986 em Luanda. A nossa casa era a menos de
cem metros à direita na rua 28 de Maio (Karipande) de onde esta
fotografia foi tirada.
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Como atletas do Clube, nós podíamos ir ao cinema sem pagar, o
que resultou em ter ido ao cinema pelo menos duas ou três vezes por
semana durante quatro ou cinco anos, e o que me ajudou imenso a melhor
perceber o mundo à minha volta.
O bar do clube abria todos os dias, e à
tarde e à noite (nos dias em que não tínhamos treino) nós íamos para lá
jogar às damas, xadrez, e aos dados. Eu era um bom jogador de damas, mas
nada que se chegasse à sapiência do Mestre Sr. Martins (que era oficial de diligências no Tribunal da Relação de Luanda) com as suas
jogadas "piro-magneto-trápicas". Eu jogava xadrez mais ou menos bem, e competia muito
com parceiros mais velhos do que eu. Lembro ainda aqui que os filmes do
Cantinflas era sempre muito populares.
O Sporting Clube da Maianga tinha equipas que competiam nos campeonatos e torneios distritais masculinos em futebol, basquetebol, e hóquei em patins, em três níveis - juvenis (14 a 16 anos), juniores (16 a 18 anos), e séniores (mais de 18 anos). O Sporting Clube da Maianga tinha também equipas feminina em basquetebol (juvenis e juniores).
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A equipa de séniores do Sporting Clube da Maianga - atrás - Fernando Costa Pereira, Silvestre, Joaquim, Carlos Abreu, frente - Russo, Artur Araújo, e Víctor Azevedo
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As equipas de hóquei em patins do Sporting Clube da Maianga, tanto em séniores como em juniores, eram muito boas, levando sempre aos jogos um grande número de maianguistas. A equipa de séniores tinha jogadores muito bons (Laurentino, Arménio Jardim, e Ruca) que tinham vindo do Atlético de Moçâmedes, que era de longe a melhor escola de hoquei em patins em Angola desse tempo.
As equipas de futebol e de basquetebol não eram tão famosas. Para o transporte de atletas para treinos e jogos, o clube tinha uma carrinha fechada (van) de marca Commer com capacidade de transportar doze pessoas, das cores do clube (branco e encarnado). Lembro-me bem dos motoristas, o Sr. Guerra (pai da Fernanda Guerra), e o Sr. Araújo (já mais velhote mas muito castiço, natural de Murça, Trás-os-Montes, Portugal.
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Equipa de solteiros em jogo de futebol amigável contra equipa dos os casados, Sporting Clube da Maianga, Maio de 1969 (Topo: Tó Sotto Maior, Graça, Manhente, Caiado, Único (Francisco André), Figueiredo, e Rui. Abaixo: Eu (Helder), Tiago, Artur Herman Araújo, Mizé Araújo, Nelo, e Chope.
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A Odete Silva
Foi ainda nas matinées dançantes de domingo à tarde no Sporting da Maianga que a minha paixão pela Odete Lopes Silva
me deu a coragem para lhe pedir namoro. A Odete era muito bonita e
reservada. Ela era um ano mais nova que eu e jogava basquetebol no
clube. Confesso aqui que não posso esquecer nunca os nossos passeios de namoro com a Odete acima e abaixo da Avenida António Barroso (quase sempre com a companhia da Lurdes!) e o seu vestido azul com bolas brancas e lapelas brancas que lhe ficava tão bem.
Asim, não esqueço nunca a canção Meu Primeiro Amor composta pelos brasileiros Hermínio Gimenez, José Fortuna e Pinheirinho Júnior no ano de 1952 e interpretada por Ângela Maria e Agnaldo Timóteo, durante os anos Sessenta, muito popular nas estações de rádio em Luanda de então:
Saudade, palavra triste
Quando se perde um grande amor
Na estrada longa da vida
Eu vou chorando a minha dor
...
Meu primeiro amor
Tão cedo acabou, só a dor deixou neste peito meu
Meu primeiro amor
Foi como uma flor que desabrochou e logo morreu
...
O seu pai era o Senhor Orlando Lopes da Silva que era vice-presidente (muito activo) da
direcção do Sporting Clube da Maianga. A sua irmã Lurdes e a sua mãe, de
quem lamentavelmente já não me lembro do nome, eram também muito simpáticas. O Sr. Orlando tinha um carro Austin A40 preto, modelo de 1950, que ele próprio tinha restaurado. A família Lopes da Silva vivia primeiro na Avenida António Barroso, mais ou menos em frente aos armazéns Martins & Almeida (Martal), mas mudaram-se mais tarde para o Bairro Popular.
Falando da equipa feminina de
basquetebol do Sporting Clube da Maianga, ainda me lembro de algumas atletas: a Odete, a
Fernanda Caetano, a Nini, a Fernanda Guerra, a minha irmã Dilar, a Isabel Morna, a Mizé
Araújo, a irmã do Genaro Pugliese, a irmã dos irmãos Mendes, a nossa
vizinha Isabel, a Ana Maria Costa, a Carmo (irmã da Nini), e as irmãs Fançony. A equipa tinha como treinador o Nanico, que era muito conceituado em Luanda.
Já que mencionei os Armazéns Martal, lembro-me que uma das famílias (Martins, ou Almeida, já não posso precisar,) ganhou a dez mil contos na lotaria da Santa Casa da Misericórdia, com o que construiram um prédio de apartamentos novo de dez andares na primeira rotunda da Avenida António Barroso, na esquina da rua José Oliveira Barbosa, e rua do Dr. José Maria Antunes.
15. O Gosto Pela Leitura e por Aprender
Eu li nessa altura um livro sobre a famosa viagem de exploração e pesquisa científica de Charles Darwin à volta do mundo entre 1831 e 1836 no navio H.M.S. Beagle,
sob o comando do Capitão Robert Fitzroy. Foi nessa viagem que Darwin
colectou a evidência necessária que deu corpo à sua teoria de evolução
natural tão bem explicada no seu livro "A Origem das Espécies" publicado anos mais tarde em 1859.
Para
além da maravilhoasa descrição da região da Patagónia, da costa oeste da
América do Sul (Brasil, Argentina, Chile, Perú e Equador), e das Ilhas Galápagos, este livro
abriu-me a mente à teoria da evolução natural, que estava em
contraste frontal com as explicações sem fundamento científico contidas
na Bíblia propagadas pela Igreja. Aprendi assim com a viagem de Darwin a
discernir a diferença entre ciência (método científico) e fé (religião). Lembro-me ainda dos estudos que Darwin fez nas Ilhas de Cabo Verde e no Rio de Janeiro quando lá parou na sua viagem de ida.
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Charles Darwin no Rio de Janeiro, em 1832 |
Já
que mencionei algo sobre ciência, Luanda tinha uma "pérola científica":
o Observatório Espacial da Mulemba, situado na estrada do Cacuaco, com
telescópios e equipamento capaz de monitorizar as naves espaciais
americanas e soviéticas que nessa altura tentavam chegar à Lua, aos
planetas vizinhos, e ao espaço sideral. O Observatório da Mulemba foi
fruto do trabalho de uma pessoa extraordinária; o Sr. Carlos Bettencourt
Faria, um autodidata astrónomo amador que com muito trabalho, inteligência e empenho
construiu um observatório espacial em Luanda reconhecido mundialmente.
Eu visitei o
Observatório da Mulemba três vezes e lembro-me que fiquei muito
admirado com o que vi e lá aprendi. Infelizmente, o Sr. Bettencourt
Faria foi barbaramente assassinado em Julho de 1976, vítima do fervor anti-ocidental que reinou no MPLA no periodo
imediatamente após a independência.
Luanda tinha outro observatório, o observatório oficial do governo, mas mais orientado para o clima e previsão do tempo - o Observatório João Capelo - operado pelos Serviços Metereológicos de Angola, que se situava no Beco do Balão, perto do consulado Britânico, e residência do Administrador do Banco de Angola, abaixo do Palácio do Governador-Geral, junto à antiga Rua Diogo Cão.
Na nossa biblioteca em casa, os meus pais tinham um livro pequeno muito especial
que a minha mãe me disse que era proibido. O livro era "Terra Morta", da autoria de Castro Soromenho,
e era sobre a vida pacata e sem espeança no longínquo distrito da Lunda, na perspectiva
indígena. Isso chocou-me, pois não sabia nessa altura qual seria a razão
pelo qual um livro pudesse ser proibido. Como fruto proibido, não
resisti à tentação de o ler.
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O escritor angolano Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910-1968), pioneiro do realismo na literatura angolana |
"Terra Morta" reflecte a perspectiva pessoal de Castro Soromenho da realidade colonial que se vivia na Lunda no tempo de estabelecimento da Diamang, pois ele proprio lá viveu e trabalhou como aspirante do quadro de administração civil e como angariador de trabalhadores africanos para a Diamang no princípio da década de 1930, e descrevia como a vida mudou para os povos Lunda e Quioco com a chegada do regime colonial e da Diamang, como empresa majestática às terras da Lunda.
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O trabalho dos contratados negros da Diamang era extremamente perigoso, tendo muitos morrido em acidentes de trrabalho
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A princípio "Terra Morta" não me cativou em especial, mas reparei que voltava várias vezes a reler secções do livro, pois a perspectiva literária nativa era para mim um mundo novo que me fascinava cada vez mais. Assim passei a conhecer mais a fundo e admirar a obra de Castro Soromenho como única na literatura angolana, pois ele foi para mim a porta que se me abriu na minha juventude para a literatura verdadeiramente angolana e até para a angolanidade. O mundo que Castro Soromenho partilhava comigo era o mundo africano, um mundo que para mim, apesar de viver em África, era escondido pelas autoridades coloniais, desconhecido, mágico, longe da Luanda crioula em que eu vivia, e quase impenetrável, mas absolutamente fascinante.
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Castro Somenho foi o primeiro escritor angolano a denunciar a exploração sagaz e brutal dos contratados negros pela Diamang, tendo por isso pago um preço muito alto pela sua liberdade
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Fernando Monteiro de Castro Soromenho nasceu em Chinde, distrito da Zambézia, Moçambique, em 1910, mas a família veio para Angola quando ele tinha apenas dois anos de idade (1911). O seu pai, Artur Ernesto de Castro Soromenho, foi um notável governador de vários distritos em Angola durante os tempos do Alto-Comissário Norton de Matos, e a sua mãe, Stela Fernançole de Leça Monteiro, era de ascendência caboverdeana.
Ele estudou em Lisboa até ao 5º Ano dos liceus, regressou a Angola em 1925, prosseguindo os seus estudos em Sá da Bandeira (Lubango), tendo sido aluno do historiador Gastão de Sousa Dias, na Escola Primária Superior Artur de Paiva. Com apenas 18 anos de idade, ele arranjou um emprego em Vila Luso (Luena, Moxico) numa agência de recrutamento de contratados negros para as minas da Diamang no distrito da Lunda, onde trabalhou pouco mais de um ano. Entre 1930 e 1936, ele trabalhou no distrito da Lunda como funcionário administrativo (aspirante e mais chefe de posto), onde o seu pai era governador de distrito.
Foi durante este período da sua vida que Castro Soromenho tomou contacto e aprendeu em primeira-mão o quotidiano da vida africana na Lunda, da sua cultura e etnografia, do seu momento histórico (as invasões dos Quiocos e a eventual dissolução do império Lunda), da sua história longínqua, e do novo regime colonial que aí e no vizinho Congo Belga recentemente se havia instalado. Foi também aí que ele entra em contacto de choque com a exploração sagaz e brutal da Companhia dos Diamantes de Angola (Diamang) dos trabalhadores e comunidades do Nordeste da Lunda, que de picareta na mão em regime de trabalho forçado arrancavam das entranhas da terra os diamantes que faziam muitos homens ricos em terras distantes, mas que para eles só traziam violência, opressão, pobreza, dor, e desespero.
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Castro Soromenho, como chefe de posto na Lunda, ca. 1935
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Em 1936, ele abraça a carreira de jornalista em Luanda, onde trabalha para os jornais Diário de Luanda e Província de Angola.
Interesse pela Etnografia e Etno-história dos povos da Lunda
Influência de Henrique de Carvalho
Ele influenciou os mais importantes estudiosos da Lunda, como José Redinha, Mesquitela Lima, e João Vicente Martins
Deixou Angola em 1937 para nunca mais voltar
Perseguido pela PIDE - Perseguição e petulância de Ernesto Vilhenha, administrador delegado da Diamang
Casou com Mercedes de la Cuesta, filha do Cônsul da Argentina em Portugal em 1937, em 1949, logo depois de chegar ao Brasil
O seu papel como jornalista e publicista
Estudioso de renome internacional - lecionou na Universidade de Wisconsin (EUA), Universidade de São Paulo - papel na criação do Centro de Estudos Africanos da USP, e em Paris.
Obra literária. - Influenciado por Jorge Amado, percursor dos neo-realistas portugueses (Geração de Quarenta) - Alves Redol, Fernando Namora, Vergílio Ferreira, e Soeiro Pereira Gomes.
A maior parte da sua obra foi escrita depois de deixar Angola, se bem que o tema continuou sempre a ser relacionado com a vida do preto em Angola e a violência do colonialismo. De facto, CS nunca deixou Angola.
Sua vida no Brasil
Castro Soromenho e a luta de libertação nacional de Angola.
Falecimento em São Paulo em 1968
Castro Soromenho é um dos meus heróis.
Através
dessas e outras obras aprendi que a África era na verdade um continente muito
grande (muito maior do que parecia nos mapa-mundi) e muito diverso com regiões e povos muito diferentes.
Por outro lado, o meu interesse pela História de Angola começou com a
leitura dos muitos livros de Elaine Sanceau sobre a expansão portuguesa no mundo, dos quais se destacavam, "O Infante Dom Henrique", "Os Descobrimentos Portugueses", "Os Portugueses no Brasil", "Capitães do Brasil", "Afonso de Albuquerque", "Dom João Castro", e "Os Portuguese na Etiópia", e do livro Gastão Sousa Dias "E Julgareis qual Será o Mais Excelente..." que tínhamos em casa.
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A grande difusora da epopeia dos Descobrimentos Portugueses, Elaine Sanceau (1896-1978)
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Eu gostava muito de ler a narrativa épica, mas simples, de Elaine Sanceau,
pelo que aos poucos, e à medida que as poupanças me permitiam,
comprei todos os livros da séria completa (a minha primeira colecção
completa!) publicada pela Livraria Civilização, dessa grande mestra em
história da expansão portuguesa no mundo que foi Elaine Sanceau. Foi ela quem abriu para mim as portas ao interesse sobre a expansão portuguesa no mundo e do contacto e interacção entre europeus e povos nativos através do mundo.
Gastão Sousa Dias (nome completo Gastão Adalberto Antunes de Sousa Dias, nascido na cidade de Chaves em Portugal, em 1887 e falecido em Sá da Bandeira em 1955) foi um dos mais importantes historiadores sobre a história dos portugueses em Angola do século XX. Ele foi capitão do Exército Português e viveu em Sá da Bandeira (Lubango) durante muitos anos desde 1918 até à sua morte em 1955, onde foi professor de Português, História, Matemática, e Desenho, no Liceu Diogo Cão (segundo liceu em Angola). Ele nasceu e morreu precisamente nos mesmos anos em que o meu avô Júlio Pinto Correia nasceu e morreu.
A sua obra extensa sobre história de Angola, ou melhor, sobre a história dos Portugueses em Angola, inclui muitos estudos importantes, como "Julgareis Qual Será o Mais Excelente...", "A Batalha de Ambuíla", "Os Portugueses em Angola", "Relações de Angola", "Pioneiros de Angola", "A Cidade de Sá da Bandeira", "Povoamento de Angola", "Os Auxiliares na Ocupação do Sul de Angola", e "O Destino da Grei", e outros estudos. Ele escreveu também ensaios biográficos muito bons sobre muitas personalidades importantes na história de Angola, como Silva Porto, Artur de Paiva, Manuel Cerveira Pereira, Bispo Dom António Barroso, Padre Charles Duparquet, Padre Ernesto Lecomte, Monsenhor Keiling, e José de Anchieta.
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O profíquo historiador Gastão Sousa Dias (1887-1955)
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O meu encanto por África cresceu com a leitura ainda cedo da biografia de Albert Schweitzer e a sua obra no hospital de Lambarené, no Gabão, e de dois livros muito interessantes de Fernando Laidley "Roteiro Africano" e "Missão em África"
que relataram a primeira incrível viagem de automóvel à volta do
continente
africano num Volkswagen "Carochinha" em 1956, e dois anos mais tarde a única
viagem de automóvel
ligando as províncias portuguesas no continente africano (Guiné, Angola,
e Moçambique) num carro de marca Ford
Taunus, de fabrico alemão. Os livros de Fernando Laidley eram fáceis de
ler, pois eram cheios de aventura e tinham muitas fotografias dos muitos lugares exóticos que visitou.
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Desenterrar o VW no deserto do Kalahari Uma gravura da viagem de Fernando Laidley à volta de África no seu livro "Roteiro Africano", 1958
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Nessa ltura também que li a biografia de
Fernão de Magalhães, o famoso navegador português primeiro a dar a volta ao mundo, escrita por
Stefan Zweig a partir dos diários de
António Pigafetta. O feito de Fernão de Magalhães é de facto um dos maiores feitos (senão o maior e mais difícil) de exploração na história da humanidade. Contra tudo e contra todos, Fernão de Magalhães continuou fiel ao que pensava e acreditava. Embora uma personalidade reservada, ele foi um líder extraordinário que grangeou o respeito e a admiração de todos, e é hoje o português mais reconhecido no mundo (talvez com a excepção de CR7 Ronaldo...).
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A rota da incrível primeira viagem à volta do mundo (1519-21) de Fernão de Magalhães (1480-1521)
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Após ler a história da sua vida e a descrição da sua incrível viagem de circum-navegação, Fernão de Magalhães
ficou a ser uma das personagens históricas que mais admirei na vida; de facto, ele passou a ser o meu herói para o resto da minha vida, e de ter orgulho em ser português. Deste livro recordo em especial o parágrafo da oração fúnebre de Pigafetta após a morte de Fernão de Magalhães na Ilha de Mactan, nas Ilhas Filipinas, em que retrata o amor, a admiração, e o respeito que toda a tripulação tinha por ele.
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O escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942)
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Stefan Zweig foi um escritor austríaco de origem judaica que escreveu muitos livros de grande popularidade nos anos Trinta, Quarenta e Cinquenta do século passado, dos quais acabei por ler toda a sua obra, e que destaco as biografias de Maria Antonieta, Raínha Maria da Escócia, e Américo Vespúcio, e as suas obras "O Mundo de Ontem", "Os Grandes Momentos da Humanidade", e "A Marcha do Tempo", que foram best-sellers no seu tempo.
Infelizmente, descoroçoado com a expansão do nazismo no mundo, Stefan Zweig e sua esposa fugiram da Áustria e da Alemanha e refugiaram-se na Inglaterra, mudando mais tarde para o Brasil, onde, desiludidos com o expandir do fascismo no mundo, acabaram por se suicidar ambos na cidade de Petropólis, no estado do Rio de Janeiro, em 1942.
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Morte de Fernão de Magalhães, na Ilha de Mactan, Filipinas, 1521 |
Já mais perto da minha vivência quotidiana em Luanda, li o livro "Luanda, Ilha Crioula" de Mário António
(Mário António Fernandes de Oliveira), que foi uma figura erudita na década de Sessenta em Angola, que
me ajudou a compreender melhor o mosaico cultural diverso que era Luanda
desse tempo, e me revelou a "ilha" crioula que Luanda era no contacto e
cruzamento de culturas.
Em parte encorajado pela leitura desta importante
obra de Mário António, li quase toda a obra de Óscar Ribas, com ênfase em Missosso (três volumes), Izomba, Uanga, Sunguilando, e Quilanduquilo, que hoje guardo como grande tesouro. Foi através da pena de Óscar Ribas que eu aprendi quanto viva e rica era a cultura tradicional luandense.
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O grande sociólogo de Luanda colonial Óscar Ribas (1909-2004) |
Óscar Bento Ribas foi sem dúvida o mais importante autor em estudos de folclore, ensaísta, e escritor luandense do século XX. Filho de pai português e de mãe angolana, ele nasceu em Luanda a 17 de Agosto de 1909. Cresceu em Luanda num universo crioulo onde os vectores culturais português e angolano se cruzavam em todo o lado e a todo o momento. Estudou a instrução primária no Seminário Maior de Luanda, e ensino secundário até ao 5º ano no Liceu Salvador Correia. Já um jovem adulto completou os seus estudos em práticas comerciais em Portugal, nas cidades da Guarda e Lisboa.
Ele viveu a maior parte da sua vida em Luanda, mas também viveu noutras cidades em Angola, como Benguela, Novo Redondo (Sumbe), Salazar (Ndalatando), e Silva Porto (Kuito). Durante alguns anos, ele foi funcionário público, trabalhando nos Serviços de Fazenda e Contabilidade.
Devido à progressão da retinite pigmentária ocular que sofria desde a sua juventude, uma doença genética ainda sem cura, Óscar Ribas acabou por perder a visão aos 36 anos de idade, tendo sido auxiliado durante o resto da sua vida de produção literária pelos seus irmãos Mário e Joaquim Ribas.
Óscar Ribas começou a escrever ainda muito novo, enquanto estudante do Liceu Salvador Correia (ainda no antigo edificio na Avenida do Hospital), publicando inicialmente três novelas: "Nuvens que Passam...", em 1927, "O Resgate Duma Falta", em 1929, e "Flores e Espinhos", em 1948.
Neste esforço de aprender mais sobre o folclore luandense, ele contou com a ajuda preciosa de cinco informantes luandenses como sua mãe Maria da Conceição Bento Faria, Adelina João Rodrigues, Rita Manuel, Maria Câncida Camacho, e Virginia Francisco Santos, que o acompanharam na pesquisa e recolha de elementos durante muitos anos.
O seu interesse em aprender tudo sobre o universo cultural luandense
levou-o a pesquisar a fundo o folclore, a literatura e tradição oral,a
língua, as canções, a música, as danças, a sabedoria popular, e a
religião e filosofia tradicionais da Luanda crioula.
Depois de um interregno de cerca de vinte anos, e devido à progressão da sua cegueira, Óscar Ribas deixou o romance em 1942 e virou-se para a reprodução literária de contos e estórias tradicionais, romance folclórico luandense, canções e danças populares, adivinhas, provérbios, superstições e lendas, sincretismo religioso, gastronomia, farmacopeia e etno-botânica, etiqueta, vida conjugal, vida familiar, educação, vida associativa e recreativa, desfile de danças e carnaval, e instantâneos da vida africana luandense.
Em todas as suas obras ele usou o kimbundo vernáculo e a correspondente tradução em português de canções, ditados, e provérbios, bem como de fotografias originais de eventos como bailes tradicionais (massemba) e desfiles (carnaval), chegando assim a oferecer uma descrição muito rica e pormenorizada da vida social luandense.
Com o intuito de dar ao leitor a melhor compreensão possível, Oscar
Ribas, incluiu no final da maioria das suas obras um elucidário onde
explicava em detalhe o significado de certos termos kimbundo, ou de
gíria popular luandense.
Óscar Ribas tinha o dom de descrever situações quotidianas de tal forma clara e viva que fazia o leitor sentir que estava a viver o momento real dentro do universo que estava a ser descrito. Ele narrava com fidelidade o dia-a-dia da vida e o universo mental africano e português, bem como as relações raciais entre os mesmos. O seu objecto de estudo e descrição foi a vida na Luanda crioula, não Angola no seu todo, e nem tanto o universo Ambundo do interior da bacia do Quanza, apenas Luanda crioula.
A sua produção literária é extensa, e inclui clássicos da literatura angolana como "Uanga - Feitiço" (romance folclórico, 1969), "Ecos da Minha Terra Natal" (dramas angolanos, 1952), "Ilundo" (ritos e divindades angolanas, 1958), "Missosso"(literatura tradicional angolana, em três volumes, 1961, 1962, e 1964), "Alimentação Regional Angolana" (1965), "Izomba" (associativismo e recreio, 1965), "Sunguilando" (contos tradicionais angolanos, 1967), "Quilanduquilo" (contos e instantâneos, 1973), e a sua autobiografia "Tudo Isto Aconteceu" (romance autobiográfico, 1975). A sua década mais produtiva foi entre os cinquenta e sessenta anos de idade.
Em 1983, Óscar Ribas foi viver para Portugal, onde publicou mais duas obras importantes "Cultuando as Musas" (1992), e "Dicionário de Regionalismos Angolanos" (1994).
Durante a sua longa vida Óscar Ribas foi galoardoado com os mais prestigiados prémios e distinções, títulos honoríficos, e homenagens do maior reconhecimento internacional, não só em Angola, como em Portugal, no Brasil, e noutros países.
Óscar Ribas faleceu aos 94 anos de idade num lar de terceira idade em Estoril, Cascais, a 19
de Junho de 2004. As suas cinzas foram mais tarde transladadas para o
Cemitéio do Alto das Cruzes em Luanda, panteão onde descansam os restos mortais dos angolanos mais ilustres.
Em evocação e memória à pessoa que foi e à extraordinária obra que deixou, o seu nome foi dado a uma escola no Cazenga, em Luanda, à Universidade Óscar Ribas, também em Luanda, à Fundação Óscar Ribas, e à Casa Museu Óscar Ribas, bem como a ruas em cidades em Angola e em Portugal. Em 1983 ele doou a Angola a sua residência em Luanda com todo o seu precioso espólio que são hoje base para a Casa Museu Óscar Ribas. Ele foi também um grande arauto defensor do apoio a pessoas cegas ou afectadas por deficiências visuais.
Ainda no tópico de universo crioulo e de relações raciais em Luanda, devo dizer que foi através dos escritos de Mário António
sobre o fenómeno social da cultura crioula luandense que eu acordei à evidência
de que foi o impacto global da exploração marítima dos Portugueses que levou ao contacto
entre muitos povos espalhados pelo mundo.
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Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1989) notável ensaista, poeta, historiador, e sociólogo angolano
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Mário António Fernandes de Oliveira, meu conterrâneo de Maquela do Zombo, foi um nacionalista, poeta, sociólogo, e investigador importante de história de Angola. Além do seu livro mais original "Luanda Ilha Crioula", ele coordenou a publicação da série monumental "Angolana - Documentação Sobre Angola" em três volume, publicados pelo Instituto de Investigação Científica de Angola (IICA) e o Centro de Estudos Históricos Ultramarinos (CEHU) que revelou ao público muitos documentos históricos inéditos entre os anos de 1783 e 1887. Ele publicou ainda alguns livros de poesia.
Mário António foi um nacionalista ferrenho que desde muito cedo lutou
afincadamente contra o sistema colonial. Com Viriato Cruz, António
Jacinto e Ilídio Machado, ele foi um dos fundadores do Partido Comunista
de Angola em 1955. Ele sofreu nas cadeias da PIDE, mas foi libertado
mais tarde. Contudo, a sua tese de crioulidade de Luanda, o seu regresso
à vida cultural de Luanda (em vez da fuga para o estrangeiro como muitos outros),
adicionado ao facto de que trabalhou durante alguns anos para
instituições portuguesas de investigação histórica, vieram todas a
grangear-lhe um doloroso ostracismo pelos movimentos nacionalistas, que
chegaram ao ponto de o chamar traidor à causa nacionalista. Felizmente,
nos últimos anos esta injustiça foi um tanto mitigada, e o valor do seu
trabalho e a justiça da sua memória foram um pouco
restabelecidos.
Na sua importante obra "Luanda Ilha Crioula", Mário António avaçou a ideia de que mercê de séculos de contacto entre a cultura africana e a portuguesa, Luanda era uma "Ilha Crioula". Eu concordo com a sua ideia, mas eu penso que tal se limitava a Luanda somente e não ao resto de Angola. De facto, Luanda era a cidade em que o fenómeno da crioulidade estava mais enraizado e era mais evidente, como se pode ver na obra de Óscar Ribas, mas à medida que se ia para o interior e para sul, a crioulidade depressa se esbatia. Pelas mesmas razões eu penso que Benguela e Catumbela eram uns "ilhéus crioulos" (não ghegava a uma ilha), mas à medida que íamos para sul encontrávamos Lobito, Sá da Bandeira (Lubango) e Moçâmedes (Namibe) que era a cidade mais "branca" de Angola, e para o interior (Nova Lisboa (Huambo) e Silva Porto (Kuito), que eram cidades mais europeias onde o contacto de culturas e a misceginação genética entre africanos e europeus era menor e mais recente.
Cabe-me referir aqui que em 1969 o Tó Soto Maior deu-me um livro precioso sobre a História de Amgola - Nótulas Históricas, da autoria de Alberto de Lemos, (Alberto Jorge Júdice Ferreira de Lemos era o seu nome completo) e edição do CITA, que por várias razões acho importante. Foi o primeiro livro que li dedicado exclusivamente à História de Angola que foi escrito por um angolano (designado como "angolense" nesse tempo), se bem que ainda sob o tema da história dos portugueses em Angola, mas que descrevia de uma maneira muito clara e cativante o que era a vida quotidiana das famílias mais destacadas de Luanda nas últimas décadas do Séc. XIX e primeiras do Séc. XX. Alberto de Lemos foi o fundador dos Serviços de Estatística de Angola (originalmente Repartição de Estatística Geral de Angola), e chefiou os trabalhos do primeiro Censo Populacional de 1940. Ele (com o Monsenhor Alves da Cunha) desempenhou também um papel essencial na colecção e publicação dos "Arquivos de Angola", e na fundação do Museu de Angola.
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O historiador e cronista Alberto Ferreira de Lemos (1893-1977), arauto angolense na pesquisa histórica
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Alberto Lemos contribuiu com muitos artigos sobre história de Angola na a imprensa luandense do seu tempo (o jornal A Província de Angola), e escreveu também alguns contos sobre Loanda Antiga, dos quais destaco "Marinela, a Mulher da Moda" que foi uma descrição da derrocada dramática da famosa família Lencastre de Loanda antiga, incluído na sua obra "Nótulas Históricas". Os textos de Alberto de Lemos são claros na sua angolanidade genuína (e até de desdém sobre os novos colonos portugueses analfabetos), especialmente se tivermos em conta que foram escritos como um grito de resistência no auge da opressão do novo regime colonial e já policial do Estado Novo (1930-1945).
Voltando ao fenómeno colonial numa perspectiva mundial, é certo que este contacto dos povos nativos com colonos/emigrantes europeus levou
à exploração económica desenfreada dos povos nativos pelas
nações europeias (imperialismo), o que invariavelmente levou a conflitos graves entre
esses povos e a hegemonia europeia/ocidental (guerras coloniais e
mundiais), que ainda hoje se travam no mundo. É a esta espiral histórica
do colonialismo (exploração marítima - contacto - exploração económica -
conflito) que eu chamo de furacão colonial.
Comecei assim a compreender
que o sistema colonial é na sua essência baseado na extinção da cultura nativa, no roubo da terra e das riquezas naturais, na apropriação do trabalho indígena, na opressão - o colonizado não é cidadão (é força de trabalho) - e na
violência (ocupação militar e castigos duros para faltas leves).
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Os vetustos claustros do Liceu Salvador Correia |
16. Liceu Nacional Salvador Correia
Findo o 5º Ano no Liceu Paulo Dias de Novais, eu entrei para o Liceu Salvador Correia em 1967. Entre os mundos das humanidades e das ciências no Liceu Nacional Salvador Correia,
os alunos da Alínea "G" tinham certas disciplinas com os cursos de
línguas (românicas e germânicas), ciências
histórico-filosóficas e direito (História), e outras com os alunos de
ciências e arquitectura (Geografia e Matemática), sendo as disciplinas
de Filosofia e OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação)
comuns a todas as alíneas do terceiro ciclo, o que me permitiu conhecer muitos colegas e fazer
muitas amizades de um universo mais alargado de estudantes e professores.
Recordo aqui que havia uma certa concorrência entre os alunos de Direito e Economia, pois tínhamos três disciplinas comuns (História, Filosofia, e OPAN), mas como sempre, os alunos de economia eram melhores (não esqueço aqui o que o provébio "Presunção e água benta, cada qual toma a que quer...). As salas de aula eram na parte nova do Liceu, junto à escola preparatória. Os melhores alunos da nossa turma de Ciências Económicas e Financeiras (Alínea G) eram a Margarida Chagas Lopes e o José Luís Seara de Morais. Não esqueço que a chefe de turma era a nossa colega Judite Villa Lobos, que desempenhou um excelente trabalho.
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Vista do Liceu Nacional Salvador Correia em ca. 1950, note-se atrás o Bairro do Café com muitos terrenos ainda vazios à volta
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Lembro aqui as professoras Dra. Teresa Velhino (de Inglês), a Dra. Piedade
(de alcunha Periquita, de Filosofia), a Dra. Graça Prata (de História), e Dr. Catarino, o notável professor de filosofia e OPAN no 7º ano. Adorei todas as disciplinas
(História, Geografia, OPAN, Matemática, Inglês, e Filosofia), em
especial História, Geografia e OPAN (Organização Política e
Administrativa da Nação) em que eu era um dos bons alunos na turma.
A nossa professora de Geografia era a Dra. Ondina Amarelo Cruz, que penso que era natural de Cabo Verde (não estou completamente certo), que nos fez gostar ainda mais de cosmografia, e geografia física, económica, e humana. O tópico de cosmografia, que eu adorei, era um dos ramos dentro da astronomia, não era de fácil compreensão mas dava azo a uma ginástica mental muito mais ampla.
No Sexto Ano fui escolhido para fazer parte da turma experimental de Matemática Moderna
no Liceu Salvador Correia - havia outra turma mista no Liceu D. Guiomar
de Lencastre lecionado pela Dra. Maria Estefânia Marques - que muito me ajudou a aprender a trabalhar melhor com os
meus neurónios. Lembro aqui com muita saudade a figura do Dr. José Cândido Vinhas Novais, que como professor da turma de Matemática Moderna despertou em nós o interesse pela matemática não convencional.
Foi um privilégio muito grande para mim ter sido escolhido para a turma especial de Matemática Moderna no 6º e 7º anos. Para além do currículo conventional de matemática para o 3º Ciclo, nós aprendemos um campo de matemática muito mais amplo, incluindo lógica matemática, teoria de conjuntos, teoria de grupos, aneis e isomorfismos, números complexos, álgebra de Boole, topologia, teoria dos números, análise combinatória, introdução à estatística e teoria das probabilidades, teoria dedutiva dos números naturais, cálculo vectorial, transformações e isometrias, matrizes, e álgebra linear, e cálculo infinitesimal (derivação, diferenciação, e equações diferenciais).
O programa de matemática moderna ajudou-me muito mais tarde na Faculdade de Economia da Universidade de Luanda e durante a vida fora, pois além de poder manipular facilmente símbolos e números, com ele aprendi a compreender melhor a matemática como uma ciência e uma forma de linguagem, e a trabalhar melhor com conceitos muito mais complexos de modelos no tratamento matemático da economia.
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A minha Certidão de Habilitações Literárias confirmando eu ter completado o 3ª Ciclo dos Liceus (7º Ano) no Liceu Nacional de Salvador Correia, em 1970
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Escrevi nesse ano o meu primeiro artigo (uma resenha biográfica) sobre o
Barão Pierre de Cubertin e os jogos olímpicos modernos que foi publicado no nosso saudoso
jornal "O Estudante", orgão dos alunos do Liceu Nacional Salvador Correia
,
que despertou em mim o gosto (mais tarde paixão) por escrever. Já que menciono aqui o jornal "O Estudante", tomo a liberdade de referir o artigo que escrevi em 2003 "
Cidadão do Mundo", sobre a questão da minha "nacionalidade" universal, que sugiro a sua leitura.
Nesse ano ainda, comecei a ajudar em matérias administrativas no
conselho técnico do Sporting Clube da Maianga, sob a direcção do meu
grande amigo e mentor Sr. Carlos Morais, funcionário dos Caminhos
de Ferro de Angola e membro da direcção do clube (Secretário). Tornei-me assim o
dirigente desportivo mais jovem acreditado nas associações provinciais
de futebol, basquetebol, e hóqei em patins. Eu devo muito ao Sr. Morais,
pois foi ele quem me orientou e ajudou como fazer o meu trabalho, e foi um mentor para mim uma idade de grandes riscos. O Sr.
Morais era casado com a Dona Dina e não tinham filhos. Ambos eram um casal de referência de participação social e um modelo para nós todos seguirmos.
O Sr. Renato dos Santos, que era funcionário dos CTT (Correios,
Telégrafos e Telefones) também me ajudou muito no desempenho desta
responsibilidade. O Sr. Renato tinha perdido um braço num acidente ainda
cedo na vida, mas mesmo assim e já não jovem, ele atravessava a Baía de
Luanda a nado, só com um braço; a quem muito devo a ambos como
aprendiz, o que me permitiu lidar com atletas de todas as categorias
sociais, e de me aperceber de mais perto da diferença entre os dois
mundos em que se dividia as sociedades luandense e portuguesa de então.
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Alunos na Biblioteca do antigo Liceu Nacional Salvador Correia, 1969 |
Ainda
no Sexto Ano do liceu estive em casa doente cerca de dois meses com
febre tifóide o que me deu a oportunidade de ler muitos livros dos meus
pais, dos quais destaco "As Vinhas da Ira" de John Steinbeck,
uma obra de um realismo social intenso que me marcou sobremaneira,
baseada na experiência da Grande Depressão Económica na América nos anos
Trinta, em como uma família (a família Joad) de trabalhadores agrícolas (os Oakies),
vítimas de uma exploração atroz nos campos de algodão do Olklahoma, tinha perdido todos os seus parcos
haveres devido à crise económica de 1929-32 e exploração desenfreada dos donos da terra, banqueiros, e elites económicas,
e decidira emigrar para a terra prometida das plantações de frutas no Vale de Salinas na Califórnia, mas que nessa
jornada ia sendo destruída aos bocados, e com heróica dificuldade
sobreviveu a pobreza e exploração implacável do estado, dos bancos e dos
grandes proprietários da terra na Califórnia de então. O livro acaba com um quadro dramático de horror e ao mesmo tempo de esperança, quando a filha mais velha da família Joad, acaba de dar à luz um bebé nado-morto, e amamenta com o seu leite um homem que estava agonizando de fome.
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Poster do filme "As Vinhas da Ira" baseado no livro publicado em 1939 de John Steinbeck, Prémio Nobel da Literatura em 1962
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Li ainda todas
as Selecções do Reader’s Digest desde que tinham começado a serem
publicadas em língua portuguesa no Brasil (que os meus pais assinavam há alguns anos),
li anos e anos de edições do Almanaque Bertrand que tínhamos em casa, e li e reli muitas vezes quase todos os artigos do volumoso e velho "Dicionário Universal Lello" que tínhamos herdado do nosso avô.
Não esqueço ainda as muitas páginas de publicidade nas Selecções do
Reader´s Digest (edição brasileira) dedicadas ao esforço de desenvolvimento económico e
social do Nordeste do Brasil entre 1962 e 1964, liderados pela SUDENE
(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. A SUDENE era liderada pelo grande
economista brasileiro Celso Furtado) que despertou em mim o interesse
pela economia política dos países subdesenvolvidos, pela exploração colonial e enriquecimento da
Europa e dos Estados Unidos, pelo subdesenvolvimento dos países pobres, pelo estudo em
como analizar e superar o estado de pobreza de um país, pela intervenção estatal na economia, e pelo papel que o planeamento económico pode desenvolver em superar o subdesenvolvimento através da industrialização acelerada, o que me levou a escolher o
estudo desses temas de economia mais tarde na universidade e durante o
resto da minha vida.
Com o navegador português Fernão de Magalhães, o cientista inglês Charles Darwin, o matemático e pensador português Bento Jesus Caraça, e o escritor angolano Castro Soromenho, o grande economista brasileiro Celso Furtado juntou-se ao panteão das figuras que mais havia de admirar na vida, não só pelo exemplo das suas vidas, mas também pelos ideais e valores que se bateram e avançaram. Eles são os meus heróis.
Dos artigos que li nas Selecções do Readers' Digest, não esqueço a biografia de Charles Proteus Steinmetz, um génio corcunda alemão, engenheiro electro-técnico de formação, que fez grandes descobertas e invenções no campo da electricidade (das quais a currente alternada) nos princípios so século XX (trabalhando com Thomas Edison e Nikola Tesla), e que despertou em mim o interesse pela história da inovação e invenção tecnológicas e do progresso da tecnologia.
Com menor impacto na minha vida lia também muitos artigos que eram de facto livros condensados de obras importantes editadas na altura, como "Tora Tora" (a história do ataque japonês a Pearl Harbour, nas Ilhas Hawaii em 1941, a história da batalha de Midway, no Pacífico Norte em 1942, e até a obra de propaganda da ditadura militar brasileira "O País que se Libertou a Si Mesmo" que descreveu o golpe de estado e consequente ditadura militar brasileira em 1964, que infelizmente havia de durar até 1988.
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Luanda, trecho da Avenida Marginal, 1965 |
Deste
período de repouso declarou-se oficialmente o meu interesse por livros e
pela leitura, embora já desde muito jovem gastasse em livros o pouco
dinheiro que com dificuldade amealhava, e o meu fascínio pela história
como registo da experiência de sociedades e mundos passados. Recordo
aqui o papel crítico que o Tó Soto Maior desempenhou em
aproximar-me ainda mais dos livros com a dávida de dezenas de livros do CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola - onde ele trabalhava) e da Agência Geral do Ultramar
sobre Angola e
sobre a história de Portugal Ultramarino, etnografia e história de
Angola, e incluindo a valiosa revista "O Turismo", que tenho a colecção quase completa.
Cabe-me ainda
mencionar aqui que frequentei poucas vezes a Biblioteca Municipal de
Luanda, que estava instalada no edifício da Câmara Municipal de Luanda acima do
largo da Mutamba e perto da Igreja do Carmo. A biblioteca municipal era um lugar muito formal, um tanto escondido e pouco cativante, sem
muita luz, que "cheirava a erudito", e em que não se podia fazer barulho, mas que tinha uma
quantidade impressionante de livros guardados em prateleiras de vidro
que enchiam as paredes altas até quase ao teto.
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Quem adivinha esta rua de Loanda Antiga? Um dos edifícios (qual?), ainda que um pouco modificado, ainda existia em 1975. |
No ano em que repeti o Sétimo ano só tinha duas disciplinas (Matemática e
Inglês) eu trabalhei na Secretaria da Fazenda do 1º Bairro Fiscal de
Luanda, na Mutamba, e eu e o Luís Delgado vivemos na casa da
família Morais (Sr. Alfredo, Dona Lena, e Tommy Morais) que tinham ido
passar licença graciosa a Portugal.
Nota - A licença graciosa era um benefício de emprego pelo qual a maioria dos funcionários públicos em Angola tinham direito a ir passar seis meses de férias pagas com a família a Portugal de cinco a cinco anos.
A casa da família Morais era um apartamento muito bom e amplo situado no primeiro andar de um prédio pequeno de três andares, com vistas para a Baixa de Luanda, localizado na Rua Pedro Nunes, ao fundo da rampa do Liceu Salvador Correia, do lado esquerdo (para quem vai para baixo), à frente da Cooperativa dos Empregados das Companhias de Petróleo (Coopetrol).
Durante esse
período eu ia almoçar e jantar ao Restaurante Tonga, uma esplanada para comensais muito arborizada
que se situava atrás da sede do Instituto do Trabalho e perto da sede do
Sindicato dos Motoristas, junto à esquina das ruas Conselheiro Júlio de
Vilhena e Engenheiro Artur Torres (entre a Avenida do Hospital e o Largo
Serpa Pinto).
Em 1970 eu acabei o Sétimo Ano do liceu e fiz o exame de aptidão às
universidades portuguesas em Portugal Continental,
já que não havia ainda uma faculdade de Economia na Universidade de
Luanda. O exame de aptidão foi só sobre Geografia, pois dispensei a Matemática. Eu lembro-me que estudei muito para este exame, e que acabei
por
dispensar à prova oral (só fiz a prova escrita), e que em mais de 150
examinandos, só três dispensámos à prova oral. Talvez ainda mais do que
eu, o meu Pai ficou muito feliz com o feito e celebrou-o com muita
alegria quando telefonei para Cabinda a dizer os resultados do exame.
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A colónia de Férias da Ilha de Luanda, da Mocidade Portuguesa
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Durante os meus três primeiros anos na Universidade de Luanda, fiz parte da equipa de remo da Mocidade Portuguesa,
da qual era timoneiro, e que me deu a oportunidade de visitar o Lobito e
Moçâmedes várias vezes nos campeonatos provinciais de remo, nos quais
fomos campeões de Angola em alguns. Eu sempre gostei muito da praia e do mar, mas a
prática de um desporto náutico nas tardes de fim-de-semana sob a calema
(brisa) da Baía de Luanda, que eu haveria de conhecer tão bem, foi para
mim uma das actividades das quais guardo as melhores recordações.
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Uma boa tarde de sábado no Pavilhão Náutico da Mocidade Portuguesa na Ilha de Luanda |
Como
mencionei anteriormente, a nossa família era remediada, e qualquer
ajuda para aliviar o orçamento familiar era bem vinda. Assim, desde cedo
trabalhei nas férias grandes, o que não era normal nesse tempo.
Trabalhei durante dois períodos de férias grandes na Proquímica (a maior firma importadora de produtos farmacêuticos em Angola), um ano na firma Rocha Monteiro Lda. (importação
e comercialização de equipamento para fotografia, relógios, e óptica), e
no meu último ano do liceu na trabalhei na Secretaria de Fazenda do 1° Bairro Fiscal (no
rés-do-chão do prédio dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, na
Mutamba, hoje Ministério das Finanças).
Por motivos de saúde, nos últimos três anos da
universidade fui passar as férias grandes (de Junho a Setembro) a
Cabinda com os meus pais e irmãos. Cabe-me ainda dizer aqui que muitos amigos da minha idade que viviam na Maianga deixaram de estudar para trabalhar e ajudar a família muito cedo na vida.
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Largo da Mutamba, coração de Luanda, 1962
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O
cinema, como forma de arte e comunicação social, desenrolou um papel
fundamental na formação da juventude luandense da década de 1960, pois
ainda não havia televisão em Angola. Como atleta do Sporting Clube da
Maianga, eu tinha entrada grátis nos filmes lá apresentados, pelo que vi
muitos filmes durante esse tempo (em média dos a três por semana), ao
que devo adicionar os filmes que via noutras casas de cinema em Luanda.
Como forma de arte que combina simbioticamente a história, a imagem, e o
som, o cinema na Luanda do meu tempo era a forma de arte e
entertenimento preferida pela maioria dos jovens. Dos muitos filmes que
vi, alguns eram tão bons que deixaram em mim um impacto memorável até
aos dias de hoje.
Filmes que me Encantaram
No cinema
do Sporting Clube da Maianga vi um filme que me ficou na memória para o
resto da minha vida. O filme foi “O Livro de San Michele” que foi uma adaptação
ao cinema feita em 1963 do livro com o mesmo título muito popular de Axel
Munthe publicado em 1929, quando já tinha 71 anos de idade. É interessante referir que "O Livro de San Michele" foi o primeiro livro da popular e monumental Colecção Dois Mundos da Edição Livros do Brasil. Mais tarde, como
não podia deixar de ser, li o livro, que me encantou ainda mais. O livro é uma
autobiografia muito pessoal e íntima em que factos vividos de uma vida simples e
relativamente pacata se misturam com sonhos
e receios, situações hilariantes, e com filosofia de vida, mas que são
todos descritos com grande simplicidade, franqueza, e humanidade
infinita. Do filme,
lembro-me em particular da beleza da ilha de Capri, da vila San Michele,
e
da cena muito vívida da epidemia de cólera que grassou a cidade de
Nápoles em 1884, na qual
Axel Munthe tomou parte como médico ainda jovem.
Axel Munthe
foi um médico sueco que exerceu medicina em Paris e em Roma na ultima década do
século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, que assistiu doentes de
todas as condições sociais Na sua primeira visita à Ilha de Capri, ao largo da costa
de Itália, quando tinha apenas dezassete anos e ainda estudante de medicina, Axel
Munthe apaixonou-se de imediato com a beleza da ilha de Capri, a vila de
Anacapri, e a vida pacata mas interessante que se vivia na ilha.
Em especial,
ele apaixonou-se pelas as ruínas de uma capela muito antiga já em avançado estado
de decomposição, mas mostrando ainda as maravilhosas linhas arquitectónicas de
épocas há muito vividas. A capela tinha em tempos idos sido dedicada ao arcanjo
São Miguel (San Michele), que por sua vez tinha sido construída sobre as
ruínas da vila do Imperador Tibério no tempo do império romano. De imediato ele
abraçou o sonho de comprar a capela em ruínas, restaurá-la para que pudesse
viver lá, e por fim lá residir para o resto da sua vida (mais cinquenta e seis
anos).
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Capa
do livro "O Livro de San Michele", de Axel Munthe, editado em portguês
em Lisboa pela Editora Livros do Brasil, Primeiro livro da Colecção Dois
Mundos
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Em breve
ele completou os seus estudos em medicina e abriu um consultório em Paris e
mais tarde outro em Roma. Como médico de renome em Paris e em Roma, e em especial,
como médico particular da Raínha da Suécia, em pouco tempo ele ganhou o
suficiente para comprar a propriedade ao Maestro Vincenzo, que morava na
vizinhança.
Como disse
acima, o livro é uma autobiografia de Axel Munthe, mas é também muito mais do
que isso. É uma alegoria à vida, a valores humanos, e ao sentido profundo de humanidade. Lembro-me
do afecto que Axel Munthe tinha por animais, em especial pelo seu cão Jack e a
sua burra Violetta. Para mim, o Livro de San Michele, ensinou-me a importância
que o sonho tem na nossa vida, e quanto importantes são os valores humanos que nos
guiam por esta viagem terrena, e como tal, ajudou-me muito como timoneiro nas
escolhas que tive que fazer ao longo da vida.
Não esqueço ainda o impacto que o filme West Side Story
teve na juventude de Luanda do meu tempo. O filme estreou-se em Luanda
em 1962 com grande êxito, pois tocava num ponto fundamental da sociedade
angolana - o contacto, ou melhor, a colisão de culturas, que nós
interiorizámos como se fosse a nossa situação. A história é um tanto
como uma tragédia de Shaskespeare adaptada para Nova York durante os
anos de 1950s, pois foca num desafio de juventude (o gangue dos "Jets" (brancos) contra os "Sharks"
(Portoriquenhos) e a paixão proibida entre Tony (Richard Beymer) e
Maria (Natalie Wood), e o magnífico papel de Rita Moreno, a
cinematografia, a música (o filme é de facto um musical), e a qualidade
de actores fizeram deste filme um dos mais memoráveis para mim.
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Cena do filme West Side Story, da canção "Tonight" sobre o amor proibido entre Tony e Maria
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Mais perto do caso pessoal da nossa família, lembro-me que vi e re-vi o filme "E Tudo o Vento Levou"
- uma história pungente de romance escrito por Margaret Mitchell e
passado na Guerra Civil Americana
(entre 1861 e 1865), no fim do regime de escravatura nos Estados
Confederados do Sul, que a minha Mãe se referia com frequência.
A estória é sobre a derrocada do sistema de escravatura de plantação (a
Fazenda Tara, na Geórgia, um dos Estados Confederados do Sul) e as
transformações radicais que trouxe para quem as viveu, não muito
diferente da queda do sistema colonial em Angola que veio a acontecer um
século depois.
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O pôr-do-sol (fim) da fazenda de plantação Tara no filme "E Tudo o Vento Levou"
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Este filme impressionou-me sobremaneira, não só pela história, mas também pela mestria dos actores (Vivian Leigh como Scarlett O'Hara, Clark Gable como Rett Butler, Leslie Howard como Ashley Wilkes, e Olivia De Havilland como Melanie Hamilton), e Hattie McDaniel (como a criada escrava Mammy,
desempenho pelo qual ela ganhou o óscar para melhor actora em papel de
suporte, e a primeira actora americana de ascendência africana a ganhar
um óscar) e qualidade da cinematografia (uma obra magistral do
realizador David Selznick).
Na verdade, "E Tudo o Vento Levou" ajudou-me a compreender
melhor a razão porquê e aceitar o facto de que a nossa família não havia
de voltar jamais à Damba e à nossa Roça Novo Fratel, lugares que
tanto amava. A Roça Novo Fratel tinha sido estabelecida pelo meu Avô em
1935 e situava-se nas fraldas da Serra do Cusso, a sudeste da Serra da
Canda, já entre o Quibocolo uma pequena povoação perto de Maquela do
Zombo, minha terra natal, e São Salvador (hoje Mbanza Kongo), no coração
do Antigo Reino do Congo.
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Poster do filme "O Doutor Jivago"
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Mais tarde, quando já andava na Universidade de Luanda, eu vi o filme "Doutor Jivago" estreado em 1965, e baseado no livro do grande escritor russo Boris Pasternak,
premio Nobel da literatura em 1958, publicado em 1957, laureado com o
prémio Nobel da literatura, que simplesmente adorei. A estória de "O Doutor Jivago" é baseada no romance entre Dr. Yuri Zhivago (interpretado por Omar Sharif) e a enfermeira Lara Antipova (interpretada por Julie Christie) no seu refúgio na vila mítica de Yuriatin,
perto dos Montes Urais, na Rússia, durante os tempos imediatamente após
da Revolução de Outubro de 1917, e como as elites russas reagiram à
revolução bolchevique. Neste filme, as interpretações de Geraldine Chaplin (como Tonya Gromiko), Rod Steiger (como Viktor Komarovsky), Alec Guiness (como General Yevgraf Zhivago), e Tom Courtenay (como Pasha Antipov / Strelnikov) foram também extraordinárias.
Estes dois filmes (E Tudo o Vento Levou e Doutor Zhivago)
mostram de uma forma magistral o mesmo momento histórico em dois
lugares e tempos diferentes (a derrota dos estados do Sul dos Estados
Unidos da América, e o caír da aristocracia russa (que viria a ser
derrubada pela Revolução Bolchevique de Outubro de 1917), e que para o
nosso caso seria a queda do regime colonial em Angola. Mal sabia eu, que
pouco tempo mais tarde, eu haveria de estar numa
situação semelhante, de ver o mundo a caír à minha volta, e de
ter que considerar deixar Angola, e viver o resto da minha vida numa
pequena cidade como
Yuriatin, escondida nas frígidas Montanhas Rochosas do Oeste Canadiano.
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Poster do filme "Revolta na Bounty"
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Lembro aqui que adorei ver o filme "Revolta na Bounty",
uma estória maravilhosa baseado em factos reais passada nas
paradisíacas Ilhas do Pacífico (Tahiti) no Séc. XVIII, em que os
marinheiros da corveta HMS Bounty comandados pelo tenente Fletcher Christian (Marlon Brando), encantados com a beleza das ilhas e das mulheres do Tahiti, se revoltam contra os excessos do capitão do navio William Blight (Trevor Howard), e decidem ficar com as suas novas esposas nativas do Tahiti em vez de voltar ao mundo europeu de então. Se o filme "A Revolta na Bounty" foi a minha introdução ao sonho das Ilhas dos Mares do Sul (Sul do Pacífico), o filme musical "South Pacific"foi o que me conquistou os meus sonhos românticos para sempre.
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"South Pacific" - a subtil história de amor entre Nellie e Emile
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Desde
então sonhei sempre em visitar (e mesmo viver) nas paradisíacas ilhas
dos Mares do Sul. O filme é baseado no romance do escritor James Michener "Estórias do Sul do Pacífico" publicado em 1946, passado durante a Segunda Guerra Mundial, em que o romance entre a enfermeira americana Nellie (Mitzi Gaynor) e as crianças órfãs que ela tomava conta e o piloto francês Emile (Rossano Brazzi) era o tema principal, coadjuvado por um arranjo excepcional de canções e arranjos musicais de Richard Rogers e Oscar Hammerstein, adaptados para peça de teatro.
De todos os filmes musicais que vi, "South Pacific"
foi aquele que mais gostei, e que ainda hoje, mais de cinquenta anos
passados, me deixa a sonhar outra vez. Embora com um pouco de tristeza,
eu nunca tive a oportunidade de visitar as verdadeiras Ilhas dos Mares
do Sul, excepto as Ilhas do Hawaii, que visitámos quatro vezes, que são
apenas uma versão comercializada para turistmo de massas que nos faz
lembrar ainda que longinquamente o sonho das Ilhas dos Mares do Sul.
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Poster do filme "Hawaii"
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Ainda sob o tema das Ilhas dos Mares do Sul (sul do Pacífico) e escritos de James Michener, eu gostei muito de ver nessa altura o filme "Hawaii", que é uma obra épica de James Michener
sobre a colisão de culturas (Havaiana e cristã) na evangelização do
povo Havaiano no princípio do século XIX, em que os missionários
cristãos em vez de trazerem Deus e a Bíblia aos povos das Ilhas Hawaii,
trouxeram apenas doença, destruição, e o acabar do seu mundo. O filme
oferecia muitas cenas maravilhosas que mostrava a cultura Havaiana antes
do contacto com os europeus, especialmente música, dança, vestuário,
padrões morais, religião, costumes e tradições, relações de parentesco,
aristocracia, e organização política e social (uma verdadeira aula viva
de antropologia).
O
filme despertou em mim o interesse pela antropologia e pela dinâmica do
contacto entre culturas muito diferentes. Eu tenho ainda que confesar
aqui que eu gosto muito das Ilhas Hawaii e do seu povo, pois nós já lá
fomos quatro vezes, e se eu tivesse mais posses era onde eu haveria de
passar o pôr-do-sol da minha vida.
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Simone Signoret e Oskar Werner numa cena do filme "A Nave dos Loucos", 1965, baseado no aclamado livro de Katherine Anne Porter do mesmo título, publicado em 1962.
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Eu vi outro filme em Luanda que me fez pensar um pouco sobre a natureza humana e o direito natural da pessoa. O título é "A Nave dos Loucos",
baseado no livro best-seller da escritora americana Katherine Anne
Porter (1890-1980) que passou vinte anos a escrevê-lo e finalmente o
publicou em livro em 1962 e apareceu como filme a preto e branco em
1965. Eu penso que apesar do enredo magnífico e dOsa qualidade dos
actores (Vivian Leigh, Simone Signoret, Lee Marvin, José Ferrer, Oskar Werner, e Elizabeth Ashley) para além de ter sido dirigido pelo realizador Stanley Kramer), o filme recebeu pouco reconhecimento público, pois para mim foi um dos filmes que mais gostei.
O
enredo do filme foi baseado nas notas que a autora (Katherine Anne
Porter) tirou de uma viagem de cruzeiro que fez em 1931 do porto de
Vera Cruz, no México, à cidade de Bremerhaven, na Alemanha, em que
muitas pessoas diferentes viveram um universo um tanto surreal durante
os 27 dias da viagem transatlântica. O livro é um estudo em
caleidoscópio de personalidade de pessoas muito diferentes e de
situações específicas em que as mesmas se encontravam durante os anos de
fermentação do nazismo na Alemanha, numa Europa já então em
decadência.
O
que eu aprendi do filme é que cada um de nós como pessoa tem os seus
sonhos, capacidades, e limitações, e é esta diversidade de vectores que
nos fazem essencialmente iguais. Todos nós temos qualidades e defeitos,
pois não há grandes figuras na humanidade sem pelo menos um grande
defeito, da mesma forma que há não há pessoas fracas sem pelo menos uma
grande qualidade.
E
assim neste plano somos todos iguais, e como tal temos o direito e o
dever de sermos tratados com igualdade. É verdade que condições
específicas (condição social, riqueza/pobreza, herança cultural, matriz
psicológica, matrix biológica, idade, género, época em que vivemos,
etc.) nos podem ajudar a fazerem-nos diferentes e até únicos, mas todas
estas qualidades em conjunto são o que nos ajudam a definir o que é
pessoa (e humanidade). Assim, aprendi que "branco" e "preto" estão
intrinsecamente relacionados e iguais entre si (um ajuda a definir o
outro), pois em última análise ambos são apenas tonalidades de cinzento.
17. Cursos de Vida Apostólica
Como a maioria das demais famílias em Angola desse tempo, nós éramos católicos não
praticantes. Quer o meu pai ou a minha mãe, eles nunca nos obrigaram a
ir à missa, confessar, ou mesmo comungar, se bem que todos nós tivémos uma celebração especialpara a nossa primeira comunhão. Embora se possa dizer que em geral nós tivessemos sido educado
num ambiente cristão em casa, em que a fé era um pouco subordinada ao humanismo. Ainda na Damba, nós íamos à missa ao domingo porque todo o mundo o fazia. Já em Luanda, nós distanciámo-nos um pouco mais, não indo de regra à missa ao domingo, mas observando em geral os feriados religiosos.
Contudo, na escola nós éramos sujeitos a uma pressão católica maior através das aulas de religião moral e cívica (mais religião do que moral cívica, acrescente-se) e da acção da Mocidade Portuguesa. A isto devo acrescentar que o meu irmão Rui frequentou o Colégio dos Maristas, e as minhas irmãs Ema, Dilar, e Paula frequentaram o Colégio das Irmãs de São José de Cluny. No Liceu Paulo Dias de Novais, eu tive como professor de Religião e Moral o Padre André Muaca, uma pessoa verdadeiramente extraordinária que havia de exercer uma influência positiva na minha formação como pessoa e como cristão.
No Sétimo Ano do liceu Salvador Correia eu tive a sorte de ter sido escolhido para
participar num retiro de cristandade para jovens (os Cursos de Vida
Apostólica - CVA), onde de perto me havia de aperceber mais do papel que a religião e a
ideologia tinham na formação e controle da sociedade em que vivíamos.
Além de revitalizar um pouco a minha ténue fé, nos CVA eu fiz grandes amizades que se mantêm até hoje, aprendi muito sobre a operação da igreja católica e seus escritos (em especial sobre o Concilio Vaticano II), e aprendi também o dilema da Igreja Católica em Angola durante todo o período colonial em tentar reconciliar a violência colonial com o ideal de uma vida digna para os povos africanos por quem tanto se pugnava.
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Selo com figura da Igreja de Jesus em Luanda |
Cedo
me entreguei a esse ideal nobre, pois, de facto, os CVA foi um bom
movimento de juventude que fez uma obra notável em Luanda. Talvez pela
minha dedicação ao ideal do humanismo cristão, dentro de pouco tempo fui escolhido para
"responsável" (dirigente); dois anos mais tarde fui escolhido para
substituir interinamente o meu bom amigo Luís Delgado, que por sua vez tinha sucedido ao carismático Toni Barbosa (falecido há anos no Brasil), no cargo de presidente do movimento. Como tal, tinha encontros frequentes com o corpo de dirigentes leigos e religiosos (Padre Francisco Janeiro e Capelão Padre Jorge), em especial com o (então) Bispo Auxiliar de Luanda D. Eduardo André Muaca, que me ajudou a "abrir mais os olhos" à situação de injustiça social que a população não-branca de Angola tinha que enfrentar no seu dia-a-dia.
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Dom Eduardo André Muaca, Arcebispo de Luanda (1924- 2002) |
Natural
da área Missão Católica do Lucula, no posto de Tando Zinze, em Cabinda e de raça
negra, o Padre André Muaca, primeiro como professor de Religião e Moral no Liceu Paulo Dias de
Novais, e mais tarde como arcebispo na Arquidiocese de Luanda, teve uma
influência extraordinária na minha formação, e guardo dele as melhores
memórias como amigo genuíno. Guardo em especial a memória da cerimónia
inesquecível da sua consagração como bispo a 31 de Maio de 1970, na
Igreja de São Paulo em Luanda, já que Dom Eduardo André Muaca foi o segundo bispo de
raça negra em Angola, desde os tempos do Antigo Reino do Congo, isto é há mais de quatrocentos anos.
Nota - O primeiro bispo africano foi o príncipe Dom Henrique, príncipe do
Congo, tinha sido ordenado Bispo de titular de Útica pelo Papa Leão X em
1521, sob recomendação do Rei Dom Manuel I de Portugal. Em
reconhecimento por tão alta honra, o seu pai, o rei do Congo Dom Afonso
I, atribuiu-lhe a donataria da província de Pango (Mpangu).
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Interior da Igreja do Carmo em Luanda |
Os
CVA ofereceram-me a oportunidade de conviver com um grupo muito mais
amplo e diverso de amigos, oriundos de todos os quandrantes sociais de Luanda, e
de pensar na melhor maneira de aplicar a minha energia em projectos
concretos de relevância social; assim, envolvi-me em projectos de
assistência ao Abrigo dos Pequeninos (em cooperação com a Associação das
Vicentinas de Luanda (São Vicente de Paulo) na antiga Avenida Lisboa -
Aeroporto, agora Avenida da Revolução de Outubro), e do Beiral dos
Velhinhos (na Terra Nova), em que pude constatar ao vivo as necessidades
reais dos desprotegidos pela sorte e esquecidos pela sociedade.
A razão
que me levou a trabalhar com crianças muito novas foi um evento muito
trágico que ficou para sempre na minha memória, que tinha acontecido uns
anos antes em Luanda, quando 37 crianças que viviam num lar para
crianças orfãs no bairro da Terra Nova morreram por intoxicação
alimentar, quando por engano foram servidas comida feita com farinha contaminada por insecticida.
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Prédio do Abrigo dos Pequeninos de São Vicente de Paulo em Luanda
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Ainda
no domínio social, recordo o bom convívio que a reunião semanal (ultreias) às
Quartas-Feiras, a missa semanal às Terças-Feiras (incialmente na Igreja
do Carmo, e mais tarde na Igreja da Sagrada Família), e a missa no
Domingo à noitinha na Igreja de Jesus, nos ofereciam.
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Igreja da Sagrada Família em Luanda, inaugurada em 1964
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Talvez como mais-valia do trabalho social em que nos empenhámos, ainda nos CVA aprendi a diferença entre fé cristã e humanismo cristão de D. Helder da Câmara,
Bispo do Recife, abraçando gradualmente o humanismo cristão já que à
medida que mais aprendia e trabalhava no terreno, a minha fé em Deus (e
talvez nos homens) se desvanecia gradualmente. Provavelmente
influenciado pela realidade social angolana e pelo que lia e aprendia à minha volta, eu comecei a
acreditar em que o que era ser bom era ser humano, e o mal provinha do
que era ser perverso.
Eu aprendi assim (também gradualmente) que ambos o
paraíso e o inferno que a fé em Deus nos oferecia não era senão os
tempos felizes e maus que a vida nos dava cá na Terra, e que tudo terminava
quando morríamos, não tendo qualquer relevância o pós-vida, senão as
obras e memórias boas e más que haveríamos de deixar.
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Igreja da Sé (Nossa Senhora dos Remédios), na Rua Salvador Correia em Luanda
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Já que eu considerava os CVA como um movimento de juventude muito bom em Luanda, eu convenci o meu irmão Rui, e amigos Victor Azevedo e Zeca Silva (da Maianga) para tomarem parte num curso e aderir à obra importante que os CVA desempenhava entre a juventude de Luanda.
Eu
tenho muito boas memória de muitos amigos (irmãos) dos CVA, incluindo o
Toni Barbosa (já falecido), Luis Delgado, Aníbal Russo, Tommy Morais
(também já falecido), Victor Melo, João Marinho (Zinho), Fernando
Figueiredo, irmãos Rui e Chico Travassos, Eva
Bizarro (Mitinha), Abilio e Fati Nunes, Chino, Adriano
Baptista, Manos Zé e Luisa Guilherme (também já falecidos), Fernanda
Dias, Paula Serra Coelho (também já falecida), irmãs Lacerda (Teresa e
Fernanda), Dita, Célia Brito (Lilla), Carlos e Mizé Abreu, Hilário
Oliveira, Seara de Morais, Cecilia Alves (Cila), Carlos Godinho, Manas Tita e Fernanda Ramos, José Ataíde, Padre Janeiro, Padre Jorge, e muitos outros.
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Participantes no Sétimo CVA masculino, Luanda, 1969 (Eu estou na fila de baizo, segundo à esquerda)
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Um dos amigos mais chegados que tive nos CVA foi o António (Tó) Guerra,
que residiu antes de 1961 na vila do Quitexe (no Uíge) e que também foi
vítima dos ataques da UPA. O Tó Guerra gostava muito de aviões e de
tudo quanto era voar. Ele tirou o brevet no Aero Clube de Luanda. Com
ele tive a oportunidade de visitar Porto Amboím (antiga
Benguela-a-Velha) e Novo Redondo (hoje Sumbe). Fomos noutra viagem até
Cabinda com a intenção de comparmos aparelhagens de som (que eram
duty-free em Cabinda) ao longo da costa norte de Angola, passando pela
Barra do Dande, Caxito, Ambriz, Ambrizete (Nzeto), Santo António do
Zaire (Soyo), Boma, e a baía de Cabinda. Lembro-me que na viagem de regresso carregámos
peso demais na avioneta , o que nos fez a ter que deixar metade das
coisas em Ambrizete e ter que voar lá no dia seguinte para trazer o
resto.
Ainda em Luanda, o Tó Guerra casou com a Fernanda, que também era
membra dos CVA. Depois de deixarem Angola, eles viveram muitos anos em
Coimbra. Fui também amigo chegado da Tita (Fátima Ramos), que era irmã
da Fernanda. Lamentavelmente, o Tó Guerra veio a falecer prematuramente em
Coimbra há já alguns anos.
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Ermida da Nazaré em Luanda, aguarela de Zélia Reis Ferreira |
Decidi
então, com grande dificuldade pelas grandes amizades que tinha e ainda com certa incerteza quanto à fé (ou falta dela), deixar os CVA e abraçar o novo mundo que
então na Universidade de Luanda se abria para mim. Contudo, apesar deste
afastamento gradual da fé cristã, guardo dos CVA e dos amigos que lá
encontrei as melhores recordações.
Depois de mais de cinquenta anos passados é particularmente confortante
saber que o pessoal dos CVA continua ainda muito unido e tem um ou dois encontros anuais em
Portugal, graças à iniciativa do nosso amigo Aníbal Russo e de outros que teimam em lembrar-mos que a verdadeira amizade existe muito para além do tempo e da crença.